Cinquenta anos é pouco tempo para se formar um sotaque, mas, de acordo com linguistas, já existem tendências perceptíveis no modo de falar brasiliense. Na cidade que recebeu sotaques de todo Brasil, uma das tendências mais fortes é a perda das marcas mais características dos modos de falar de cada região, de acordo com a pesquisa realizada pela professora da Universidade de Brasília (UnB) Stella Maria Bortoni.
;Mesmo com pouco tempo, a curva melódica já está presente. Na fala de Brasília, não há traços muito marcados de outras regiões. O que era bem característico na fala dos que vieram para cá já não está presente na fala dos próprios filhos. As gerações de brasilienses, que hoje somam cerca de 50% da população do Distrito Federal, não proliferaram as marcas mais conhecidas do sotaque dos pais;, defende a professora.
Não se encontra na fala do brasiliense, por exemplo, o chiado do carioca e de outras cidades litorâneas que conviveram muito tempo com os portugueses. O ;s; é pronunciado à mineira. Não há a ênfase e as interjeições dos gaúchos. Os erres puxados dos goianos e mineiros do sul do estado e do Triângulo desapareceram da fala dos filhos da capital. Também não se tem as vogais abertas dos baianos, nem o típico ;t; e ;d; dos pernambucanos e paraibanos. ;Não são diferenças tão grandes assim, afinal, todos falamos português;, destaca a professora.
;Estas marcas que caracterizam os sotaques de todo país são as reconhecidas pelo senso comum. São aquelas que nos indicam com quem estamos falando. A tendência de que essas marcas desapareçam do falar do brasiliense é muito forte e é um indício de que o falar desse pedaço do Centro-Oeste poderá não ter marcas típicas;, analisa a professora, organizadora do livro O Falar Candando, que reúne 14 artigos sobre aspectos sociolinguísticos presentes na fala do brasiliense.
Stella Maris também percebeu diferenças no falar das comunidades que moram no Entorno do DF e de quem vive no Plano Piloto, e ainda de quem teve acesso à escola. ;À medida que a pesquisa prosseguia, comecei a levar em conta a articulação de três movimentos, que expressam bem o que Brasília exibe na fala e na cultura de seus residentes. São eles: do rural para o urbano; do oral para o letrado; e do regional para o suprarregional;, destaca.
Nesses movimentos, a professora também identificou outros rompimentos. ;A questão do rural para o urbano é muito relevante, pois Brasília foi construída em uma área de rica e tradicional cultura rural, com a qual a cidade rompe na medida em que ela própria representa a urbanização. A cidade, de fato, foi fundada em um período em que o Brasil todo experimentava uma rápida transição de um modus vivendi rural para o urbano.
O falar dos mais jovens ainda está repleto de expressões que funcionam como um fator de identificação. Entender a letra da música Eduardo e Mônica, de Renato Russo, por exemplo, seria possível apenas para os ;iniciados; no "português candango". Só em Brasília se anda de camelo (bicicleta) ou se pega um baú (ônibus). É aqui também que a meninada jovem chama os amigos de ;véi;
A própria arquitetura também emprestou ao ;falar candango; expressões que só fazem sentido no glossário da capital federal, onde ;fazer uma tesourinha; significa para o motorista retornar utilizando o conjunto de retornos nos cruzamentos em forma de trevo entre as superquadras.