Jornal Correio Braziliense

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Promotor reclama da falta de informações sobre o caso dos sumiços em Luziânia

Equipe destacada pelo governo estadual para investigar os desaparecimentos voltou para Goiânia

São dois meses de mistério, angústia e sofrimento. Diego Alves Rodrigues, 13 anos, desapareceu em 30 de dezembro. Foi o primeiro de seis jovens de Luziânia. Todos moradores do Estrela Dalva, bairro da periferia do município goiano localizado a 60km de Brasília. Somente após muita pressão, a Polícia Civil de Goiás abriu inquérito. Prendeu dois suspeitos, mas não se provou a relação deles com o paradeiro dos adolescentes. Especialistas enviados de Goiânia para reforçar as investigações retornaram à capital há duas semanas, apesar de o governo estadual garantir prioridade ao caso. As mães dos garotos reclamam da falta de satisfação dos responsáveis pela apuração.

A Polícia Civil tem quatro linhas de investigação: tráfico de seres humanos para trabalho escravo, exploração sexual de menores, tráfico de órgãos e uma mera aventura juvenil. Mas nenhuma delas se baseia em provas, nem mesmo em indícios. ;Houve um empenho que nunca existiu em nenhum outro caso, mas, agora, a estrutura da polícia é a mesma precária de antes;, afirma o promotor Ricardo Rangel, designado para acompanhar a investigação. ;Até agora, o delegado-regional (José Luiz Martins de Araújo) sequer respondeu alguns dos meus ofícios, como o que peço a quantidade e os nomes dos policiais envolvidos na investigação, além de quantidade e tipo de armamento e viaturas;, completa o promotor.

Uma das poucas informações passadas pelo delegado-regional, segundo Ricardo Rangel, são os nomes dos três delegados designados para trabalhar no inquérito. ;Seriam os tais delegados que se dedicariam exclusivamente ao caso, como o prometidos pelo secretário de Segurança Pública (Ernesto Roller). Mas são os únicos que temos na cidade, os mesmos que cuidam de todos os outros crimes ocorridos em Luziânia há tempos;, ressalta o promotor. Ele e as mães dos garotos, no entanto, apostam na trabalho da Polícia Federal (PF), que entrou no caso há duas semanas para apoiar a Polícia Civil goiana, ainda à frente das investigações.

Silêncio

A ajuda da PF era uma reivindicação das mães dos meninos desaparecidos. Mas o governo de Goiás rejeitou ao máximo o apoio, até o caso ganhar repercussão nacional. No último dia 9, Ernesto Roller anunciou aceitar a colaboração dos policiais federais, mas quatro dias depois, o Correio revelou que o secretário sequer havia enviado o pedido formal ao Ministério da Justiça. Somente após a denúncia é que o governo goiano tomou a providência e a PF finalmente enviou homens a Luziânia. A equipe de reportagem encontrou um delegado e dois agentes federais na delegacia da cidade ontem, mas nenhum quis dar entrevista. Já o delegado-regional José Luiz estava em Goiânia, segundo seus agentes. Ele não atendeu as ligações do jornal, assim como Ernesto Roller.

O único a falar pela Polícia Civil foi o chefe do Departamento de Polícia Judiciária de Goiás, Josuemar Vaz de Oliveira. Segundo Roller, Josuemar ficaria em Luziânia até o fim das investigações, mas deixou a cidade dos desaparecidos e voltou para Goiânia desde a véspera do carnaval, bem como os dois delegados do Serviço de Inteligência designados para o caso. ;Havendo necessidade, nós voltaremos (a Luziânia);, resumiu Josuemar, sem detalhar a apuração do caso.

Pontos em aberto

1 - Por que a Polícia Civil de Goiás demorou 15 dias para abrir o inquérito?
O que diz a polícia: Não se instauram inquéritos para desaparecimentos, porque, num primeiro momento, não se configura um crime. É comum pessoas se ausentarem de casa por dois ou três dias. Como coincidiu quatro casos, resolveu-se abrir o inquérito.

