A direção do Hospital de Base (HBDF) admitiu, ontem, que a unidade enfrenta dificuldade com a falta de insumos, mas negou que cirurgias de média e alta complexidade deixaram de ser realizadas por esse motivo. Na edição de ontem, o Correio mostrou que pelo menos 29 tipos de material básico ; de agulhas a esparadrapo ; estavam em falta na unidade hospitalar. Uma circular colada na semana passada na porta do Centro Cirúrgico mostrou a carência e informou aos especialistas que não havia previsão de reposição dos materiais.
Em entrevista coletiva ontem, o diretor do HBDF, Luiz Carlos Schimin, disse que das 72 cirurgias realizadas na primeira semana deste mês, cinco foram suspensas. ;Somente uma delas não foi feita por falta de material. As outras quatro foram por imprevistos na hora da operação;, ressaltou. O Correio também mostrou que, diante do problema, alguns médicos da rede pública precisam tirar dinheiro do próprio bolso para comprar os materiais que faltam e realizar as cirurgias. Em muitos casos, a família dos pacientes também acaba arcando com as despesas.
Mas a falta de material hospitalar não é o único problema enfrentado hoje na saúde pública. Há carência também de médicos para realizar os atendimentos, principalmente nas áreas de anestesista, pediatra e clínico-geral. No Hospital de Base, são 42 anestesistas, mas o número é muito aquém do necessário, segundo o próprio diretor. Segundo ele, precisariam de 80 a 100 para atender toda a demanda. O deficit no quadro se arrasta há dois anos. ;Temos cinco salas cirúrgicas desativadas há dois anos, mas não adianta ativá-las se não tiver anestesista. É um problema que gera outro. Não dá para resolver uma situação e não resolver as demais;, explicou Luiz Schimin. A quantidade de pessoas de outros estados que procuram atendimento em Brasília também acaba agravando o problema.
Ciente da precariedade instalada em todos os hospitais públicos do DF, o governador Rogério Rosso disse ontem que pretende ;atacar; o desabastecimento na rede com a descentralização da verba para a compra de insumos. ;Cada unidade, não só o Hospital de Base, será tratada de forma prioritária. Com essa decisão, cada diretor poderá fazer desde compras de medicamentos até a manutenção de máquinas. Ele não vai ficar com o pires na mão esperando uma resposta da Secretaria de Saúde para resolver, às vezes, detalhes. São várias ações, tanto do ponto de vista orçamentário até a abertura de contas. As unidades passarão a funcionar como centrais de administração e gestão;, garantiu. O valor mínimo de cada cota é de R$ 30 mil no primeiro ano do programa.
Pregão
Em nota, a assessoria de imprensa da Secretaria de Saúde disse que a falta de material nos hospitais é resultado da ausência de interesse de empresários em vender os produtos pelo preço mínimo, o que era uma exigência do Tribunal de Contas (TCDF). Segundo o órgão, 80% dos pregões fracassaram, mas o governo ;está preparando uma grande compra para que os hospitais fiquem abastecidos por, pelo menos, seis meses;.
A secretaria aguarda o prazo legal de compra e entrega desses medicamentos e insumos, mas, enquanto isso, disse que pequenas aquisições estão sendo realizadas utilizando o suprimento de fundos da Unidade de Administração Geral (UAG). Para adquirir todos os materiais necessários, o diretor do HBDF estima que sejam necessários pelo menos R$ 200 mil. A secretaria informou que já conseguiu autorização do TCDF para comprar medicamentos e insumos com base no preço médio do Centro-Oeste.
Colaborou Saulo Araújo
Os atendimentos
; Em 2009, o HBDF realizou 11.552 mil cirurgias;
; Nos primeiros cinco dias deste mês, a unidade hospitalar realizou 72 cirurgias de média a alta complexidade. Dessas, cinco foram suspensas, segundo a direção;
; Do total de cirurgias, cerca de 10% a 12% são suspensas anualmente.
