A paz voltou à Igrejinha da Asa Sul. Depois de muita polêmica sobre o painel do artista plástico Francisco Galeno, pintado no interior do templo em substituição aos adornos do artista italiano Alfredo Volpi (leia mais na Memória), os fiéis se acalmaram e voltaram a frequentar o espaço sem conflitos. A pintura de Nossa Senhora de Fátima tomada por cores e rodeada de pipas não agradou a todos os religiosos. De novembro de 2008 a junho de 2009, Galeno mudou três vezes o desenho da Virgem Maria para atender aos fiéis mais tradicionalistas. Mesmo assim, a imagem da santa que não tem olhos, boca e nariz e carrega temas infantis foi alvo de protestos.
O pároco responsável pela Igrejinha, frei Odolir Eugênio Dal Mago, garante que, com algumas exceções, agora as pessoas deixaram o assunto de lado. ;Finalmente está tudo bem. Ainda há quem goste e quem não goste, afinal, a percepção da arte é individual. Mas não precisava fazer aquele escândalo todo, levar a discussão para o noticiário nacional. Agora, a angústia acabou e a comunidade está tranquila;, disse o frei.
Em meio ao conflito, Galeno tentou explicar várias vezes a ausência do rosto. ;É uma homenagem a todas as mulheres que participaram da construção de Brasília. Cada mulher vai ver a própria expressão no rosto de Fátima;, disse. Traduziu também os elementos presentes ali. ;Com as cores, pipas, carretéis, lamparinas e galhos de árvore quis representar os três pastorinhos, a alegria, as brincadeiras, o lúdico da vida das crianças;, afirmou.
À época da polêmica, o Ministério Público Federal (MPF) pediu explicações ao Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan) a respeito da preservação do patrimônio. Quem era contra a renovação do templo usava o argumento de que a obra tombada estaria sofrendo mudanças. Por fim, prevaleceu a visão do Iphan de que havia apenas uma revitalização. Além disso, a obra de Galeno não havia sido pintada sobre a de Volpi e o órgão firmou o compromisso de que, ;se um dia se descobrir uma tecnologia a laser que conseguirá recuperar o desenho e a cor original de Volpi, então teremos Volpi novamente;.
Tranquilidade
O fim das discussões agradou a boa parte da comunidade. ;Pararam de brigar por isso, ainda bem. Para mim, Nossa Senhora está presente e isso basta. Para algumas pessoas, a figura estampada na parede reforça a crença. Mas a santinha é linda de todo jeito;, opinou Dulcinea Rodrigues, 84 anos, moradora da 306 Sul. ;Venho aqui todo domingo e várias vezes na semana para conversar com Nossa Senhora. Precisamos valorizar a presença do Santíssimo nesse lugar;, aconselhou.
Grande parte da família da dona de casa Delma Dias Ramalho, 59 anos, nasceu e foi criada na 308 Sul. A Igrejinha faz parte da história de cada um deles. ;A paz está reinando aqui, e eu fico feliz. O painel mudou um pouco, foi e voltou, mas eu gostei e achei o resultado muito legal. Temos um patrimônio histórico e motivos para comemorar;, disse Delma. ;Quando conheci o templo, eu era pequeno e ele já tinha pipas. Não seria bom mudar totalmente. Então fizeram algo semelhante e ficou bom;, acrescentou o filho dela, o administrador Henrique Dias Ramalho, 27 anos.
Inconformismo
Porém, nem tudo é calmaria e consenso. ;Continuo achando horroroso. Restauração é conservar o que tem e não mudar tudo. Nunca vi fazer pintura de banderola dentro de igreja, parece mais uma festa junina. Era para ser algo tradicional. A comunidade é meio revoltada e o clamor é geral entre os mais antigos. Se dependesse de mim, já tinha retirado tudo;, afirmou a moradora da 307 Sul Francelina Alvarenga Lopes, 67 anos. Frei Odolir acredita em reviravoltas nessa história. ;A obra ficou como estava, mas ainda pode mudar. Eles não deviam ter imposto, sem nenhuma consulta, uma transformação como essa à comunidade. Ninguém tinha esse direito;, disse o frei Odolir.