2 - Por que a demora para autorizar a entrada da Polícia Federal no caso?
O que diz a polícia: A investigação era de competência da polícia estadual. A PF só entrou por causa dos pedidos dos familiares e das autoridades.

3 - Existe ligação entre os casos?
O que diz a polícia: Até o momento, não há evidências nesse sentido. A não ser pelo fato de todos terem sumido no mesmo bairro (Parque Estrela Dalva) e na parte da manhã. Mas o trabalho é voltado para encontrar algum vínculo entre os casos.

4 - Por que a polícia divulgou a hipótese de trabalho escravo depois não tocou mais no assunto?
O que diz a polícia: Nenhuma linha de investigação é descartada. Quando se cita alguma possibilidade, causa um grande alvoroço na família e na cidade. As primeiras informações que chegaram foram nesse sentido, mas não passaram de trote.

5 - Por que a polícia pergunta se as famílias têm pistas dos garotos?
O que diz a polícia: As famílias são importantes fontes de informações para criar uma relação de confiança com os investigadores. Mas a polícia nega ter pedido para os familiares investigarem, porém diz que qualquer ajuda é sempre importante.

; Para os familiares, restam a dor e o vazio
Daniel Brito

Apaixonado por computador, Diego Alves Rodrigues, 13 anos, foi visto pela última vez na manhã de 30 de dezembro de 2009. Despediu-se dos amigos com quem conversava tranquilamente em uma oficina mecânica dizendo que iria para casa porque estava ;morrendo de fome;. Desde então, a mãe do menino, a dona de casa Aldenira Alves de Souza, 52, faz uma via-sacra em busca de informações do filho. ;Só Deus sabe como ela aguentou esses dois meses;, diz Gláucia Gomes, irmã mais velha de Diego.

Aldenira esteve na delegacia no dia do desaparecimento, mas só conseguiu registrar a ocorrência em 31 de dezembro. Cinco dias depois, ela encontrou dor idêntica em Sônia Vieira Azevedo, 45 anos, que é servidora pública e cujo filho, Paulo Victor Vieira de Azevedo Lima, 16, desapareceu em 4 de janeiro após pagar a conta em uma casa lotérica, também no Parque Estrela Dalva.

Sônia é uma espécie de líder natural das mães dos desaparecidos. Além de Aldenira, a ela se juntaram a dona de casa Sirlene Gomes, mãe de George (sumiu dia 10); a diarista Mariza Lopes, mãe de Divino (dia 13); a contadora Valdirene da Cunha, mãe de Flávio (dia 18); e Maria Lúcia Lopes, mãe de Márcio (que desapareceu dia 22). Elas mobilizaram Luziânia, os principais veículos de comunicação do país, deputados federais e senadores, a Polícia Federal e o Ministério da Justiça. Mas ainda não obtiveram respostas que levem aos filhos.

Ontem, Sônia se mostrava resignada. ;Os policiais não têm bola de cristal para saber onde os meninos podem estar. Ninguém nesta cidade viu para onde eles foram;, disse. Desde que Paulo Victor desapareceu, Sônia distribuiu mais de 2 mil panfletos com as fotos dos desaparecidos em 35 cidades de Goiás e do Distrito Federal.

Via-sacra

Na quinta-feira última, após visitar postos de gasolina da BR-040 divulgando as fotos dos rapazes, sentiu forte dor de cabeça, mal-estar e vontade de vomitar. A pressão arterial estava em 14 por 9, quando o normal seria 12 por 8. Foi ao médico, que recomendou repouso. ;Aumentei a dose do meu calmante;, contou Sônia.

Valdirene tenta retomar à rotina diária, interrompida desde 18 de janeiro, quando Flávio sumiu. Ela voltou a trabalhar no departamento de contabilidade de um hospital no Plano Piloto, apesar de ter sido liberada do serviço sem ter o ponto cortado. Já Mariza pediu alguns dias de folga nas casas onde trabalha como diarista. ;Ela está sem forças. Cada dia é mais difícil;, comentou Fernanda Lopes, 19 anos, filha de Mariza. Sirlene Rabelo, mãe de George, disse que vive à base de calmante.