A média é de 1,2 mil procedimentos não realizados;
; No HBDF existem 40 leitos de UTI, sendo que 12 são da pediatria e 28 para adultos. Para atender todos os pacientes, o ideal seria que houvesse o dobro de leitos;
; Em toda a rede de saúde pública existem 192 anestesistas. Destes, 42 estão no Hospital de Base, mas a carência é de 30 profissionais apenas na unidade;
; No ano passado, havia 380 horários para operações a cada mês, mas, agora em maio, a estimativa é de que esse número caia para 220, em razão da falta de anestesistas;
[SAIBAMAIS]; A área administrativa do HBDF também sofre com a falta de pessoal do setor administrativo. São 258 servidores e o deficit é de 60 profissionais.
Longas filas, a principal queixa
Na maioria dos hospitais, a demora no atendimento lidera o ranking de reclamações. Sentindo tontura, falta de ar e fortes dores de cabeça, a cozinheira Claudina Barbosa, 35 anos, preferiu não aguardar na fila do Hospital de Base para ser avaliada por um profissional. ;Vou procurar outro hospital porque aqui ela terá de esperar muito. Com saúde não se brinca;, queixou-se o marido, o auxiliar de cozinha Ismael Ferreira, 27 anos.
No mês passado, foram nomeados 809 concursados, entre dentistas, farmacêuticos, nutricionistas e auxiliares de enfermagem. Mas a principal carência é de clínicos e anestesistas. Havia 200 vagas, mas apenas 145 médicos se inscreveram para realizar a prova. A falta de interesse dos profissionais para trabalhar na rede pública acaba influenciando diretamente na qualidade da saúde. O vigilante Francisco Antônio de Lima, 55 anos, deu entrada às 7h30 no Hospital Regional de Ceilândia (HRC) e esperou mais de oito horas para ser atendido. ;É sempre a mesma coisa: nunca tem médico.;
A dona de casa Eva Cristian Nouga, 32 anos, passou a quinta-feira no HBDF. Às 16h, ela ainda aguardava consulta. ;É pouco médico para muita gente. Sem contar que falta tudo;, contou. Eva sofre de necrose nos dedos em razão de problema circulatório. ;Na semana passada eu fiz um curativo, mas tive de voltar para casa apenas com uma gase enrolada no dedo. Não tinha faixa nem esparadrapo. Eu poderia ter pego uma infecção;, lamentou. (MP)
Ciclista enterrado
O corpo do ciclista Alexsandro Santos Brito, 31 anos, foi enterrado ontem no Cemitério de Taguatinga. Ele participava de uma prova de mountain bike no último domingo quando bateu a cabeça ao cair de uma ladeira. Levado de helicóptero para o Hospital de Base com traumatismo craniano, Alexsandro precisou ser levado para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), mas não havia vagas. A transferência ocorreu no dia seguinte, quase 28 horas depois da chegada ao HBDF e só após intervenção judicial. A família está inconformada com a morte. Segundo o cunhado da vítima, Marcus Polo Rocha Duarte, durante o tempo em que o jovem ficou no pronto-socorro, faltaram diversos materiais. Um deles foi um esparadrapo para prender a agulha de soro no braço do paciente. ;Quando vi que tiraram um pedaço de esparadrapo para colocar nele, não acreditei. É um desrespeito muito grande com o ser humano;, reclamou.
O diretor do HBDF, Luiz Carlos Schimin, disse que o jovem recebeu todo auxílio necessário enquanto estava no pronto-socorro e não morreu por causa de atendimento inadequado. ;Ele teve uma hemorragia cerebral dentro do ventrículo. Não havia indicação para cirurgia. Não tínhamos o que fazer porque o caso era irreversível;, justificou. Os parentes de
Alexsandro não pretendem processar o hospital por causa da morte do rapaz, mas reclamam da situação a qual pacientes e médicos estão submetidos na maior unidade de saúde do Distrito Federal. ;O que é revoltante é precisar da ajuda e não ter nem o básico. Não tinha nem saco de sonda para coletar a urina do meu cunhado;, destacou Marcus Polo.