As eleições dos 23 sindicatos patronais filiados à Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Distrito Federal (Fecomércio-DF) não surpreenderam. Em todas as entidades, uma única chapa se candidatou. Houve mudança no comando de apenas quatro delas (1). Dezenove presidentes se reelegeram. As votações sem disputa ocorreram nos dois primeiros meses deste ano. As diretorias eleitas seguem até 2014, pelo menos.
Os estatutos dos sindicatos não impõem limite de reeleições. Em 2006, a Fecomércio defendeu que seus filiados adotassem mandatos de quatro anos, com direito a duas reconduções, no máximo. Mas a orientação não virou regra e a maioria dos presidentes continua a encarar os cargos como vitalícios. Sete deles estão há uma década ou mais no poder. Um se segura na função há 24 anos (veja Personagem da notícia).
Presidente de sindicato não ganha salário(2). A remuneração é proibida por lei. Representar a categoria, no entanto, rende status de liderança, visibilidade, bons contatos, influência. ;É o poder. Sindicato é, acima de tudo, um espaço de poder;, resume o sociólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB) Sadi Dal Rosso.
Os mandatos são quase que obrigatoriamente sucessivos. Só não se reelege quem não quer ou quem faz um trabalho considerado desastroso à frente da entidade. O presidente da Fecomércio, Adelmir Santana, tem uma explicação para a falta de alternância no poder: ;Ninguém quer contrariar o companheiro, aí fica nessa história de ir renovando e a pessoa vira titular efetivo até a morte;.
É muito raro haver disputa nas eleições dos sindicatos patronais filiados à Fecomércio. Os empresários evitam divergências. Preferem o esforço para formar chapa única. ;Acho isso ruim, porque dificulta a renovação. Mas é um vício do sistema sindical;, diz o presidente da federação, no cargo desde 2001 e provável vencedor do pleito previsto para maio, quando será candidato a mais uma reeleição sem concorrentes.
Caciques da economia local falam em amor pelo sindicalismo ao justificar os longos anos à frente de entidades. O discurso, porém, muitas vezes esconde outros interesses. ;Claro que a visibilidade de um cargo de liderança ajuda na política;, comenta Santana, senador pelo DEM. Ele chegou ao Congresso Nacional em 2006, como suplente do ex-vice-governador Paulo Octávio.
Elaine Furtado assumiu o sindicato que representa os salões de beleza do DF em 2004. Vai ficar no cargo, no mínimo, até 2014. Nem metade do reinado do presidente anterior a ela: 24 anos. Integrante da executiva regional do PPS, disputará uma vaga para deputada distrital. ;Não entrei pensando nisso, mas tudo na vida tem a ver com política;, diz.
O representante do sindicato das Feiras do DF desde 2000, Valdenir Elias, é mais direto: ;Se eu disser que não tenho pretensão política com isso aqui, estaria mentindo;. Filiado ao PMDB, o feirante há mais de 50 anos foi consultado pelo partido para tentar uma vaga na Câmara Legislativa em outubro. ;Preferi ficar um pouco mais no sindicato.;
Antônio Augusto de Morais, manda chuva do comércio varejista há seis anos, diz ter recebido vários convites para entrar na política partidária. Negou todos. ;O sindicato dá o quê? Prestígio? Sem dúvida. Mas é uma satisfação pessoal, nada que traga vantagens;, analisa.
Os pouquíssimos novatos na posição de presidente de sindicato patronal prometem quebrar paradigmas. ;Não sei como esses caras aguentam ficar tanto tempo. Deveriam ter vergonha;, comenta Paulo Targino, que tomou posse ontem como líder do setor de ópticas. Avesso às reeleições, ele defende mandato de dois anos, sem direito a renovação.
Carlos Hiran Bentes David, novo presidente do Sindicato da Habitação (Secovi), não pretende se segurar no cargo. ;Vou abrir as portas para novas pessoas;, assegura ele, substituto de Miguel Setembrino, que exerceu dois mandatos, e agora presidirá o recém-criado conselho consultivo do Secovi.
1 - Mudança
As únicas mudanças ocorreram no Sindióptica, no Sindieventos, no Secovi e no Sindiauto. No Sincofarma, foi efetivado no cargo Felipe Defaria, que presidia interinamente a entidade desde 2007.
