Jornal Correio Braziliense

Cidades

Vice-presidente do CRM-DF recebe penalidade por tratamento de menino que morreu em 2003

Conselheiros aplicam censura pública ao vice-presidente da entidade, que teria infringido o Código de Ética Médica

Depois da censura pública ao presidente do Conselho Regional de Medicina, Alexandre Castilho, foi a vez do vice-presidente da entidade, Iran Augusto Gonçalves Cardoso, receber a mesma penalidade disciplinar. A punição foi publicada no Diário Oficial do Distrito Federal e em jornais de grande circulação da cidade no último dia 12. Para os conselheiros do CRM-DF, Iran Augusto infringiu cinco artigos do Código de Ética Médica durante o tratamento do menino Emmanuel Lopes Pereira, 12 anos, que morreu em 2003.

O caso também foi analisado pelo Ministério Público do DF, que entendeu que o médico não teve nenhuma responsabilidade pela morte do garoto. Apesar do arquivamento do processo no MPDFT, os colegas de profissão decidiram aplicar a penalidade administrativa contra o pediatra. Procurado pelo Correio, Iran Augusto não foi localizado. Segundo a assessoria de imprensa do CRM-DF, ele está fora da cidade e incomunicável. Nenhum outro representante da entidade quis dar entrevista sobre o caso.

O Conselho Regional de Medicina é a entidade responsável pela fiscalização do exercício profissional da categoria e pelo zelo à ética médica. O CRM-DF também controla a emissão dos registros dos médicos. De acordo com a resolução que criou o conselho do Distrito Federal, em 1961, cabe aos conselheiros ;zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da medicina e pelo prestígio e elevado conceito da profissão e dos que a exercem legalmente;.

A legislação que regulamenta o funcionamento dos conselhos regionais de medicina de todo o país prevê cinco punições administrativas para os médicos registrados nas entidades. A mais branda é a advertência confidencial. Em seguida, vem a censura confidencial. Nos dois casos, apenas os conselheiros e o médico punido têm conhecimento da penalidade. A terceira pena disciplinar é a censura pública. Quando isso acontece, o resultado do processo ético profissional é publicado em jornais de grande circulação, para que a sociedade saiba as sanções aplicadas contra o médico. As duas penalidades mais graves são a suspensão do direito de exercer a medicina por 30 dias e a cassação definitiva do registro ; a medida mais drástica foi aplicada apenas seis vezes desde a criação do Conselho Regional de Medicina do DF.

O processo ético contra Iran Augusto Gonçalves Cardoso foi aberto no CRM-DF em 2006, mas o caso que ensejou a denúncia é de 2003. Naquele ano, a família de Emmanuel Lopes Pereira levou o menino ao consultório de Iran, que além de pediatra é homeopata, para tentar acelerar o seu processo de crescimento. O garoto de 12 anos media 1,47m e pesava 40kg. Segundo familiares, o médico teria prometido a Emmanuel que ele poderia alcançar 1,77m de altura. Para isso, o paciente deveria tomar clonidina, um medicamento usado no tratamento da hipertensão arterial. A família comprou o remédio receitado em uma farmácia de manipulação. Poucos meses depois, Emmanuel morreu intoxicado pelo medicamento.

Literatura
Iran Augusto foi criticado por receitar a clonidina, já que não havia nada na literatura médica que comprovasse sua utilização para acelerar o crescimento. Mas o promotor Diaulas Ribeiro, titular da Promotoria de Justiça Criminal da Defesa dos Usuários de Serviços de Saúde do Ministério Público do Distrito Federal, concluiu que Iran não teve nenhuma responsabilidade pela morte de Emmanuel, já que a dose prescrita pelo médico jamais seria letal. O promotor responsabilizou funcionários da farmácia de manipulação, que segundo Diaulas erraram ao preparar o remédio. Para o Ministério Público, não foi a utilização da substância que matou Emmanuel, mas a overdose da clonidina.

O promotor Diaulas Ribeiro explica que mandou arquivar o processo contra Iran Augusto Gonçalves Cardoso porque não encontrou nenhuma relação entre a conduta do médico e a morte do garoto. ;A tragédia foi causada por um erro na manipulação do medicamento que ele receitou. Não me cabe avaliar se a atitude dele tinha respaldo ético. Isso cabe ao CRM;, afirma o promotor. ;Eu avaliei apenas se o comportamento dele causou a morte dessa criança. A conclusão é de que, se não fosse o erro da farmácia, ela estaria viva;,finaliza Diaulas. O promotor responsabilizou a farmacêutica responsável pelo laboratório e uma técnica por homicídio culposo. Elas fizeram acordo com o MPDFT e o caso já foi arquivado.

A sanção de censura pública contra Iran Augusto foi aprovada em março de 2008. Mas como o médico recorreu ao Conselho Federal de Medicina, a publicação só aconteceu dois anos depois. Para os conselheiros do CRM, Iran errou por não ter agido com o máximo de zelo e por não aprimorar seus conhecimentos científicos. Seus colegas também entenderam que ele infringiu o artigo 29 do Código de Ética, já que teria atuado com imperícia e negligência ao prescrever uma droga potencialmente tóxica por tempo ilimitado. O pediatra também errou, de acordo com a decisão do CRM, por não informar a família sobre os riscos do uso da clonidina e por exagerar no prognóstico do caso. Essas duas atitudes confrontam os artigos 59 e 60 do Código de Ética.



"Não me cabe avaliar se a atitude dele tinha respaldo ético. Isso cabe ao CRM. Eu avaliei apenas se o comportamento dele causou a morte dessa criança. A conclusão é que, se não fosse o erro da farmácia, ela estaria viva"
Diaulas Ribeiro, Promotor de de Justiça Criminal da Defesa dos Usuários de Serviços de Saúde

O que dizem os artigos do Código de Ética
Artigo 2

O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.

Artigo 5
O médico deve aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente.

Artigo 29
Praticar atos profissionais danosos ao paciente, que possam ser caracterizados como imperícia, imprudência ou negligência.

Artigo 59
Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta ao mesmo possa provocar-lhe dano, devendo, nesse caso, a comunicação ser feita ao seu responsável legal.

Artigo 60
Exagerar a gravidade do diagnóstico ou prognóstico, ou complicar a terapêutica, ou exceder-se no número de visitas, consultas ou quaisquer outros procedimentos médicos.