O transporte pirata no Distrito Federal sofreu uma grande baixa nos últimos três anos. A fiscalização rigorosa nesse período apreendeu quase nove mil veículos e aplicou mais de R$ 2 milhões em multa. Se não eliminou o problema, ao menos controlou a situação. No entanto, há alguns meses, os brasilienses têm percebido que o aliciamento de passageiros nas paradas de ônibus e rodoviárias ganhou força. Por dois dias, o Correio percorreu os pontos mais movimentados de seis cidades e constatou que o serviço clandestino, aos poucos, volta a se organizar.
No Setor de Indústrias Gráficas (SIG), os trabalhadores que costumam esperar por condução na parada em frente ao Senai se surpreenderam há dois meses, quando uma van escolar parou e, de dentro dela, um homem começou a gritar itinerários para Ceilândia. Uma semana depois, um veículo da mesma marca, mas sem adesivos que o identificassem como condução de alunos, passou por ali e também ofereceu transporte ao Cruzeiro. De lá para cá, os dois carros passam todos os dias pelo local. ;É comum passar carro fazendo pirataria aqui, mas em van, com cobrador gritando na porta, eu nunca mais tinha visto. Na primeira vez que eu vi, cheguei a pensar que as vans tinham voltado. Parece que eles perderam o medo;, disse a auxiliar-administrativo Cristina Rocha dos Santos, 25 anos, referindo-se ao Sistema de Transporte Público Alternativo (STPA), extinto pelo GDF em 2008.
As duas vans flagradas pela reportagem na tarde da última quarta-feira aguardam pelos passageiros em frente ao prédio da Imprensa Nacional, no SIG. Elas chegam ao local por volta das 16h30 e saem pouco depois das 17h, quando grande parte das pessoas que trabalham nas empresas situadas na região volta para casa. Segundo o chefe do Núcleo de Transporte Escolar do Departamento de Trânsito (Detran), Alexandre Alves, a Sprinter escolar não está cadastrada como veículo de transporte de estudantes. Alves reforça que é comum motoristas colarem adesivos amarelos e pretos com a inscrição ;Escolar;, mesmo sem autorização da Secretaria de Educação e do órgão de fiscalização. ;Por semana, apreendemos cerca de dez veículos nesta situação. Eles colocam um adesivo escolar no veículo e fazem transporte de criança e adolescente como se fosse legal. Enquanto os estudantes estão em aula, fazem transporte clandestino. Isso serve de alerta aos pais. A recomendação é sempre procurar saber se o serviço oferecido é legal e não confiar apenas em um adesivo colado no carro;, alerta Alves.
Veículos grandes
Esse não é o único ponto que chama a atenção na atuação de quem pratica transporte irregular. O negócio rentável faz muitos deles investirem em veículos grandes, com capacidade para carregar mais pessoas numa só viagem. Na Rodoviária do Gama, um homem, sem saber que falava com um jornalista, diz que comprou um Fiat Doblô somente para fazer o percurso Brasília/Goiânia. São pelo menos três viagens diariamente, o que rende até R$ 735 por dia, considerando que os sete passageiros do carro desembolsam R$ 35 pela carona ilegal. No Setor de Diversões Norte, em frente ao Teatro Nacional, um rapaz fez da irregularidade seu ofício. Em um Doblô verde, aparentemente com poucos quilômetros rodados, ele alicia os usuários de transporte público no ponto em frente à Rodoviária e roda pela Asa Norte, fazendo a mesma linha do coletivo. O preço cobrado pela corrida é o mesmo do ônibus: R$ 2.
Existem dois tipos de piratas: aqueles que carregam passageiros somente para tirar o dinheiro da gasolina, geralmente quando fazem o itinerário casa/trabalho e vice-versa, e os ;profissionais;, que dedicam todo o dia à atividade clandestina. Enquanto os primeiros praticam a pirataria esporadicamente, os segundos ganham a vida com isso e são organizados. O chefe do Transporte Urbano do DF (DFTrans), Pedro Jorge Brasil, ressalta que no ano passado apreendeu 10 rádios na Rodoviária do Plano Piloto. Os aparelhos eram usados pelos motoristas que fazem transporte pirata para se comunicarem. ;Um avisava ao outro onde tinha blitz, definiam horários de saídas, entre outras coisas. Eles sempre estão se atualizando e nós, da fiscalização, temos que estar atentos a isso;, destaca Pedro Jorge, que diz ter percebido um aumento no número de carros piratas nas ruas após a deflagração da crise política no DF. ;Não sei se tem relação com a crise, mas o fato é que verificamos que esse tipo de infração tem crescido. No entanto, o Grupo Antipirata do DFTrans mantém a intensidade nas abordagens e, se verificarmos que há necessidade, vamos aumentar ainda mais a fiscalização;, destaca.
OS NÚMEROS
R$ 735
Valor arrecadado por dia por homem que faz transporte pirata entre Brasília e Goiânia
OS NÚMEROS
R$ 2 milhões
Valor total das multas aplicadas pela fiscalização aos clandestinos nos últimos três anos
O que diz a lei
A Lei n; 239, de 10 de fevereiro de 1992, cria mecanismos para gerenciar o transporte público no DF.
A regulamentação foi feita pela Lei n; 953 de 13 de novembro de 1995. O artigo 28, que trata do transporte irregular de passageiros, define como fraude a prestação de serviço, público ou privado, de transporte coletivo de passageiros, de forma remunerada.
Entre as penalidades para os infratores, estão a multa, que varia de R$ 2 mil a R$ 5 mil, e a apreensão do veículo. Além disso, o motorista pode ser obrigado a fazer cursos de reciclagem indicados pelos órgãos de trânsito.
Fiscalização
Número de apreensões de veículos piratas nos últimos três anos:
2007 - 2.845
2008 - 4.534
2009 - 1.306
2010 - 100 (até o último dia 20)