Esta é uma história de amor. De um amor que não mediu o tempo. Nem as diferenças. Se você, leitor, não acredita em amor impossível, não perca tempo. Não continue a leitura. Mas se passar deste parágrafo e conhecer Juraci e sua infinita capacidade de refazer a vida por causa desse amor, aí verá como o ser humano pode renascer. Todos os dias. No tempo que for, da forma que desejar. Na idade em que ele, o amor, se sentir pleno. Essa é a história de uma mulher que não teve medo de ser feliz.
Campo Alegre de Lourdes, Bahia. Lá, uma menina chamada Juraci Rocha da Silva nasceu. Filha caçula de ;um vendedor de um tudo; e de uma costureira, ainda menina se mudou para Teresina (PI), para estudar. Foi morar na casa de uma tia. Cursou até a 4; série primária. E voltou a Campo Alegre. Contava 16 anos quando virou professora de uma escola municipal.
Ensinava as letras a quem não sabia que letras salvam vidas. Tornou-se a escrivinhadora de cartas alheias. Nas horas que eram só suas, escrevia poesias que não mostrava para ninguém. Falava de um amor que sabia ali não existir. Os sonhos de Juraci não cabiam na pequena Campo Alegre. Antônio, um tio formado em magistério no Rio de Janeiro, incentivava a menina a não parar com os estudos.
Juraci partiu para Juazeiro, na Bahia, para estudar educação de base. E voltou novamente a Campo Alegre. Aos 19 anos, casou-se com o agricultor Terêncio, de 26 anos. ;Ele tinha uma leiturinha;, ela diz. Vieram os filhos da mulher que escrevia sobre o amor como se fosse conto de fadas. Pariu 13 ; dos 20 aos 45 anos. Todos de parto normal. Alguns em casa. Outros no meio da estrada, sozinha, quando voltava da roça. ;O menino nascia, eu segurava ele e andava até em casa. No dia seguinte, trabalhava na roça e dava aula;, conta.
Três dos 13 filhos morreram ainda pequenos. Dez sobreviveram. Um dia, Terêncio disse a Juraci que ia ser evangélico. ;Ele só queria saber da Bíblia. Eu gostava de festa de formatura, queria descobrir o mundo.; Alegando incompatibilidade de gênios, quase 30 anos depois de casados, Terêncio pediu a separação. ;Você gosta muito das coisas do mundo, Juraci;, disse ele à mãe dos seus 13 filhos. Partiu e levou uma mala de roupa e a Bíblia na mão.
Juraci ficou sozinha. Terêncio casou-se com uma moça da igreja. Teve mais filhos. Juraci escreveu, como nunca, coisas que ninguém leu. Continuava falando de amor ; daquele amor de sonho em que acreditava. Tempos depois, apareceu um certo Antônio, homem separado como ela. Pediu Juraci em casamento. E viveram juntos até 1988, quando ele morreu. Dois meses depois da viuvez, os filhos dela, que moravam em Brasília, mandaram buscá-la, para que ficasse perto deles e dos netos.
Aos 58 anos, Juraci desembarcou na capital. O filho mais velho comprara uma casa no P Norte, em Ceilândia, e lhe deu para morar. Ali, começaria a mais incrível história de sua vida. À noite, ela descobriu uma rádio que, nas madrugadas insones, apresentava um programa para pessoas que buscavam conhecer outras, por meio de cartas.
Juraci retomou seus escritos ; que ninguém lia ; e ouvia pelo rádio as maltraçadas linhas de gente que queria conhecer gente. Uma noite, sozinha, ouviu o locutor lendo a carta de um homem que dizia procurar uma mulher para relacionamento de amizade. Só queria que a pretendente fosse ;educada e compreensiva;. O locutor falou o endereço do rapaz solitário. Ligeirinho, Juraci correu para anotar.
No dia seguinte, com letra desenhada de professora, escreveu para o rapaz. Antes de qualquer constrangimento, ela logo lhe avisou: ;Não tenho a sua faixa etária, mas também gosto de fazer amizade;. E continuou: ;Tenho 63 anos e não me considero uma mulher velha. Vejo que você está muito carente...;
Lá em Vitória (ES), o homem leu a carta da mulher do P Norte. Quis descobrir mais sobre aquela pessoa de letra bonita. Cinco dias depois, ligou. Marcos Antônio Teixeira tinha 23 anos. ;Ele me disse: ;Você é a mulher que eu procurava;. De julho a novembro daquele ano, Juraci lhe fez todas as cartas que desejou. Nunca trocaram fotos.
