Jornal Correio Braziliense

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Mesmo com a facilidade da internet, os cartões-postais têm sempre público cativo

Quem manda um cartão postal envia pelos Correios o registro de diferentes olhares sobre o mundo. Divide com alguém que está longe a beleza de monumentos e paisagens, entre muitos outros cenários. Em Brasília, fragmentos impressos da capital vivem escondidos em bancas de revista, em estandes nos pontos turísticos e em lojas especializadas no Aeroporto e na Rodoferroviária, à espera de algum viajante ou colecionador que busque imagens a serem guardadas como boas lembranças. Alguns aguardam tanto para serem levados que ficam amarelados. Esse souvenir não está ultrapassado. Não perdeu totalmente espaço para a fotografia digital nem para o envio de dados pela internet de forma rápida e gratuita, como muitos imaginam. Um postal comum custa, no máximo, R$ 2 e transmite um romantismo incomparável à frieza da tecnologia. A Catedral Metropolitana de Brasília é uma das imagens preferidas pelos turistas. O Congresso Nacional, o Santuário Dom Bosco, o Palácio do Planalto e a Ponte JK estão entre os mais procurados. Há ainda paisagens mais inusitadas e menos exploradas, como o Setor Bancário Sul e o Setor Hoteleiro de Taguatinga. Por volta de 90 mil cartões-postais com temas da capital são vendidos todo ano, de acordo com os dois principais distribuidores desse material na cidade. Luciano Lopes, 39 anos, mora no Guarujá (SP) e chegou a Brasília, na quinta-feira última, para um congresso. Ao passar por uma loja de lembranças no Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, a primeira providência foi comprar um cartão-postal com imagem da mais famosa igreja da cidade e enviá-lo para a mãe, que é católica. "Conheci Brasília no ano passado e fiquei maravilhado. Minha mãe, infelizmente, nunca viu a Catedral pessoalmente, então decidi enviar uma imagem pelos Correios para ela. Não é a mesma coisa de mandar pela internet ou tirar uma foto. O ato de postar a correspondência demonstra mais afeto", explicou. Coleção histórica Existem também aqueles que, no lugar de enviar, preferem guardar para si as imagens impressas em papel especial. O funcionário público Augusto Areal, 43 anos, é uma dessas pessoas. Ele coleciona postais desde a infância, por influência do pai, e hoje possui mais de 150 mil exemplares diversos. Entre eles, pelo menos 2 mil são de Brasília. Por meio das fotografias guardadas por Augusto, é possível acompanhar as mudanças no cenário da capital desde a construção até os dias de hoje. Esses são encontrados somente em trocas entre colecionadores ou via internet. Mostram uma Brasília primitiva, em tons vermelho-terra. Pelas ruas, somente Fuscas e Kombis, em imagens das décadas de 1960 e 1970. As fotos relevam uma calmaria inimaginável na Rodoviária do Plano Piloto, onde ônibus de modelos arredondados e antigos circulavam. "Eu olho emocionado para esses postais. Vejo como a cidade mudou. Lembro quanto espaço livre eu tinha para percorrer quando era pequeno." Além de colecionar, ele também tira fotos e faz seus próprios postais. "Pego fotos que meu pai fez em 1960, volto aos locais e surge um novo registro. Gosto de comparar e acompanhar a evolução". Herança O pai de Augusto, Cesar Augusto, morreu em 1994. Entre as heranças deixadas para o filho, estava uma coleção com mais de 170 mil postais. Por volta de 20 mil foram doados ou vendidos. "Tentei focar nos postais de Brasília, porque são os que me emocionam. São lembranças da minha infância", explicou. Olhar para a coleção é como viajar no tempo. A maior parte dos cartões foi enviada por pessoas solitárias que tentavam se acostumar com o vazio de uma cidade nova. "Leila, você não imagina o quanto estou aborrecido aqui nessa fossa", escreveu um homem com saudades da amada, no verso de uma foto do Setor Bancário Sul. Um outro rapaz, mais otimista, que fazia um curso de formação para ser bancário na cidade, escreveu, em 25 de agosto de 1975: "Brasília tem me influenciado favoravelmente. É, sem dúvida, uma bela cidade". As imagens dos postais são relatos da vida na então nova capital e da relação dos que aqui chegavam com essa terra. Um cartão assinado por Gilberto e Alda contava em detalhes como era viver aqui. %u201CEm matéria de futebol, Brasília é ótima. Pega-se direto jogos do Rio e São Paulo.