Jornal Correio Braziliense

Cidades

Fiscalização diária não consegue conter o avanço dos ambulantes pelo DF

Eles retornaram, invadem os espaços de pedestres e se instalam diante dos estabelecimentos legalizados

Nas portas dos bancos, nas paradas de ônibus, nas esquinas, nas calçadas em frente às lojas mais populares. Os vendedores ambulantes estão de volta às ruas do Distrito Federal. Sem medo da fiscalização, aproveitam o momento de turbulência na administração pública e ocupam os espaços que serviriam como passagem para pedestres. Estão nos centros de Taguatinga, Ceilândia e Sobradinho, no Setor Comercial Sul, na Esplanada dos Ministérios; na rodoviária do Gama, na avenida principal do Paranoá e nas proximidades da Feira dos Importados.

O Correio circulou por três dias pelo DF e descobriu as cidades que mais concentram o problema. A reportagem se deparou com a presença de vendedores sem autorização para negociar as mais variadas mercadorias em pontos estratégicos da capital do país. Espalham-se por locais há pouco tempo livres do comércio ilegal, inclusive no Plano Piloto(1). A avenida Hélio Prates, entre Taguatinga e Ceilândia, aparece como um dos principais exemplos de desrespeito ao passeio público e ao comércio formal. ;Há muito tempo que os camelôs voltaram;, disse, com naturalidade, uma vendedora da região.

A atual situação candanga, apesar da fiscalização diária realizada pela Agência de Fiscalização (Agefis), contrasta com o início da gestão do então governador José Roberto Arruda (sem partido). Há três anos, o Governo do Distrito Federal (GDF) promoveu uma varredura em áreas consideradas tradicionais pela exploração dos informais e os reposicionou em shopping centers populares ; alguns deles não vingaram. A desocupação das calçadas de Ceilândia, por exemplo, tornou-se modelo de sucesso do governo local para a erradicação das bancas irregulares.

Na Quadra Central de Sobradinho, no entanto, o retorno dos camelôs recrudeceu as disputas com os lojistas pela clientela. Os funcionários de uma loja inaugurada há seis meses afirmam que, desde o primeiro dia de funcionamento, se estranham com os ambulantes. ;Quando a gente vai colocar nossos produtos na porta da loja, para expor e chamar a atenção dos clientes, os camelôs reclamam que tiramos o lugar deles na calçada;, reclamou o gerente. Ele denunciou o caso para a administração local e à Ouvidoria do GDF, mas nada mudou.

Para evitar mais confusão, os empregados do estabelecimento comercial, que preferem não se identificar por temer represálias, tentam se adequar. Ainda assim, lamentam o comportamento agressivo dos concorrentes. E reclamam da falta de espaço e de educação daqueles que não pagam imposto para vender e anunciar os próprios produtos. ;Eles parecem os donos da calçada. Aliás, da rua toda;, revoltou-se um lojista. O comércio formal fica em local cuja calçada era ocupada por vendedores de DVDS, CDs e óculos pirateados.

Uma rápida caminhada em Sobradinho também serve para comprovar a presença dos ambulantes em outros pontos. Nos quarteirões localizados em frente à Feira de Sobradinho, eles ocupam os dois lados da passagem dos pedestres. Quem anda por ali se vê obrigado a passar por um corredor de informalidade. Estão à venda produtos dos mais diversos e com preços abaixo de R$ 20: sandálias de palha, utensílios para cozinha e banheiro, roupas íntimas, óculos de sol e de grau, frutas da estação, CDs e DVDs piratas.

Certeza de impunidade
Na área central de Taguatinga, nem as frequentes operações da fiscalização inibem o comércio ilegal. A garantia de qualidade dos DVDs, por exemplo, assegura a presença constante dos ambulantes no mesmo local. O Correio flagrou um vendedor avalizando a compra de um filme com a seguinte frase: ;Se não funcionar no seu aparelho de DVD, pode voltar aqui amanhã, que vou estar aqui para trocar;, afirmou ele a um cliente.

A menos de 300m da porta da Administração Regional da cidade, próximo à Praça do Relógio, pedestres perdem espaço para as bugigangas. Um camelô afirmou que os horários de venda são selecionados. ;Depois de 17h, não tem ninguém para fiscalizar aqui em Taguatinga;, revelou. Ele mora no DF há duas décadas e sobrevive do mercado informal. Por cinco anos vendeu utensílios para cozinha na plataforma superior da Rodoviária do Plano Piloto, mas acabou retirado por fiscais do governo.

Por conta do prejuízo, montou uma banca no centro de Taguatinga. Foi alvo de mais uma ação da Agefis, até que ganhou um box no shopping popular da cidade, no Pistão Sul. Saiu de lá após o desabamento do teto, em abril do ano passado. Contou também que se endividou por causa do baixo fluxo de clientes. ;Se o governo nos colocar em lugar movimentado e com condições de venda iguais às que temos aqui no centro, vamos para lá;, disse.

Mesmo assim, a ideia do ambulante não reflete o sentimento de poucos lojistas, que inclusive apoiam a informalidade. ;Acho até melhor que as calçadas fiquem ocupadas porque evita a ação de trombadinhas e assaltantes nas lojas;, defendeu o gerente de uma loja de roupas infantis em Ceilândia. ;Quando eles (ambulantes) não estão por aqui, dá a impressão que é feriado;, comparou a vendedora de uma loja na Quadra Central de Sobradinho.

1 - Desrespeito
Brasília recebeu o título de Patrimônio da Humanidade da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) em 1987. Hoje, porém, a capital do país sofre com uma série de abusos cometidos na área central, como as invasões de espaço público, a criação de estacionamentos sem área verde e as expansões urbanas ilegais.