;No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho. E eu nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho.; O poema de Carlos Drummond de Andrade resume um pouco a vida dos novos moradores da Quadra 4E de Arapoanga, bairro de Planaltina, distante 40 quilômetros de Brasília. Além de pedras, eles se deparam com ferragens, restos de cimento, tijolos e muito concreto. O entulho é o que sobrou da antiga sede da fazenda do proprietário da área que parcelou o terreno, de aproximadamente 5 mil metros quadrados, e comercializou as frações. Após vender os lotes, em valores que variam entre R$ 14 mil e R$ 21 mil, o dono do terreno mandou demolir a sua residência particular e deixou o resto de construção no meio do loteamento.
O local que abrigava a antiga sede da fazenda do comerciante Rafael Moraes, 50 anos, é, hoje, a rua principal ; e sem saída ; que corta o novo loteamento composto por 35 terrenos, segundo os próprios moradores. De acordo com eles, além de obstruir a passagem, o entulho impede a implantação de serviços básicos. ;Já liguei várias vezes para CEB e para Caesb e sempre informam que, para colocar postes de luz e rede de água, é preciso retirar esse monte de entulho daqui, do meio do caminho;, relata o funcionário público Paulo César Gomes Fernandes, 35 anos.
Há seis meses ele deu início à concretização do sonho da casa própria. Comprou do homem que acredita ser o corretor de Moraes um lote de 243 metros quadrados por R$ 21 mil. As paredes começaram a ser erguidas, mas Paulo César teme não conseguir concluir a moradia. ;Se o vizinho começar a construir, será quase inviável o acesso ao meu terreno, porque o entulho está no meio do caminho;, lamenta. Enquanto isso, o funcionário divide um quarto com a mulher Eleni Vieira de Castro, 32 anos, e duas filhas na casa da mãe, na Vila Buritis.
Aqueles que já residem no local sofrem com a falta de infraestrutura urbana. A dona de casa Claudionora de Oliveira Barros, 39 anos, foi uma das primeiras pessoas a construir na área particular. ;Quando comprei o meu lote, há dois anos, o proprietário (Rafael Moraes) ficou encarregado de resolver tudo para nós. Depois que ele conseguiu vender todos os terrenos, sumiu;, acusa. Ela calcula ter gasto mais de R$ 5 mil com a retirada de restos de construções da porta de sua casa e com o reparo de instalações clandestinas de água e luz. A dona de casa afirma que, antes de improvisar as gambiarras, entrou em contato com as empresas prestadoras dos serviços e obteve a mesma resposta dada ao funcionário público Paulo César ; a de que, primeiramente, é preciso alguém tirar o entulho do caminho. ;Como a gente vai ficar? No escuro?;, indaga.
Sem água na torneira, o trabalhador Raimundo Nonato Silva, 33 anos, apelou para a cisterna da antiga fazenda. ;Quando meus meninos começaram a beber dessa água, eles passavam uma semana bem e a outra doentes;, conta ele, que é pai de três filhos pequenos. Depois, a bomba do reservatório foi roubada e a água não pôde mais ser consumida. O morador também afirma que os restos da construção oferecem riscos à saúde das crianças. ;Evito ao máximo que eles brinquem aqui fora, mas não tem jeito;, comenta.
Irregularidades
O dono da área, o comerciante Rafael Moraes, 50 anos, alegou que a retirada do entulho seria de responsabilidade da administração regional. ;Eu creio que não é minha obrigação porque eles (administração) sempre pediram para que eu saísse da casa para que a rua pudesse continuar (antes do terreno particular existe uma rua de casas). Depois, ele voltou atrás e se comprometeu dentro do prazo de 15 dias retirar o material do caminho.;
De acordo com o administrador de Planaltina, Geremias Antônio Lopes, a administração local não pode intervir, por se tratar de uma área particular que foi fracionada de forma irregular. O técnico de Planejamento e Gestão Urbana da administração, Vanderlei Dias Soares, explica que a fazenda está dentro da poligonal de Arapoanga e é passível de parcelamento, mas para isso seria preciso um termo de referência da Secretaria de Estado e Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (Seduma) com a definição dos parâmetros das edificações, como o número e destinação dos terrenos. Ele acrescenta que o fracionamento da fazenda se deu após o início das obras de infraestrutura do bairro, iniciadas em 2006.
;No plano urbanístico, a área é definida como particular. Para construir, eles precisariam ter a licença para construção; (1), adverte o técnico da Administração Regional de Planaltina. Os moradores dizem que o único documento que possuem é o comprovante de compra e venda do terreno. Em meio ao imbróglio, a comunidade aguarda uma solução. ;Não interessa quem vai tirar (o entulho), o que importa é que ele seja retirado;, resume, esperançosa, Eleni, mulher de Paulo César.
1 - Condições para construir
De acordo com o Decreto n; 29.562/2008, assinado pelo então governador José Roberto Arruda, nenhuma obra poderia ser concluída, caso não fosse iniciada antes de 31 de dezembro de 2006, sem planejamento urbanístico aprovado.
PARA SABER MAIS
Como tudo começou
As primeiras famílias começaram a se mudar para Arapoanga em 1992. As áreas, antes rurais, foram gradualmente sendo fracionadas e os lotes começaram a ser comprados sem estudo de impacto urbanístico e sem licença ambiental. Hoje, os mais de 45 mil habitantes vivem a expectativa da publicação do decreto que regulamenta o plano ubanístico do bairro ; o que, segundo a Administração Regional de Planaltina, deveria ter sido concluído em dezembro do ano passado. Depois de regularizados, os endereços devem passar por melhorias de infraestrutura urbana.