A primeira noite
Em novembro, Marcos Antônio veio a Brasília. Dentro de um ônibus, sacolejou por 22 horas até chegar. Juraci e uma neta foram buscá-lo na Rodoferroviária. ;Ele me disse como viria vestido. Vi um homem mais bonito do que imaginava;, derrete-se ela. Juraci levou o então amigo à casa dela. Apresentou-o à família inteira. ;Meus filhos não gostaram. Ficaram desconfiados. Disseram que ele tava interessado em alguma coisa. E que, ao constatar que eu era pobre, nunca mais voltaria;, lembra.
Marcos Antônio passou cinco dias com a amiga. Conversaram sobre a vida. Falaram de solidão. Ele lhe contou que era separado e que trabalhava como vigilante. Ela ouviu atentamente a história daquele rapaz. Contou a sua. Chegou o dia da partida. Juraci sentiu uma dor no peito. ;Era saudade;, ela diz. Em março do ano seguinte, ele voltou. ;Ficou uns nove dias. Mas dormia no quarto de hóspede.;
Sempre que o ;amigo; partia, Juraci chorava. Era choro de paixão. Corria para o papel e escrevia poesias para sentir a presença dele. Veio a terceira viagem, em junho. ;Ele demorou mais . Foram 15 dias;, conta, com ares de apaixonada. O amigo deixou o quartinho de hóspede da casa humilde e foi para a cama de casal de Juraci, com colcha cor de rosa e bichinho de pelúcia.
;Era 9 de junho de 1995. Foi nossa primeira noite de amor. Aos 63 anos, parecia que era a primeira vez na minha vida. Ele encheu todo o vazio que eu tinha desde mocinha;, emociona-se a mulher, hoje com 78 anos, filhos encaminhados na vida ; tem eletricistas, dona de casa, doutoranda da UnB e mestre de obras.
Naquela noite, depois do amor consumado, ela lhe disse: ;Não preciso de nada. Só quero você pra me acarinhar;. Ele entendeu.
Sem fantasias
Uma vez um vizinho, da idade dela, fofocou: ;Essa velha só pode fazer feitiço. Como é que pode? É pobre e tá com um homem novo e bonitão...;. O fuxico correu rua afora. Juraci preferiu fingir que nunca soube. E o vizinho, por onde anda? ;O velhinho morreu, coitado. Eu tô aqui, vivinha e amando muito.;
Nos 78 anos de Juraci, em 16 de fevereiro, Marcos estava aqui. ;Foi meu melhor presente de aniversário.; A filha, Orquidéia Rocha, 49, viúva, dois filhos, comenta: ;Hoje, eu vejo que ele realmente gosta da minha mãe. Liga todo dia pra perguntar se ela já tomou o remédio da pressão;. Anderson, 17, o neto, prossegue: ;Da forma como ele trata minha avó, a gente percebe que ele gosta mesmo;. E Juraci? Finge não ouvir. Pensa no amor distante.
Pergunto-lhe sobre o futuro. Ela olha com sabedoria e responde: ;É esse, meu filho. É o que tá acontecendo. Vivo o hoje como se fosse o último dia;. E sobre o amor pelo homem muito mais jovem? ;Sem ele, não sou nada. Continuaria escrevendo, mas sem graça de nada;. Ela mostra fotos dele e diz, suspirando para o amado, como se só ela estivesse ali: ;Amor da minha vida!”. Depois, garante: ;Nunca é tarde para ser feliz;.
De Vitória, Marcos Antônio falou ao Correio. Sobre a mulher com quem está há 17 anos, ele diz: ;Ela é inteligente e especial em todos os sentidos. Não deixa a desejar a nenhuma outra;. Contou que já a convidou diversas vezes para visitar a cidade dele. ;Ela nunca quis vir, sempre inventa uma desculpa;. Juraci confirma: ;Se tiver que acontecer...; Indago ao namorado dela se ele é fiel. ;Sou. Não teria motivo para trair;, jura. E diz, encantado: ;Ela é ciumenta demais. Quando eu tô aí a coisa é mais séria, mais do que quando tô aqui;.
Daqui a 15 dias, ele a visitará novamente. Juraci comprou camisola nova. Irá dar mais uma mãozinha de tinta no cabelo. Quer ficar bonita pro amado. Pede para filha Orquidéia sair da sala e confessa, quase envergonhada: ;A gente faz amor de forma bem saudável. Não tem fantasia sexual, não. O que é bom é o que é simples;. E sorri sorriso de moça grande. Definitivamente, Marcos Antônio tem razão: Juraci é especial. Em todos os sentidos. E essa é a sua melhor história. (MA)