Estacionar na Esplanada dos Ministérios é um suplício para a maioria dos funcionários públicos que trabalham na região. Mas nem todos enfrentam esse desafio diário. Servidores de alto escalão de algumas pastas têm direito a vagas privativas em locais de uso coletivo. Com cancelas, guaritas, cones ou correntes, quatro ministérios privatizaram o espaço público, restringido parte dos estacionamentos a um seleto grupo. O fechamento dessas áreas é ilegal, já que a restrição de acesso não é autorizada pela Administração de Brasília, nem pelo Departamento de Trânsito (Detran). A Agência de Fiscalização (Agefis) do GDF vai começar a notificar os ministérios até o fim do mês e promete montar uma grande operação para retirar as cercas e guaritas.
O fechamento de vagas públicas é uma reclamação antiga dos servidores públicos da Esplanada. No mês passado, mais um ministério entrou para a lista dos infratores. Desde 8 de fevereiro, o estacionamento atrás do prédio que abriga os ministérios dos Transportes e das Comunicações foi isolado por seguranças oficiais e coberto com uma enorme lona azul. No local, que antes era aberto aos motoristas, só podem entrar agora carros oficiais das duas pastas. A decisão foi tomada pela administração do edifício-sede por conta de uma obra na garagem subterrânea do prédio.
Funcionários desses órgãos e do Ministério da Justiça, que fica ao lado, estão revoltados com o isolamento da área. De acordo com a Administração de Brasília, o GDF não foi consultado, nem autorizou a colocação da lona para cobertura. Em 12 de fevereiro, fiscais da Agefis estiveram no local e deram prazo de cinco dias para que a lona azul fosse retirada e a área, liberada ao público. Mas, ontem, a cobertura continuava no mesmo local. Os responsáveis pelo cercamento foram multados em R$ 1,5 mil.
Além de fechar o estacionamento contíguo ao edifício-sede, os ministérios dos Transportes e das Comunicações também restringiram o acesso às vagas do prédio anexo, onde vigias terceirizados controlam com cones quem pode e quem não pode usar esses espaços. Mais de 60 vagas foram demarcadas e numeradas, para que apenas funcionários de alto escalão parassem o carro nesses locais.
O servidor público Nilton Ricardo Guimarães, 28 anos, costumava estacionar no espaço hoje cercado pelos ministérios dos Transportes e das Comunicações. Ele conta que, para achar uma vaga, precisa chegar ao trabalho por volta das 8h30. ;Aqui já é complicado normalmente. Com esse isolamento que eles fizeram, está pior ainda;, reclama o servidor. ;Não sei por que só algumas pessoas têm o privilégio de vagas reservadas. Podem chegar a qualquer hora, sem ter que ficar rodando atrás de um lugar para deixar o carro;, acrescenta o também funcionário público Danilo Reis dos Santos, 29 anos.
A assessoria de imprensa do Ministério dos Transportes informou que é responsável apenas pela gestão administrativa do edifício anexo e garantiu, depois do contato do Correio, que os cones para reserva de vagas seriam retirados. Já o Ministério das Comunicações, que administra o edifício-sede, afirmou que o fechamento é provisório e será mantido somente enquanto durarem as reformas da garagem coberta. A assessoria informou que apenas os 66 carros oficiais das duas pastas estacionam no local e que a medida visa à preservação desse patrimônio público. Acrescentou ainda que a empresa responsável pela obra já pediu autorização à Administração de Brasília e aguarda resposta.
Itamaraty
Uma das áreas públicas fechadas há mais tempo é o estacionamento ao lado do Palácio do Itamaraty. Funcionários com uma credencial pendurada no retrovisor têm o direito de parar o carro bem ao lado do edifício do Ministério das Relações Exteriores. Já os servidores do Ministério da Saúde precisam batalhar para achar um espaço livre ou pagar quantias mensais aos flanelinhas que dominam a região. As guaritas do Itamaraty são motivo de revolta para os funcionários de outras pastas.
José Machado Marques, 50 anos, trabalha na Coordenação de Recursos Humanos do Ministério da Saúde. Ele precisa chegar antes das 8h para conseguir encontrar uma vaga. ;Essa área do Itamaraty deveria ser liberada para todo mundo. Acho uma injustiça muito grande o estacionamento ser de uso privativo. Me disseram que lá é área pública;, comenta.
Particular
Também funcionário do Ministério da Saúde, o servidor Renir Dias de Oliveira, 54 anos, faz coro às reclamações. ;Será que eles pagam mais imposto do que eu, para ter direito a estacionamento particular?;, questiona Renir. ;Isso está errado. Espero que o governo faça alguma coisa para retirar essas guaritas e essas correntes;, finaliza o funcionário público, que precisa todos os dias empurrar os carros estacionados em frente ao seu para sair. A assessoria de imprensa do Departamento de Trânsito (Detran) informou que o órgão não é responsável por autorizar nem por fiscalizar o fechamento de estacionamentos públicos.
No Ministério da Defesa, um soldado de plantão e uma guarita já afugentam quem pensa em parar o carro no local. Eles são a garantia de vaga fácil para servidores de alto escalão. Fardado, o soldado encarregado de controlar o vaivém de veículos aborda qualquer motorista que se aproxima e informa sobre a proibição de estacionar na área. No Ministério da Fazenda, o procedimento é o mesmo. A cancela instalada pelos gestores da pasta isola as vagas privatizadas. A assessoria de imprensa dos ministérios da Fazenda e das Relações Exteriores foram procuradas durante três dias, mas não retornaram as ligações do Correio. O Ministério da Defesa informou que ainda não foi notificado e garantiu que o que existe no local ;é uma reserva precária, onde são colocados cones para preservar o estacionamento do ministro, de autoridades visitantes e titulares de cargos de direção;.
A administradora de Brasília, Eliana Klarmann, conta que o governo autoriza a construção de estacionamentos, mas em nenhuma hipótese permite o isolamento dessas áreas públicas. ;Não pode haver nos ministérios nenhum tipo de restrição à entrada de carros, como guaritas, cancelas ou correntes. Às vezes, recebemos pedidos de autorização para cercamento de vagas. Mas sempre que a área é pública, nossa reposta é ;não;. O espaço é para todos;, justifica Eliana. A administradora explica que encaminha as denúncias à Agência de Fiscalização. ;Mas nada impede que façamos ações conjuntas;, finaliza.
A Agência de Fiscalização do GDF informou que já começou a fazer um levantamento da quantidade de vagas privatizadas na Esplanada dos Ministérios. Segundo a assessoria de imprensa da Agefis, o trabalho começou em 2009 pelos setores comerciais e hoteleiros e agora será estendido à Esplanada. A agência garantiu que, ao fim do levantamento, todos os órgãos responsáveis pela privatização de áreas públicas serão notificados e as guaritas e cancelas serão removidas.
O superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Alfredo Gastal, apoia as operações de retirada dos cercamentos na Esplanada. ;O espaço público não pode nem deve ser privatizado. Infelizmente, essa realidade está cada vez mais recorrente em Brasília;, lamenta Gastal. Ele informou, entretanto, que o fechamento das vagas não representa uma agressão ao tombamento. ;No caso de estacionamentos em áreas verdes, por exemplo, seria um risco ao tombamento;, acrescenta o superintendente.