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Alternativa mais barata de cirurgia estética ou reparação corporal é também a mais perigosa

A busca por preços menores tem levado brasilienses a procurar médicos do Distrito Federal e de Goiás em início de carreira e sem habilitação específica. No estado vizinho, conselho de medicina investiga 40 denúncias anuais relacionadas a problemas em intervenções

A alternativa mais barata para se submeter a uma cirurgia estética ou de reparação corporal se revela também a mais perigosa. Levantamento do Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego) aponta para a média de 40 denúncias anuais relacionadas a problemas em intervenções plásticas e investigadas pelo órgão no estado vizinho. Não houve mortes no ano passado, mas em 2010 dois casos foram registrados. Um deles é o da brasiliense Lana Elisa Gomes, 35 anos, que perdeu a vida em 6 de março em uma clínica de Anápolis (GO).

As falhas nas mesas de cirurgia goianas servem de alerta a mulheres que procuram o serviço em busca de preços mais acessíveis. Especialistas ouvidos pelo Correio apontam que alguns procedimentos saem pela metade do preço se comparados aos valores de tabela da capital do país. O presidente do Cremego, Salomão Rodrigues, acredita que a cobrança se equipara entre as duas unidades da Federação. Mas admite a possibilidade de médicos goianos em início de carreira pedirem valores mais baixos do que os sugeridos por profissionais de mais prestígio.

Os dados do conselho regional goiano mostram ainda que os procedimentos mais procurados na área de estética corporal em Goiás são os de correção de mama, a lipoaspiração(1) e a lipoescultura(2). Há 146 cirurgiões plásticos com especialização e inscritos no órgão. Cerca de 70% dos erros investigados pelo Cremego, porém, se referem a médicos sem habilitação para a cirurgia plástica. ;Não se trata de uma cirurgia simples. É o tipo de operação que não pode ser banalizada. As pessoas precisam entender que há riscos;, alertou Rodrigues.

Os perigos dessas intervenções se reforçam a partir da quantidade de mulheres da Região Centro-Oeste que perderam a vida antes, durante ou depois de cirurgias plásticas realizadas na última década. Pelo menos 10 não resistiram às consequências dos procedimentos. Seis delas confiaram em médicos de hospitais e clínicas de Goiânia (GO), Anápolis e Palmeiras de Goiás. Outras quatro em profissionais atuantes na capital do país. Só neste ano houve três histórias trágicas ; duas em Goiás e uma no Distrito Federal (leia Memória).

A mais recente envolveu a paraibana Kelma Macedo Ferreira Gomes, 33 anos. A moradora do DF perdeu a vida na última sexta-feira depois de uma lipoescultura realizada em Goiânia. Além do Ministério Público e da polícia do DF, o Cremego investiga as circunstâncias que levaram à morte da vítima. O órgão pediu ao Hospital Goiânia Leste, onde houve a operação, a cópia do prontuário de atendimento da paciente. Também convidou o médico responsável pelo procedimento a prestar esclarecimentos. Ele tem especialização e pelo menos 11 anos de experiência profissional na área.

Mudança de regras
Problemas em cirurgias plásticas e profissionais sem especialização não são exclusividade de Goiás. Levantamento da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) revelou que pelo menos 40 médicos de Brasília realizam intervenções plásticas sem habilitação específica. ;São otorrinos, ginecologistas, cirurgiões gerais, que não são especializados em plásticas. Apesar de não ser contra a lei, a prática é imoral e antiética. Batalhamos perante o Ministério Público para que seja aprovada uma legislação capaz de tornar a habilitação obrigatória;, afirmou o vice-presidente da SBCP, Ognev Meireles Cosac.

Para ele, a falta de experiência coloca em xeque a segurança na sala de cirurgia. ;São médicos que não sabem diagnosticar, tratar ou identificar procedimentos específicos de uma cirurgia plástica. A segurança do paciente, nesses casos, é menor;, explicou. A capital do país conta com quantidade de cirurgiões plásticos próxima à de Goiás. Existem 147 profissionais candangos especializados na área e membros da SBCP ; há quatro níveis de especialização. Outros 10 têm a habilitação, mas atuam sem vínculo com a entidade.

A série de mortes dos últimos anos registradas na Região Centro-Oeste também fez com que várias entidades se mobilizassem para mudar as regras seguidas nas intervenções plásticas realizadas no DF e no país. A Promotoria de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde (Pró-Vida) abriu um inquérito civil público, aliado à assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com as 17 clínicas especializadas do DF, para definir um protocolo de segurança voltado para a melhoria dos atendimentos realizados na capital do país.

Entre as alterações sugeridas, a promotoria quer tornar obrigatórias a presença de um cirurgião auxiliar nas salas de operação, a manutenção de uma reserva prévia de sangue e a disponibilidade de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Também se discute a viabilidade de manter gravadas as informações captadas pelos aparelhos responsáveis pelo monitoramento dos sinais vitais dos pacientes. Além do MPDF, participam dos debates representantes da SBCP e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

1 - Indicação
A lipoaspiração é indicada para pacientes um pouco acima do peso ideal, com gordura localizada e boa elasticidade de pele. É realizada por meio de incisões mínimas e cuidadosamente posicionadas. Durante a cirurgia, a gordura é aspirada e o resultado é um contorno corporal mais suave e proporcional, com cicatrizes praticamente imperceptíveis.

2 - Modelagem
A lipoescultura é o ato de contornar o corpo de uma pessoa com cirurgias plásticas diversas. Em um mesmo procedimento, pode-se, por exemplo, retirar gordura dos braços, das pernas, das costas, da barriga e colocar silicone nos seios. Pacientes de lipoescultura costumam receber alta 24h após a intervenção. Cabe, então, ao médico e ao paciente entrar em um consenso sobre os cuidados do pós-operatório.

Memória
Mortes em 2010
2 de abril
A assessora Kelma Macedo Ferreira Gomes, 33 anos, morreu sete dias depois de lipoescultura realizada em clínica localizada no Setor Universitário da capital goiana. Laudo preliminar do Instituto de Medicina Legal (IML) aponta para morte em decorrência de pneumonia e embolia pulmonar. O Ministério Público do Distrito Federal e a 23; Delegacia de Polícia (P Sul) investigam o caso.

6 de março
A brasiliense Lana Elisa Gomes, 35 anos, morreu em Anápolis (GO), após passar por uma cirurgia plástica. Ela morava com o marido na Espanha havia três anos, mas estava no Brasil desde janeiro para realizar os exames médicos. Após sentir-se mal, foi transferida para um hospital, mas não resistiu. Lana sofreu parada cardiorrespiratória.

25 de janeiro
A jornalista Lanusse Martins Barbosa (foto), 27 anos, perdeu a vida durante lipoaspiração realizada no Hospital Pacini, na 715/915 Sul. Investigações policiais concluíram que houve erro do médico Haeckel Cabral Moraes, que acabou indiciado e denunciado por homicídio qualificado pela morte da jovem. A autópsia revelou que houve perfuração da veia renal direita de Lanusse durante a lipo.