Em tempos de crise ecológica e de buscas incansáveis por atividades, materiais e combustíveis renováveis e, principalmente, sustentáveis, é difícil apontar um remédio para os males do mundo que não venha acompanhado de efeitos colaterais. Nesse contexto, aos poucos o Brasil vai aprendendo o que a China já sabe há muito tempo: os milagres dos quais o bambu é capaz. E em Brasília existem estudiosos que vêm se dedicando ao tema, a partir da constatação das várias propriedades dessa espécie vegetal.
O bambu é da família das gramíneas, portanto seu crescimento é semelhante ao da grama: cortado um colmo (caule), outro automaticamente nasce no lugar. Em compensação, o corte do tronco significa a morte de uma árvore. A partir do quarto ano de cultivo, o bambu pode sofrer podas anuais e a substituição será rápida, especialmente com as espécies brasileiras. A planta também presta um serviço ambiental, já que libera muito oxigênio e absorve considerável quantidade de gás carbônico (CO2), relacionado ao efeito estufa. Há estudos em desenvolvimento sobre a utilização do bambu no tratamento de esgoto e purificação da água. As fibras do bambu têm virtudes e vantagens sobre outras matérias-primas de tecidos: são antibacterianas e ideais para a respiração da pele. Já se produz papel e há testes para a produção de cosméticos a partir do bambu. Essas são apenas algumas das milhares de possibilidades oferecidas pela planta.
Na Universidade de Brasília (UnB), estudos específicos vêm sendo desenvolvidos no Centro de Pesquisa e Aplicação do Bambu (Cpab), criado em 2007. Coordenado pelo professor da faculdade de arquitetura Jaime de Almeida, o centro adquiriu, no ano passado, duas máquinas capazes de cortar e aplainar ripas da madeira do bambu que, uma vez coladas e empilhadas, formam uma peça semelhante a tábua, chamada de bambu laminado colado. Tecnologia semelhante já existe na China, mas o maquinário comprado pela universidade foi projetado para se adaptar às variedades do bambu brasileiro, de fibras mais grossas e duras do que o asiático. ;Nossas espécies acumulam mais sílica (principal componente da areia), cegando as lâminas das máquinas mais rapidamente;, explica Jaime.
Tecnologia
Recentemente, o projetista das máquinas, Délio Cunha, que vive em Petrópolis (RJ), esteve em Brasília para treinar os técnicos na regulagem e manutenção dos equipamentos. A primeira máquina corta, do bambu inteiro, ripas de cerca de 3cm. A peça segue para a segunda máquina, que retira as imperfeições da ripa e elimina a curvatura natural do bambu. Durante esse processo, as laterais das tiras recebem encaixes macho-fêmea, que servem para unir as ripas e garantir maior resistência.
Com as lâminas encaixadas e empilhadas, o bloco segue para prensagem e colagem. O bambu colado laminado (BCL) pode, no futuro, ser usado em conjunto com a madeira na construção civil e, em um cenário ideal, até substituí-la. ;O BCL pode, na verdade, ser feito em qualquer dimensão, de acordo com a necessidade. Com a madeira, eu preciso escolher a árvore;, compara Jaime. Segundo o professor, uma das principais objeções ao uso do material na fabricação de vigas para construção é a diferença de resistência entre as partes do colmo. O problema é solucionado com o posicionamento de nós sobre pontos de entrenó, região mais forte. Mesmo as sobras do processo de montagem do BLC não se perdem. A serragem é compactada em pequenos blocos ; os briquetes ; e, devido ao alto poder energético da planta, passa a ser utilizada como combustível em fornos de padaria e na metalurgia.
Como explica o professor Jaime, a confecção do BCL ainda está em nível laboratorial. Porém, com investimentos no setor, é possível adaptar a técnica para a produção industrial. Os custos poderão ser bastante reduzidos se houver plantios expressivos de matéria-prima ; o que ainda é deficiente ; e um parque tecnológico adequado. ;Nós não somos ligados à cultura do bambu como os chineses, somos viciados em madeira. E, no momento em que vivemos, em alguma hora o bambu vai ter que entrar nessa história;, prevê o professor.