Depois de duas semanas de chuva e alagamentos em vários pontos da cidade, os brasilienses terão um fim de semana com céu claro e muito sol. Mas para quem vive em áreas de risco ou sem projeto de urbanização, o medo dos temporais é constante. Apesar de ter uma geografia favorável, com muitos terrenos planos, assim como muitas cidades brasileiras, Brasília não está preparada para as fortes chuvas registradas no início do mês. Dos 10 mil quilômetros de asfalto construídos nas vias urbanas de Brasília, apenas 23% têm redes de captação de águas das chuvas. As avenidas que não contam com esse sistema ficam mais expostas a inundações durante os temporais. A falta de um sistema de drenagem pluvial deixa capital mais suscetível a inundações e também pode causar danos ambientais.
A expectativa dos brasilienses é que, com a chegada da seca, o governo acelere o início das obras de melhorias na rede de captação. Não há, no entanto, nenhuma previsão para o começo dos trabalhos. O Programa Águas do DF ; que prevê investimentos de US$ 200 milhões (cerca de R$ 352 milhões) ; depende de liberação do Tribunal de Contas do DF para ser implantado. Enquanto isso, funcionários da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) tomam providências paliativas, como a limpeza e o monitoramento das bocas de lobo e das galerias de águas pluviais.
Além dos problemas burocráticos, a melhoria do sistema de drenagem esbarra ainda em uma questão política. O custo de uma obra de captação em uma determinada área é equivalente à pavimentação do mesmo trecho. Normalmente, as autoridades preferem gastar os recursos com construções que possam ser vistas pela comunidade, como o asfalto. A construção de galerias para a chuva, apesar de essencial, não é percebida pela população e, portanto, é preterida nos cronogramas de obras públicas.
Além disso, outro ponto contribui para o deficit do sistema de drenagem em Brasília: a falta de planejamento urbano. Como nos últimos 20 anos a cidade cresceu sem organização, a infraestrutura dos novos parcelamentos foi feita pelos próprios moradores. Em muitas áreas, como em Vicente Pires, as ruas foram pavimentadas, mas o sistema de drenagem não atende o volume de asfalto construído. Com isso, a água da chuva fica retida no solo, desgastando a pavimentação, causando alagamentos e erosão.
Em Taguatinga, os moradores evitam determinadas vias em dias de chuva. Sabem que a inundação é praticamente inevitável, por mais fraca que seja a precipitação. A Avenida Samdu é um dos pontos críticos. Na região da QNL, há pontos em que a água sobe a até um metro de altura. Na área próxima ao Buritinga, nas quadras QNG, também é difícil circular quando a cidade é castigada por um temporal. ;Já reivindicamos melhorias, mas ninguém investe. Perto do Estádio Serejão, quando chove muito, nem o Metrô consegue passar. É complicado;, critica o presidente da Associação de Moradores de Taguatinga, Geraldo Inácio Patriota.
Ceilândia também sofre com as chuvas. Na cidade, há vários pontos de alagamento, além do problema da erosão. Quando a água não é absorvida pelo solo, segue pelas ruas, ganha velocidade e acaba desgastando o solo, formando grandes crateras. No condomínio Privê e nos parcelamentos Sol Nascente e Pôr do Sol ; todos construídos irregularmente ; a comunidade convive com essa realidade e aguarda ansiosamente pelas obras de drenagem pluvial.
Jogo de empurra
O presidente da Associação Comunitária de Ceilândia, Edson Siqueira, conta que há três pontos críticos na cidade. O primeiro está localizado em frente às quadras QNM 5 e 6. A pista que liga o Setor O ao P Norte também alaga com frequência. ;Não precisa cair um dilúvio, basta qualquer chuvinha;, reclama Edson, destacando que a região próxima à Feira do Produtor de Ceilândia também sofre com os alagamentos. ;O governo fica num jogo de empurra e quem sofre são os moradores;, acrescenta o líder comunitário.
O secretário de Obras, Jaime Alarcão, explica como o governo pretende aplicar os recursos do Programa Águas do DF. ;Os locais que terão prioridade na destinação de recursos serão a Asa Norte e Taguatinga;, afirma Jaime. Na Asa Norte, o governo vai construir o sistema do eixo 2, que vai da quadra 902 à 602, e o das quadras 10. Em Taguatinga, os pontos mais urgentes são as avenidas Comercial, Samdu e Hélio Prates. Dos US$ 200 milhões previstos, US$ 140 milhões virão do GDF e US$ 60 milhões serão financiados pela Corporação Andina de Fomento, uma entidade financeira internacional.
Além de captar a água da chuva, o projeto prevê a redução do impacto ambiental. Isso porque toda água pluvial será direcionada para uma bacia de contenção, que vai reter toda a lama e o lixo. ;Isso será uma inovação. Vai resolver os problemas recorrentes de alagamentos e também protegerá nossos mananciais e o Lago Paranoá;, garante o secretário de Obras.
Jaime Alarcão explica ainda que, atualmente, o GDF só pavimenta vias que já contam com o sistema de drenagem, mas afirma que nem sempre foi assim. ;Muitos governantes preferiram fazer mais asfalto e dispensaram a construção de redes de captação. Mas sem a destinação correta para a água da chuva, a pavimentação tem durabilidade menor e o gasto acaba sendo bem maior;, explica o secretário.
O engenheiro João Paulo Souza Silva, do Centro Interdisciplinar de Estudos em Transportes da Universidade de Brasília, lembra que o funcionamento adequado dos sistemas de drenagem minimiza os problemas no trânsito. ;Ele contribui para uma maior segurança dos usuários das vias públicas;, garante.
Outro risco das inundações são os prejuízos econômicos, como a inundação de casas ou o tempo que as pessoas perdem paradas no trânsito. ;Os problemas econômicos têm impactos tanto para o poder público, com desgaste do pavimento e quedas de sistema de iluminação, como para a comunidade, com danos em veículos e materiais;, finaliza o especialista da UnB.
Agressão ao verde
A falta de captação correta de água da chuva pode causar a contaminação dos mananciais de abastecimento público. Além disso, pode acarretar até o desequilíbrio de ecossistemas, erosão e a contaminação do solo.
Análise da notícia
Investimento essencial
A construção de redes de captação de águas da chuva protege o meio ambiente, evita gastos futuros com reparos do asfalto e, principalmente, previne o alagamento das ruas da cidade. Apesar de ser um pré-requisito nas obras de engenharia, o sistema de drenagem pluvial não fez parte do planejamento de Brasília. Menos de um quarto das vias urbanas da capital federal têm galerias para captar a água da chuva. Com isso, os brasilienses precisam conviver com inundações com a chegada de qualquer temporal.
Esta semana, a chuva deu uma trégua e, em breve, Brasília entrará num longo período de estiagem. Seria o momento ideal para programar obras de melhorias no sistema de drenagem para que, na próxima temporada de chuvas, a capital esteja pronta para enfrentar os temporais, sem risco de alagamentos. É preciso uma solução definitiva para o problema, que evite transtornos e prejuízos para os brasilienses. Os investimentos em captação de águas da chuva não rendem votos, mas são essenciais para uma metrópole como Brasília. (HM)