Jornal Correio Braziliense

Cidades

O desafio de merecer uma chance

Em Ceilândia Norte, parceria entre Vara da Infância e da Juventude e voluntariado abre oportunidade para que jovens por diferentes motivos enquadrados em situação de risco social aprendam a trilhar caminhos alternativos e possam agregar dignidade ao seu padrão de vida. É um começo; o resto depende deles

Eles perceberam a perda de tempo quando andavam na marginalidade e agora lutam por um objetivo: conquistar uma vaga no serviço público. Seis jovens de Ceilândia Norte que estão em situação de risco social ou cumpriram medida socioeducativa no Centro de Atendimento Juvenil (Caje) se preparam para disputar 1.380 vagas do concurso da Secretaria de Justiça (Sejus) previsto para 10 de abril. Alexandre*,19 anos, Abraão*, 18, e Igor*, 18, fazem parte desse grupo de rapazes. Dois deles estão em liberdade assistida pela Vara da Infância e da Juventude do DF(VIJ)e outro recebe assistência. Todos ganharam bolsa integral em um cursinho preparatório da QNM 14 de Ceilândia. Com o foco nos livros, eles acreditam no sucesso e estão dispostos a mudar de vida.

Essa é a primeira vez que jovens em situação de vulnerabilidade têm oportunidade de frequentar um curso particular. A iniciativa é resultado de uma parceria entre a 1; Vara da Infância e da Juventude (1; VIJ), por meio da Rede Solidária Anjos do Amanhã, e a escola Gran Cursos. Além do concurso da Sejus, eles também estudam para o da Empresa Correios e Telégrafos (ECT).

A oportunidade fez de Alexandre um jovem confiante. Todos os dias, ele acorda às 6h40 para chegar a tempo à aula, que começa às 8h. Quando tinha 15 anos, o jovem foi pego portando um revólver calibre 38, nas ruas da Expansão, bairro pobre de Ceilândia. ;Em qualquer esquina tem uma;, contou. Alexandre disse que estava entre colegas e todos se encontravam armados, mas que ele não tinha intenção de atirar em ninguém, mas o porte de arma foi suficiente para enquadrá-lo.

Ele não lembra quantos dias passou no Caje, mas sabe que não chegou a ficar um mês. Depois do episódio, logo a família tratou de se mudar de bairro em busca de uma vida longe das más influências. Alexandre terminou o ensino médio, passou a fazer cursos profissionalizantes e a estudar para concurso. ;Tudo que vem fácil vai fácil. Eu tracei um objetivo na minha vida. Quero entrar no serviço público, depois fazer faculdade de administração de empresas e abrir uma empresa de construção para o meu pai;, revelou. A passagem pelo Caje não foi traumatizante para ele: ;Quem tem mente ruim fica ruim, mas quem quer melhorar melhora. É só ter força de vontade;.

Abraão é o mais tímido para falar. Não tem passagens pela polícia nem pelo Caje. Mais velho da família, contou, meio sem jeito, que na verdade o irmão de 15 anos é quem está cumprindo medida socioeducativa por tráfico de drogas e porte de arma. Abraão estuda todos os dias para dar exemplo dentro de casa e não dá abertura ao assédio dos amigos do irmão. ;Tô fora. Não quero isso para mim não;, resume, de pronto. ;Conheço todos eles, mas fico vendo o sofrimento da minha mãe. É muito triste. Já tentei convencer meu irmão, mas ele não quer sair dessa vida.; O sonho de Abraão é ser servidor público e, assim como Alexandre, ajudar a tornar mais digna a vida de sua família. Determinado, batalha por uma oportunidade para atingir sua meta.

Chances
Para a supervisora da rede solidária Anjos do Amanhã, Lúcia Velloso Passarinho, a ideia do programa é proporcionar aos jovens uma oportunidade de crescimento. ;Vi que são meninos inteligentes e só precisam direcionar o que sabem para uma coisa positiva. É preciso mostrar que existe o outro lado da vida e que o futuro de cada um vai depender de eles quererem.; Segundo a proprietária do Gran Cursos de Ceilândia, Ivonete Granjeiro, os adolescentes estão surpreendendo durante o curso. ;São muito aplicados e demonstram muita força de vontade;, assegurou.

No que depender de entusiasmo, Igor vai longe. O jovem de 18 anos enfrenta uma verdadeira maratona de concursos. Já realizou provas em Fortaleza (CE), em Maceió (AL) e no Rio de Janeiro. Recentemente, foi aprovado no concurso da Polícia Militar de Minas Gerais. ;Vou ser policial;, disse com firmeza, antes mesmo de concluir os testes físicos para preencher a vaga. Comunicativo, o rapaz fala sem rodeios sobre os motivos que o levaram a ser apreendido: ;Eu estava em Brazlândia na Festa do Morango com a minha namorada, discuti com um vendedor e acabei quebrando os dentes dele;. Ele foi levado para a Delegacia da Criança e do Adolescente de Ceilândia (DCA II) e ainda se encontra em liberdade assistida. ;Todo mês, tenho que ir até a Vara da Infância para conversar com o promotor. Essa experiência tem sido um aprendizado, mas hoje eu não quero mais aprontar. Eu já tenho uma malícia do mundo e sei que se aprontar, vai sobrar para mim ou para minha família de alguma forma.;

Com incentivo, apoio da família e chances, os jovens garantem que vão chegar lá. O curso preparatório de Ceilândia Norte inclui, entre os benefícios oferecidos, transporte, lanche, material didático e inscrição para as provas do concurso. Segundo Lúcia Passarinho, o objetivo é estender a iniciativa para os adolescentes das demais Unidades de Liberdade Assistida espalhadas pelo DF, para que eles possam estudar em outras filiais da instituição. ;Para isso, é importante o apoio da iniciativa privada. Esses jovens podem dar exemplo para outros e ajudar a reduzir, assim, a violência na nossa cidade!”, acredita.

*Nomes fictícios em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Para saber mais
Programa voluntário

A Rede Solidária Anjos do Amanhã é um programa de voluntariado criado pela 1; Vara da Infância e da Juventude. Tem por finalidade gerar oportunidades para que crianças e adolescentes em situação de risco social possam ter acesso aos direitos estabelecidos no Estatuto da Criança e do Adolescente. O programa reúne e cadastra ações voluntárias e cruza os dados com as necessidades apresentadas pelo público infanto-juvenil do DF.