O projeto Dois Pontos do Correio Braziliense lançou ontem um tema para lá de polêmico e complexo: a opção feminina por ter filhos ou não. O debate girou em torno dos motivos que tornam a questão controversa: enquanto boa parte da população feminina ainda idealiza a maternidade como peça-chave para a felicidade e a realização pessoal, e é aplaudida pela sociedade por conta da escolha, uma minoria crescente, bem informada e articulada, opta por não ser mãe %u2014 e sofre enorme cobrança e pressão por isso.
Para debater a questão, foram convidados o pediatra Rui Tavares, autor do livro Consertador de menino, a psicóloga, doula e educadora perinatal Clarissa Kahn e a jornalista Lígia Diniz, que aos 31 anos afirma, sem cerimônias, que ter filhos não faz parte de seu projeto de vida. A jornalista e editora da Revista do Correio, Cristine Gentil, mediou o debate, que também contou com a presença dos assinantes do jornal que se inscreveram para participar do projeto.
%u201CEssa é uma revolução silenciosa. No Brasil, em 1960, a taxa de fecundidade era de 6,3 filhos por mulher. Em 2006 essa taxa baixou para 1,6 filho. Tudo isso sem grandes programas de controle de natalidade%u201D, relatou o pediatra Rui Tavares. Entre os possíveis motivos que levaram a essa diminuição da taxa de fecundidade estavam a popularização de métodos contraceptivos %u2014 com destaque para as pílulas anticoncepcionais %u2014; a maior oferta e o crescente acesso feminino a bens de consumo que, em algum nível, promovem satisfação pessoal para elas; a mudança de boa parte da população da área rural para a área urbana, onde os filhos deixaram de prover renda e passaram a dar despesas; e até mesmo a redução do tamanho das moradias, que aumentou a tensão na convivência entre adultos e crianças. %u201CMuitas mulheres simplesmente têm medo de não serem boas mães%u201D, acrescentou a psicóloga Clarissa Kahn.
No debate, Lígia Diniz afirmou sentir-se muito mais ridicularizada do que pressionada pela opção de não querer ser mãe, mesmo casada, com uma vida financeira estável e adorando crianças. %u201CTenho outras prioridades na minha vida%u201D, afirmou. Algumas pessoas não entendem, não concordam, ou mesmo não respeitam a decisão. %u201CJá ouvi conselhos do tipo %u2018ovo velho não faz boa omelete%u2019 de uma amiga que achava que eu deveria ter filhos o quanto antes%u201D, lembra. Com bom humor, fez um apelo espontâneo ao público presente: %u201CMas não pensem mal de mim%u201D %u2014 comprovando o quanto a sociedade ainda torce o nariz para a delicada escolha.