O Iphan não faz a mesma avaliação. ;Há três meses, houve uma reunião com o arcebispo de Brasília, dom João Braz Aviz, e ele garantiu que não haveria mais problemas dessa ordem. A decisão foi positiva por parte do próprio clero e acho que os fiéis entenderam, finalmente;, concluiu o superintendente do Iphan, Alfredo Gastal.
Tempo de comemoração
Nada melhor para celebrar a aparente harmonia que uma festa. Começou dia 1; e vai até dia 13 a tradicional comemoração em homenagem a Nossa Senhora de Fátima, com barracas de comidas e bebidas montadas na área externa da Igrejinha (307/308 Sul). Todo ano, centenas de pessoas passam pelo local para celebrar Nossa Senhora e experimentar as delícias preparadas pela comunidade católica que vive nas proximidades. Até essa data, todos os dias, às 18h20, haverá procissões, com saídas de várias quadras da Asa Sul perto do templo. Às 18h45 é hora da missa, benção e coroação da mãe de Jesus. Há missas também às 6h30, 8h, 10h30, 12h e 16h. Após a última sessão de orações, começa a festa. A Lei Distrital n; 4.089 de 2008, publicada no Diário Oficial do DF em 1; de fevereiro de 2008, incluiu no Calendário Oficial de Eventos do DF 13 de maio como o Dia da Festa da Padroeira Nossa Senhora de Fátima da Igrejinha.
Mais informações no site www.igrejinhadefatima.org.br.
Saiba mais
Cores fortes
Francisco Galeno (foto) nasceu no Piauí, mas adotou Brasília como terra do coração, mesmo na ausência de todo o mar que tinha na litorânea Delta do Parnaíba. Filho de um marceneiro, ele chegou a Brazlândia ainda jovem. Vive hoje na mesma cidade e lá mantém um ateliê, no qual faz trabalhos impregnados de originalidade e marcado pelas cores fortes. Teve por inspiração artistas como o pintor português Moreira Azevedo e o italiano Alfredo Volpi.
A identificação com esse último tornou Galeno o primeiro nome na lista de opções do Iphan para revitalizar a Igrejinha. Apesar das semelhanças, o artista brasileiro desenvolveu um estilo próprio e possui telas expostas em paredes nobres, como as do Palácio do Itamaraty. Suas criações também foram dadas de presente a diversos líderes mundiais pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que lhe encomendava quadros para levar nas viagens oficiais. (LM)
Memória
Oito meses de confusão
A confusão na Igrejinha começou com a necessidade de restauração do templo ; o primeiro de Brasília, projetado por Oscar Niemeyer a pedido da então primeira-dama, Sarah Kubitschek. De acordo com o Iphan, era impossível renovar de forma fidedigna o painel interno da Igrejinha, pensado pelo artista plástico Alfredo Volpi e inaugurado com o espaço, em 1958. Decidiu-se então por um painel de Francisco Galeno, que lembraria o original.
Em novembro de 2008, o Correio publicou um esboço do desenho feito em papelão. Dessa data em diante, o clima de polêmica entre os grupos contrários e a favor da obra de arte se instalou no templo. No ano passado, houve missa de protesto do lado de fora da igreja, com direito a cortinas pretas para dar o tom de revolta. A pintura chegou a ser paralisada com a entrega de um abaixo-assinado ao Ministério Público Federal, mas dias depois foi retomada.
Em 15 de junho, a imagem da santa amanheceu parcialmente coberta com um pano branco e fita crepe. Dias depois, alguém borrou a pintura de um dos anjos. Até mesmo representantes dos governos local e federal tentaram intervir, mesmo com a obra concluída em 26 de junho de 2009. Por fim, permaneceu a arte de Galeno.