Jornal Correio Braziliense

Cidades

Violência em comércios das asas Sul e Norte leva medo à área nobre de Brasília

Grades, alarmes, câmeras de monitoramento e segurança privada. Os estabelecimentos comerciais das asas Sul e Norte se transformaram em verdadeiras fortalezas contra o crime. Foi-se o tempo em que os donos deixavam as portas abertas até perto de meia-noite sem se preocuparem com assaltos. Hoje, a realidade nas duas áreas nobres da capital do país é bem diferente. O medo há alguns anos fala mais alto do que o lucro, e quase ninguém se arrisca a estender o expediente após às 18h.

Exemplos que justifiquem o receio dos empresários não faltam. No último dia 29, o segurança da matriz do Hortifruti Oba, na 306 Norte, Thiago de Almeida Martins, 29 anos, foi assassinado ao tentar impedir o roubo de um malote de dinheiro. O rapaz foi atingido com dois tiros nas costas e morreu antes de ser socorrido.

Na outra Asa, a Sul, a Quadra 302, por cinco minutos, lembrou o Rio de Janeiro em dias de tiroteio. Era por volta das 16h da última terça-feira quando um homem anunciou um assalto na Entrevôo Turismo. Após render os três funcionários e se preparar para sair da loja, dois policiais militares chegaram. Nervoso, o bandido abriu fogo contra os militares, que evitaram revidar para preservar a vida dos reféns. Três carros estacionados em frente à loja tiveram suas latarias rasgadas pelas balas. Pessoas corriam sem rumo por entre os carros, outras buscavam refúgio dentro dos comércios. O terror só chegou ao fim quando o criminoso libertou uma das vítimas e tentou fugir, sendo alcançado e preso em seguida. O gerente do estabelecimento, Ezequias Santos, 40 anos, diz que vai ser difícil esquecer os momentos. ;Ele poderia virar o revólver e atirar em nós, que estávamos deitados. É apavorante ficar sob a mira de uma arma. A sensação é de que a qualquer momento pode acontecer algo pior;, lembra.

Nem os shoppings centers, que parecem seguros, estão livres da ousadia dos ladrões. Ontem, um homem tentou roubar os funcionários de uma lotérica no Pátio Brasil, em plena tarde. Os seguranças do centro comercial, com a ajuda de policiais militares, conseguiram deter o bandido.

Casos recorrentes
As três ocorrências ficaram conhecidas porque chegaram à mídia e, ao contrário do que muitas autoridades alegam, não são casos isolados. O Correio conversou com dezenas de vendedores e donos de comércio nas duas Asas, ontem. Todos já sofreram algum tipo de violência ou indicam um vizinho que teve de contabilizar prejuízos por conta de furtos e roubos. A funcionária de uma padaria na 302 Sul, que não quis se identificar, assaltada oito vezes, aponta os estabelecimentos próximos ao seu que já foram alvos de marginais. ;Lá embaixo foram duas. Aí na frente tem outra. Das lojas mais antigas, quase todas já foram roubadas;, conta.

As estatísticas referentes ao crime divulgadas pela Secretaria de Segurança Pública apontam uma redução de roubos e furtos a comércios no Distrito Federal em 2009, mas não mostram a divisão por regiões. Em 2008 ocorreram 2.490 roubos, contra 2.375 em 2009. Já os furtos a comércios passaram de 3.585 em 2008 para 3.993 no ano passado.

Essa redução, porém, não foi percebida pelos comerciantes das asas Sul e Norte. O gerente de uma copiadora na 103 Norte, Orsino Pacheco, 24 anos, conta que teve que investir pesado para equipar a loja com o que há de mais moderno em segurança eletrônica. ;Instalamos câmeras, alarme, além de reforçarmos a porta. É revoltante ter esse gasto extra porque o Estado é quem deveria garantir a nossa segurança;, reclama.

Na 412 Norte, o vendedor de uma loja de ração de animais, Carlos Eduardo dos Santos, 29 anos, também lembra com desgosto as duas vezes em que seu comércio foi invadido. Na primeira vez, levaram apenas o dinheiro que estava no caixa e os pertences dos clientes e funcionários. Na segunda, deram uma coronhada na cabeça do dono, que teve de ser hospitalizado. ;A gente trabalha com um pouco de medo, sim. O policiamento é muito inconstante. Tem dias que fica uma dupla de policiais o dia todo na quadra. Só que passam quatro dias sem. Aí, os bandidos atacam mesmo;.

Leis frágeis
Para o comandante de policiamento da Polícia Militar, coronel Luiz Henrique Fonseca, não houve anormalidade nos últimos meses em relação à violência nas asas Sul e Norte. Ele garante que o efetivo que cobre as duas regiões é suficiente. O oficial culpa a fragilidade das leis pela reincidência de crimes desta natureza e destaca que a população deve colaborar com o policiamento, sempre registrando ocorrência ao se tornar vítima de furtos ou roubos. ;Hoje, a Polícia Militar prende um ladrão de comércio e, amanhã, ele está nas ruas. As pessoas têm certeza de que não ficarão muito tempo na cadeia e voltam a cometer delitos;, diz.

"A gente trabalha com um pouco de medo, sim. O policiamento é muito inconstante. Tem dias que fica uma dupla de policiais o dia todo na quadra. Só que passam quatro dias sem. Aí, os bandidos atacam mesmo"
Carlos Eduardo dos Santos, 29 anos, vendedor de uma loja de ração de animais na 412 Norte

Memória
Cosme e Damião
As duplas de policias militares conhecidas como Cosme e Damião voltaram às ruas em agosto do ano passado, após uma série de manifestações de moradores e comerciantes da região central da capital. Os protestos passaram a confeccionar faixas irônicas para exigir a volta do policiamento a pé . Na 112 Sul, uma faixa trazia a seguinte mensagem: ;Atenção! Sequestro relâmpago na 112 Sul. Cuidado;. Na 202/203 um comerciante mandou confeccionar uma faixa com os dizeres: Por favor, senhor ladrão. Mude de quadra;. Outra, na mesma quadra, trazia a frase: ;Assaltada duas vezes;. Após as manifestações, Cosme e Damião voltaram a aparecer nas ruas.