2 - Prestígio
O fato de não receber salário não quer dizer que o presidente de sindicato não ganhe nada em dinheiro pela função que exerce. Assim como síndicos de condomínios, sindicalistas costumam receber ajuda de custo, que podem ser equivalentes a bons salários.
Crise à vista na indústria
Na Federação das Indústrias do Distrito Federal (Fibra), terá disputa este ano. O atual primeiro vice-presidente, Ricardo Caldas, quer o posto maior e, por isso, se declarou candidato. As eleições estão marcadas para 8 de junho. Caldas concorrerá contra Antônio Rocha, o atual presidente da entidade, no cargo há oito anos e de olho em mais um mandato de quatro anos. Há seis meses, Toninho, como é conhecido, conseguiu convencer os conselheiros a mudar o estatuto, abrindo espaço para a sua terceira reeleição.
A campanha começou. Caldas sustenta que a alternância de poder está prevista na Constituição Federal. E adianta que, se preciso, acionará a Justiça para evitar a candidatura do colega. ;Não pode. A pessoa vai se perpetuando de tal forma que chega ao ponto de achar que aquela posição é dela;, comenta Caldas, ao acusar Toninho de estar seduzido pelo poder. Ele, por sua vez, não nega pretensões políticas ao buscar o cargo máximo da federação. ;No futuro, a política pode ser um caminho;, admite.
O atual presidente avalia que não está quebrando quesito democrático algum. ;Eleição é assim: você tem um mandato e, se for reconhecido pelo seu trabalho, o terceiro mandato consolida justamente o entendimento de que foi realizado um bom trabalho;, disse, no dia da reunião em que o estatuto foi alterado. Desde que assumiu a Fibra, Toninho passou a ser cortejado por vários partidos. Antes de estourar a crise política, recebeu até convite para ser vice em uma chapa petista ao governo do DF.
; Palavra de especialista
Renovar é imprescindível
;A alternância de poder é uma questão democrática. O cachimbo fumado com um único lado da boca entorta o lábio. Não dá para se ter um sistema sindical com mandatos sucessórios. É ruim, impede a circulação de novas ideias, encastela o controle da base. A falta de rotatividade não é normal dentro de uma democracia. É preciso criar um trabalho de construção de novas lideranças. Os sindicatos necessitam de renovação, têm de evitar a mesma linha, as mesmas figuras. Caso contrário, existe o sério risco de se incentivar a desconstrução de uma importante instância representativa.;
Sadi Dal Rosso, sociólogo, com mestrado e doutorado na Universidade do Texas, professor da Universidade de Brasília (UnB)
; Personagem da notícia
Em busca do sucessor
Quando assumiu o Sindicato do Comércio Varejista de Automóveis e Acessórios do DF (Sindiauto-DF), em 1986, Oscar Perné do Carmo tinha 51 anos. O Brasil era tricampeão mundial de futebol. José Sarney presidia a República. De lá para cá, a seleção canarinho levantou a taça mais duas vezes e quatro pessoas sucederam Sarney. Perné, hoje com 75 anos, se manteve no cargo. ;Não por minha vontade. É claro que tendo força e vontade de trabalhar, a gente continua, mas não foi algo egoísta;, diz.
À frente da entidade há 24 anos, Perné avalia que a diretoria não se renovou porque ele ;vem administrando bem o sindicato;. Reeleito para mais quatro anos, o empresário aposentado se programa para exercer o último mandato. ;Fico incomodado em estar aqui por muito tempo. A falta de interesse de outras pessoas para liderar a categoria me preocupa. Meu objetivo maior é encontrar alguém para me substituir;, comenta. O Sindiauto-DF representa cerca de 1,5 mil empresas.
Filiado ao nanico PHS, Perné defende que sindicalistas precisam se preocupar com a política partidária. O presidente não ocupou cargos no governo nem se candidatou a nada ao longo desses 24 anos. Pondera que não ;fugiria da responsabilidade; se o quisessem como candidato. Porém, sustenta que não usa o cargo como trampolim. ;Não tenho vaidade. Quero ser útil, só isso. Sou aposentado. É muito bom para a saúde e para a mente continuar trabalhando;, completa.