O choro do bebê era aguardado para antes da meia-noite do 21 de abril. No cinquentenário de Brasília, os holofotes estavam voltados para o Hospital Regional de Santa Maria (HRSM), onde dezenas de jornalistas se aglomeraram do lado de fora na expectativa do nascimento de Davi Emanoel Prudêncio Ferreira. Mas a pequena celebridade tratou de fugir dos flashes e não se apressou para dar boas-vindas ao mundo. Não nasceu no aniversário da capital, mas veio ao mundo no dia do descobrimento do Brasil por Pedro Álvares Cabral, às 3h38 de ontem. O parto foi normal. Mamou, dormiu, mamou de novo e só depois posou para a primeira foto, às 17h. Lá estava ele, de olhos fechados, aconchegado ao peito da mãe, a dona de casa Odília Ferreira da Silva, 22 anos. Minutos depois, abriu um berreiro (o primeiro depois de nascido) e, ao acordar, revelou o seu maior segredo: os olhos azuis.
Mas os olhos da cor do mar não são o diferencial de Davi. O bebê de pele branquinha e cabelos pretos é sobrinho de Brasiliano Pereira da Silva, 50 anos, afilhado de Juscelino Kubitschek e da primeira-dama Sarah Kubitschek. Brasiliano, ou ;Brasil;, como é conhecido, foi a primeira criança a nascer no Planalto Central em 21 de abril de 1960 e batizada por Juscelino (veja memória). Ontem, ele conheceu o mais novo ilustre brasiliense e se emocionou ao pegar a criança no colo.
;Olha só! Ele parece um leitezinho de tão branquinho. Meu apelido é Brasil e o dele vai ser Brasilzinho;, brincou o tio coruja. Davi nasceu com 3.080 kg, mas o único trabalho que deu, por enquanto, foi para chegar. As contrações de Odília começaram por volta das 20h30 da quarta-feira, mas o danadinho não deu sossego e só resolveu deixar o ventre da mãe quase oito horas depois. ;Foi muito sofrido. Meu marido assistiu ao parto e disse que, depois dessa, vai me tratar como princesa;, disse Odília, entre risos.
Expectativas
Se a mãe é a princesa, Brasilzinho promete ser o príncipe. Se depender da história do tio e dos olhos claros, ele pode se considerar eleito. Todos da família só estão curiosos para saber como Davi será daqui a 50 anos. ;É uma nova geração que se inicia. Vou ensinar que ele tem que estudar tudo o que eu sei sobre a história de Brasília para ser alguém na vida. Vai ser um bom brasiliense, com certeza;, aposta o pai da criança e irmão de Brasiliano, o consultor técnico Moisés Prudêncio da Silva, 32 anos.
Para Brasiliano, o sobrinho vai crescer prestigiando a cidade e o país em que vive. ;Eu amo Brasília e tenho certeza de que ele vai amar e ter orgulho desta cidade;, acredita. O afilhado de Juscelino Kubitschek lembra ainda quando o pai, o operário Justo José da Silva, o levava para passear pela Esplanada dos Ministérios. ;Quando eu tinha uns 8 ou 9 anos, ia de ônibus com meu pai para a Rodoviária do Plano Piloto para lanchar e ficar observando os prédios da Esplanada de cima da plataforma superior. Meu pai dizia que o Congresso Nacional tinha dois braços. O braço virado para baixo era o do pobre e o virado para cima era o do rico;, brincou.
Davi deve receber alta hoje do hospital. Tios, primos e todos os parentes e vizinhos estão ansiosos para a chegada do pequeno príncipe à casa. Um churrasco está marcado amanhã para comemorar os aniversários. Afinal, não era de se esperar que Brasilzinho nascesse praticamente no mesmo dia que o tio. ;Não nasceu no aniversário de Brasília, mas nasceu no aniversário do Brasil. Temos de festejar;, comentou Brasil. Daqui a 50 anos, Brasiliano fará 100 anos junto com a capital. ;Quero estar vivo para ver meu sobrinho na idade que tenho hoje. Vai ser muito legal. Acho que Brasília vai crescer muito e ficará ainda mais bonita;, imaginou.
Memória
Parto e foguetes
Em 21 de abril de 1960, Brasília estava em festa: inaugurava-se a tão sonhada capital. Juscelino prometeu que batizaria o primeiro bebê nascido na cidade e assim o fez. A lavadeira Nita Pereira da Silva, hoje com 77 anos, viúva do operário Justo José da Silva (hoje, ele teria 89), recebeu no dia seguinte a visita ilustre em sua humilde casa, que ficava no antigo acampamento da Vila Iapi, no Núcleo Bandeirante, montado para abrigar os trabalhadores da construção. ;Ele (Juscelino) veio com muita alegria dizendo que seria padrinho do meu filho e que ele se chamaria Brasiliano. Fiquei muito feliz e concordei na hora com o nome;, contou a pioneira em entrevista ao Correio.
Brasiliano nasceu em casa, pelas mãos da vizinha parteira, Luiza. Antes, dona Nita tinha colocado um vestido longo para acompanhar os festejos na Esplanada. Chegou a entrar no ônibus, que de tão cheio mal lhe permitia dar alguns passos. Preocupado, o marido achou melhor que Nita não espremesse a barriga de nove meses na multidão. ;Assim que os fogos de artifício começaram a estourar, minha mãe entrou em trabalho de parto. Deu para ver tudo de casa;, contou Brasiliano, retomando detalhes das histórias relatadas pelo falecido pai.
O fato de ser afilhado de um ex-presidente não fez de Brasiliano uma pessoa rica. Ele mora em uma casa simples no Recanto das Emas e mantém a humildade dos pais, naturais da cidade de Morro do Chapéu, na Bahia. É casado com Antônia Cristina Pessoa, 37 anos, e pai de cinco filhos: Érica Adalla, 27; Thainy Genes, 16; Heloísa da Conceição, 7; Kleiton Guilherme, 14; e Cristian Gabriel, de apenas 11 meses.