O aumento da presença de ambulantes ilegais no Distrito Federal coincide com o cerco da fiscalização. Oitenta fiscais da Agência de Fiscalização (Agefis) percorreram Ceilândia, Taguatinga, Sobradinho e Gama nos últimos 15 dias. Distribuíram 240 autos de infração, a maioria por exercício de atividade econômica em área pública, e apreenderam cerca de 15 mil CDs e DVDs piratas. As duas maiores operações no período ocorreram na Feira do Rolo, em Ceilândia, onde 22 caminhões foram lotados de mercadorias das mais diversas.
A Agefis, no entanto, enfrenta dificuldades para manter a programação diária de flagrantes contra o comércio informal na capital do país ; as ações ocorrem não só em feiras populares, mas em apresentações culturais e eventos esportivos. Um dos motivos passa pelo número reduzido e fixo de fiscais, que também organizam operações por meio de denúncias. Ainda assim, segundo a assessoria de imprensa do órgão, a fiscalização irá aos locais tomados pelos vendedores e citados ao longo da reportagem.
Enquanto isso, algumas iniciativas pensadas para resolver o problema dos camelôs no DF funcionam precariamente. Entre elas, os shoppings populares. O maior deles fica ao lado da Rodoferroviária. O centro comercial, inaugurado há dois anos, surgiu para abrigar ambulantes do Setor Comercial Sul, Setor Bancário Sul, Conic, W3 Sul e Esplanada dos Ministérios. Seria a solução para acabar com o comércio irregular, acusado de alterar a paisagem da área central, além de agredir o tombamento da capital e interferir na escala(1) monumental idealizada pelo urbanista Lucio Costa.
Apesar da estrutura nova, o shopping popular da Rodoferroviária ainda não emplacou. Dos 1.740 feirantes beneficiados com o sorteio de bancas, cerca de 650 cumprem rotina de trabalho no local. A falta de interesse dos próprios comerciantes incomoda o administrador do centro comercial, Francisco das Chagas Gomes. ;Muitos usam os boxes apenas como depósito. Outros ficam por aqui nos dias bons (terça, quarta, quinta e sexta-feira) e trabalham irregularmente em feiras no DF e no Entorno aos domingos;, contou.
O Correio esteve no local na última quinta-feira. Chamaram a atenção o vazio do estacionamento público e os cerca de 90% dos boxes fechados. A falta de ânimo dos comerciantes revelam que os incentivos oferecidos pelo Governo do Distrito Federal (GDF) não ajudam à abertura das lojas. Estão, por enquanto, isentos de impostos. Devem pagar R$ 40 mensais pela taxa de manutenção (água e energia elétrica), mas 70% estão inadimplentes. Para Gomes, faltam dedicação por parte de muitos feirantes e maior investimento em propaganda. Assim, luta pela retomada de 600 bancas.
Otimismo
Para o comerciante Antônio Ferreira Camargo, 61 anos, não vale a pena abrir o box para vender bolsas, mochilas e malas. Nem em dias mais movimentados, quando cerca de mil pessoas passam pelo lugar. ;Em dezembro, tive um faturamento de R$ 3,8 mil. Em janeiro, caiu para R$ 1,5 mil. Depois disso, tem mês que não dá nem R$ 500;, reclamou. Ainda assim, ele se mantém otimista quanto ao futuro do centro comercial. ;A gente tem esperança de que o próximo governo nos dê mais apoio. Para a rua, não volto mais;, afirmou Antônio, que sobreviveu como ambulante no Setor Comercial Sul por 15 anos.
[SAIBAMAIS]O colega Délcio Brito dos Santos, 60 anos, também acredita que o local ainda terá movimento parecido com o da Feira dos Importados. O comerciante abre a loja de bolsas e acessórios todos os dias. O lucro varia, mas existe. Segundo ele, mudanças no trânsito também poderiam melhorar o movimento. ;Quem vem pela (Via) Estrutural não tem acesso fácil. O retorno é muito longe e isso dificulta bastante;, explicou. Mas Délcio admite que falta iniciativa por parte dos feirantes para investir em mercadorias e abrir os próprios boxes.
Ainda assim, o shopping popular da Rodoferroviária reúne histórias de sucesso. O ex-camelô Antônio de Amorim Silva, 37 anos, vende telefones celulares e aparelhos eletrônicos dos mais diversos. Fatura cerca de R$ 600 por dia. O segredo dele? Investimento em mercadorias e no próprio negócio, como instalação de máquinas de cartões de crédito e de débito. ;É preciso investir sempre. Abro todos os dias e diversifico os produtos. Vida de ambulante é muito sofrida. Passei 10 anos na rua e perdi muito para a fiscalização. Aqui, compro e vendo tudo com nota fiscal;, comemorou.
A instabilidade do centro comercial faz com que muitos vendedores continuem na ilegalidade e ocupem as áreas tombadas(2) e nas proximidades de feiras tradicionais do DF. No Setor Comercial Sul, atuam de forma mais discreta, espalhados entre os prédios, mas em número reduzido. Na Feira dos Importados, vendedores de frutas, de DVDs piratas e de óculos circulam do lado de fora da área. O movimento se intensifica nas datas comerciais, como Dias das Crianças, Dia dos Pais, Dias das Mães e Natal. Há um posto da Polícia Militar no local, mas incapaz de intimidá-los.
1 - Eixo do poder
O projeto urbanístico de Lucio Costa para o Plano Piloto tem como base quatro escalas. A primeira delas é a residencial, representada pelas superquadras. A gregária tem como base as áreas de encontro, de diversão e de serviços. Já a bucólica pode ser observada na extensão de áreas verdes, parques e jardins. A monumental representa o eixo do poder, com as áreas destinadas a prédios públicos, como ministérios e o Congresso Nacional.
2 - Centro das atenções
Brasília sediará em julho reunião anual do Comitê do Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco). Durante o encontro, que reúne representantes de 21 países, são avaliadas as propostas para novas inscrições na lista de patrimônio mundial.
Os especialistas também discutem relatórios com o estado de conservação de algumas cidades ou lugares que detêm o título.