A liberdade de Alex Peterson Soares, 23 anos, um dos três acusados de participar do triplo homicídio na 113 Sul, durou apenas quatro meses. Dessa vez, foi ele mesmo que pediu para ser internado em uma clínica especializada em tratamento de usuários de droga, pois reconheceu que estava atolado no vício da cocaína. O consumo teria aumentado, segundo ele, devido ao trauma que sofreu durante os 30 dias em que ficou preso na 1; Delegacia de Polícia (Asa Sul). ;Eu fui torturado. Fui obrigado a confessar um crime que não cometi;, disse ontem, em entrevista ao Correio.
A prova que o relacionava ao rol de suspeitos de cometer o triplo assassinato era a chave que abria a porta de serviço do apartamento da 113 Sul onde foi morto o casal José Guilherme Villela e Maria Carvalho Mendes Villela, além da governanta da casa, Francisca Nascimento da Silva. Conforme o Correio antecipou ontem, o Instituto de Criminalística da Polícia Civil concluiu um novo laudo na quarta-feira constatando que a chave encontrada no quarto de Alex era, na verdade, a mesma recolhida e fotografada por peritos no cenário do crime.
Mesmo inocentado da acusação, Alex não está aliviado. Diz que tem medo de uma possível perseguição. Ao ser questionado de quem partiria um suposto ataque à sua integridade física, ele não apontou nomes, mas revelou um dos momentos em que esteve com um agente de polícia a sós na cela em que estava: ;Um agente da 1; DP me ameaçou que, se eu contasse alguma coisa, eu ia me ver com ele na rua;, afirmou.
Alex estava acompanhado do irmão Édson Carvalho, 29, quando conversou com a reportagem. É ele que o sustenta, pois Alex ficou desempregado após ser preso. De bermuda, camiseta e chinelos, aparentava nervosismo durante a conversa, que se deu em uma clínica de recuperação de viciados. ;Eu era impedido até de urinar. Eles queriam que eu confessasse;, disse. O que acabou ocorrendo, segundo gravação de confissão arquivada nos autos do inquérito, quando o caso estava na 1;DP. O depoimento foi colhido na sala da delegada Martha Vargas. ;Para parar de apanhar, você confessa tudo;, acusou. As torturas, de acordo com Alex, teriam sido diárias. Mas ficou marcada em sua memória uma delas, que teria se dado quatro dias antes de ele confessar que havia recebido a chave do vizinho Cláudio José de Azevedo Brandão, 38, outro suspeito preso. ;Quatro agentes me puseram em uma Blazer e começaram a rodar comigo. Dentro, me espancaram;, acusou.
O diretor da Polícia Civil, Pedro Cardoso, disse não acreditar na versão de Alex. ;Ele confessou porque estava em período de abstinência da droga. Queria sair logo da prisão;, afirmou. Mas ele garantiu que a denúncia será investigada. ;Vamos apurar tudo agora.;
; Cinco perguntas para Alex Peterson Soares, um dos homens que chegou a ser apontado como suspeito do crime da 113 Sul
Há uma gravação em que você admite ter recebido a chave do apartamento do casal assassinado das mãos de Cláudio para escondê-la. Em troca, você disse que receberia uma quantia alta em dinheiro. Como você explica essa prova?
Aquilo ali foi porrada. (Confessei) para parar de apanhar.
Ela (delegada Martha Vargas) bateu em você?
Não. Foram os agentes dela que me bateram. Quatro dias antes, por volta das 22h, eles me puseram no banco de trás de um carro e começaram a rodar comigo. Eram quatro agentes. Fiquei no banco de trás. Colocaram um saco plástico preto na minha cabeça. Desmaiei. Foi tudo o que me lembro. No dia seguinte, suspenderam o banho e não deixaram eu ir ao banheiro nem para urinar. Depois disso, resolvi confessar.
Onde foi que você deu o depoimento que acabou sendo gravado?
Na sala da delegada Martha Vargas. Até cigarro ela me ofereceu depois que eu falei que ia confessar. Estava com dor de cabeça e ela me deu comprimido também.
Mas a versão que você apresentou parecia real.
E você se mostrava sereno durante o depoimento dado na 1; DP;
Ela dizia uma coisa e mandava eu confirmar. Eu criei a história da minha cabeça. Você não criaria para parar de apanhar?
E agora, como será a vida daqui para frente?
Primeiro, tenho de dar um jeito de sair daqui, do Distrito Federal. Estou com medo de morrer.
; Sindicato cobra apuração rigorosa
Guilherme Goulart
O Sindicato de Delegados de Polícia do Distrito Federal (Sindepo-DF) cobrou ontem da Polícia Civil uma investigação rigorosa para as suspeitas de que a delegada Martha Vargas falhou no inquérito responsável pelo triplo homicídio na 113 Sul. O presidente da entidade, delegado Mauro Cezar Lima, defendeu a ampla defesa da colega, mas reforçou a necessidade de apuração. ;A corporação está indignada com algo que abalou a instituição. É preciso instalar um processo administrativo para descobrir por que aquela chave apareceu no local das prisões;, afirmou.
Lima ainda classificou o episódio como ;absurdo;. Para ele, o responsável pela falha tinha acesso livre à 1; Delegacia de Polícia, na Asa Sul. Era na unidade policial que se encontravam os materiais apreendidos ao longo da investigação das mortes do casal de advogados e da empregada da família ; o Instituto de Criminalística (IC) também tinha as fotos de todos eles. ;Se existe algum bandido na polícia, terá de responder pelos seus atos. Repudiamos essa postura, caso venha a se confirmar;, disse o presidente do Sindepo-DF.
Para o delegado Cleber Monteiro, que à época dos trabalhos realizados pela 1; DP exercia o cargo de diretor-geral da Polícia Civil do DF, as suspeitas de irregularidades devem ser aprofundadas. ;Tudo deve ser apurado profundamente, pois não se admite qualquer suspeita em uma investigação, ainda mais se envolve a vida e a liberdade de pessoas;, avaliou. Monteiro, que hoje está aposentado da corporação, sempre apoiou a investigação conduzida pela delegada e apareceu como um dos responsáveis pela proposta de força-tarefa no momento em que a Justiça do DF exigia que o caso fosse assumido por uma delegacia especializada em homicídios.
À época, a cúpula da corporação tratou como retrocesso a determinação judicial. Sem opção, a Polícia Civil cumpriu a ordem, mas criou uma apuração polarizada entre a 1; DP, a Coordenação de Investigação dos Crimes Contra a Vida (Corvida) e a Divisão de Repressão a Roubos (DRR). O grupo de trabalho, coordenado pela Corregedoria-Geral da PCDF, acabou desfeito em um mês. O estopim para a extinção teria sido o fato de a Corvida não ter pedido a prorrogação das prisões de dois suspeitos presos com a chave dos Villela. A razão, se sabe hoje, passa pela desconfiança em relação à prova.