Jornal Correio Braziliense

Cidades

Áreas de risco aumentam no DF com as chuvas

Defesa Civil monitora 35 locais em todo o Distrito Federal onde podem ocorrer alagamentos e deslizamentos de terra %u2014 número era de 25, há 10 dias. Ontem à tarde, mais um temporal causou muitos transtornos para os brasilienses

As fortes chuvas que castigam o Distrito Federal há uma semana começam a colocar mais vidas em perigo. De acordo com a Defesa Civil, o número de áreas de risco saltou de 25 para 35 em menos de 10 dias. O mapeamento revela que as residências mais ameaçadas por possíveis deslizamentos e inundações são aquelas situadas em regiões ocupadas irregularmente (veja quadro).

Somente em Vicente Pires, três famílias foram obrigadas a deixar suas chácaras, pois uma erosão ameaçava ;engolir; as casas. Outras 32 foram notificadas e, se as tempestades permanecerem, podem ser interditadas. No Condomínio Sol Nascente, em Ceilândia, muitos moradores ficaram ilhados por quase uma hora ontem à tarde. Durante o temporal, nem o Corpo de Bombeiros conseguiu entrar nas ruas para atender aos chamados. As enxurradas ameaçavam quatro imóveis localizados em chácaras. Para evitar uma tragédia, as famílias foram removidas. A Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (Sedest) foi acionada para dar assistência aos desabrigados.

O tenente-coronel Toni Monteiro, agente da Defesa Civil, teme que um acidente mais grave ocorra, a persistirem as chuvas(1) torrenciais. ;Nós tememos que ocorra algo pior, pois está chovendo demais e as pessoas relutam em sair das áreas de risco. Não adianta colocarem a culpa no governo se a população não faz sua parte;, diz.

Em todo o DF, mais de 170 famílias decidiram construir suas moradias às margens de córregos e mananciais. A população ribeirinha é mais vulnerável a sofrer com a fúria da natureza. A ocupação desenfreada dessas áreas deixa o solo frágil, o que aumenta substancialmente as chances de desmoronamentos e enchentes. O tenente-coronel Toni Monteiro alerta que todas as pessoas já foram avisadas do perigo iminente e também orientadas a deixarem esses lugares.

;O papel da Defesa Civil é fazer a análise de risco e recomendar o que pode ser feito nessas áreas. Orientamos ao governo, por exemplo, que tomasse medidas estruturais, como a construção de galerias para drenar águas pluviais em Vicente Pires. Isso melhoraria a qualidade de vida das famílias que residem próximo ao Córrego Vicente Pires. Já na Fercal, alertamos às famílias a deixarem o local devido a sua vulnerabilidade;, destaca o agente.

Sofrimento diário
Ontem, o brasiliense voltou a sofrer com a chuva. Entre as 16h30 e as 19h, o caos voltou a se instalar no DF. Os passageiros que aguardavam condução na parada em frente ao Hospital Regional da Asa Norte (Hran), no Eixinho, assistiam impressionados aos carros tentando romper o ;rio; que se formou na pista. ;Chego na parada às 17h30 e meu ônibus passa 15 minutos depois. Já são 18h e, até agora, nada. Do jeito que o Eixinho está, acho que vai demorar bem mais. Isso aqui está um caos;, comentou o porteiro Elias Mendes da Silva, 46 anos.

Na altura da 103 Norte, alguns motoristas trafegavam por cima do canteiro central para tentar ganhar tempo no congestionamento, que chegou a dois quilômetros. Na Escola Classe 411 Norte, os estudantes da tarde tiveram que subir nas mesas para não serem atingidos pela água barrenta que invadiu algumas salas de aula. No Caseb, na 908 Sul, o excesso de água também causou transtornos. Nos dois casos, o Corpo de Bombeiros foi acionado, mas ninguém se feriu.

Já em Vicente Pires, a chuva mais uma vez deixou um rastro de destruição. Na Rua 10, dois muros caíram. Próximo dali, a Rua 3 ficou tomada pela lama. Na Quadra 12 da Estrutural não foi diferente. A rua principal ficou alagada e, mesmo assim, muitos se arriscavam a enfrentar a água suja. A Asa Sul também foi atingida. A água entrou em uma das passarelas do Eixão, na altura da 105/106 Sul. No mesmo ponto, uma boca de lobo estourou na rua. Já na Esplanada dos Ministérios, uma árvore caiu sobre um carro.

1 - Aguaceiro
De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), nos cinco primeiros dias do mês de abril já choveu 56% a mais do que no mesmo período do ano passado. Março também foi um mês atípico. O volume de água no mês foi de 32% acima da média. Para quem não aguenta mais tanta chuva, uma notícia boa. Amanhã, a frente fria que paira sobre o DF deve ir embora e o sol volta a aparecer. No fim de semana também deve fazer calor. Hoje, a previsão é de mais um dia de chuva forte.

Análise da notícia
Até quandoesse caos?

Até quando os brasilienses terão que suportar as enchentes provocadas pelas fortes chuvas que atingem o Distrito Federal? Claro que a força dos temporais colabora para a ocorrência de transtornos, mas essa não é nem de longe a única explicação. Alimenta diretamente esse caos a inoperância do poder público ; que não vem de agora; ao contrário, perdura por longos anos.

Na Asa Norte, por exemplo, onde basta uma chuva um pouco mais forte para surgirem vários pontos de alagamento, muitos locais não contam sequer com galeria para águas pluviais, e os projetos de construção não saem do papel. Em curto prazo, a cidade carece da falta de conversação das galerias existentes e das bocas de lobo. Nas regiões mais carentes do DF, a falta de infraestrutura básica coloca a população em risco muito mais grave.

É como se, ano após ano, o filme se repetisse. Passada a temporada de chuvas, vem a seca e o problema desaparece. Até o ano seguinte, quando os temporais voltam, provocando alagamentos ainda mais sérios. A ocupação desordenada explica em parte o problema, mas não pode servir de desculpa permanente. É preciso enfrentar o problema, investir em infraestrutura e pôr fim a esse martírio.