%u201D No verso de dois dos postais da coleção, alunos se comunicavam com professores. Um deles, com foto do Congresso Nacional, foi endereçado, em 30 de junho de 1971, ao "encantador professor Werner" e o outro, com imagem da Catedral, cobrava de um diretor um certificado escolar. "Alguns preferem os cartões intactos, eu gosto dos que têm história", detalhou Augusto. Erros O servidor público possui uma subcoleção inusitada: apenas cartões-postais com legendas erradas. O mais explícito mostra o Palácio do Itamaraty, com a Esplanada dos Ministérios nos fundos, e carrega a seguinte frase: %u201CModernos blocos residenciais no Plano Piloto%u201D. Em outra, o Lago Paranoá aparece como "Rio Paranoá." Quem recebeu um cartão foi enganado: pensava estar olhando para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), de acordo com a descrição, mas a foto era na verdade do Supremo Tribunal Federal (STF). Há mais de 30 legendas incorretas. "Antigamente, os cartões eram melhores. Feitos com mais esmero, o papel era mais consistente, a foto caprichada. O problema, muitas vezes, eram as legendas. Mas esse tipo de erro ocorre até hoje", disse Augusto. O número 90 mil Quantidade de cartões-postais vendidos por ano em Brasília Onde encontrar É possível comprar cartões-postais em diversos pontos do Distrito Federal. A maior parte das bancas de revista das Asas Sul e Norte oferece as lembranças. Os locais mais tradicionais, porém, são as lojas do Aeroporto e as da Rodoferroviária. "Em alguns dias, vendo até 15 para a mesma pessoa. Quando se fala em Brasília, todo mundo quer uma recordação", relatou uma das vendedoras que trabalha no Aeroporto, Ruth Souza, 22 anos. A maior parte desse material é feita por gente apaixonada por Brasília e que não se cansa de ver seus olhares sobre a capital rodarem o país e, quem sabe, o mundo. Valquíria Silva Campolina, 37 anos, é uma das produtoras. Nascida em 21 de abril, dia do aniversário da capital, ela faz as fotos e confecciona cartões há 10 anos. Ela elaborou uma série especial em comemoração aos 50 anos da capital e garante que a proximidade do cinquentenário esquentou as vendas. "A cada seis meses, fabrico 30 mil. Só para o aniversário, fiz 20 mil e já estão acabando", garantiu. Preço baixo Há 10 anos, Valquíria vendia o dobro de cartões que comercializa hoje. Mas, mesmo assim, ainda tem fé no papel importante desse tipo de lembrança. "A foto não tem o efeito de um cartão-postal. Eles são uma lembrança do que a capital tem de melhor. Brasília é linda demais." O distribuidor Itamar Souza, 47 anos, repassa para os pontos de venda até 35 mil exemplares, anualmente. Geralmente, as mesmas paisagens são encontradas em todas as lojas. No Aeroporto, custam R$ 1,50 ou R$ 2. Na loja de Itamar, na Rodoferroviária, saem a R$ 0,80. "Não mudo o preço há 10 anos. O negócio já foi melhor, mas com a fotografia digital é difícil competir", disse Itamar. Na loja de Itamar, o diferencial são as paisagens da natureza, como os ipês, encontrados em poucos comércios e que ajudam a lembrar como Brasília pode ser colorida. "As pessoas querem compartilhar as belezas que viram aqui com os amigos e parentes. Todo dia, alguém compra. É uma imagem bonita que custa pouco", afirmou a vendedora Renata Leite, 20 anos.