Os estrangeiros que vivem em Brasília, por opção ou movidos pelo trabalho, desafiam o mercado. Instalados na capital do país, eles buscam empresas e profissionais que os levam em consideração, mesmo que não ofereçam um atendimento especializado. Alguns setores perceberam isso e se preparam para atender à demanda diferenciada. Os gringos movimentam principalmente serviços como escolas, academias, transportes e restaurantes.
As 116 embaixadas, os 39 escritórios de organismos internacionais e as três representações estrangeiras envolvem cerca de 3 mil pessoas, segundo estimativa do Itamaraty. Juntam-se a esse grupo os que deixaram seus países de origem para atuar em organizações não governamentais estrangeiras e filiais de empresas multinacionais no Distrito Federal. Em 2000, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), havia 4.519 estrangeiros no DF - é o dado mais recente do órgão.
Funcionários do corpo diplomático quase sempre levam a família na mudança. São raras as embaixadas que servem como moradia. A maioria dos gringos faz questão de viver no Lago Sul, o que mexe com o mercado de aluguel no bairro mais nobre do DF. Eles pagam de R$ 4,5 mil a R$ 8,5 mil por mês. Os contratos costumam durar até três anos. A corretora Cássia Cunha, da Sônia Imóveis, diz que os diplomatas não atrasam o pagamento. "Nunca tivemos problema com eles."
Preparação
O número de alunos estrangeiros na academia Vip Training, no Lago Sul, não chega a 4% do total: são 20 de 530, atualmente. Mas eles formam um público cada vez mais presente. "Síria, Espanha, Argentina, países da África, da Europa: o mundo inteiro está aqui", diz a professora de educação física Maria Thereza Lima, 51 anos. Ela e outros nove funcionários, entre instrutores, recepcionistas e massagistas, começaram um curso de inglês há 10 dias.
Sempre que alguém chega à academia sem falar português, cria-se um certo pânico. "O pessoal entra em desespero e corre pra me chamar", conta a proprietária, Roberta Marques, 32 anos, que teve a ideia do curso para os funcionários. "É uma necessidade que percebemos desde o início. O estrangeiro precisa receber o mesmo tratamento do brasileiro. Se eles não tiverem com quem conversar, vão ficar desinteressados", justifica. A academia abriu as portas há um ano.
Em dezembro, a africana Júlia Ketshbetswe, 28 anos, se matriculou e logo percebeu o esforço dos professores em entendê-la. "Falando minha língua, eles fazem com que eu me sinta em casa", comenta, em inglês, a aluna que chegou a Brasília para trabalhar com o embaixador de Botsuana. "Comunicação é tudo em musculação. Chega uma hora em que a mímica não adianta", diz o estudante de educação física Fernando Viana, 28, que também participa das aulas de inglês duas vezes por semana.
Os restaurantes também estão atentos ao público estrangeiro. No Alice Brasserie, também no Lago Sul, os garçons tiveram aulas de inglês durante um ano e meio. Dois funcionários falam fluentemente o idioma, além do francês. O lugar é muito frequentado por diplomatas asiáticos e da França, país cuja culinária é especialidade da casa. "São clientes fiéis, mas, ao contrário do que pensam, são econômicos e não deixam de pedir desconto", revela Alice Mesquita, chefe e proprietária do restaurante.
No Kosui, na Academia de Tênis, pelo menos 10% dos clientes são japoneses, a maioria funcionários da embaixada. O público oriental é cativo há 10 anos, quando o restaurante foi inaugurado e logo se tornou referência entre os diplomatas daquele país. O ambiente com decoração e comida tradicionais atrai os asiáticos. "É como se estivéssemos no Japão, por isso eles gostam muito daqui", acredita a chefe Alícia Yamanishi, filha de japoneses.
Educação
Brasília abriga seis escolas internacionais, onde estudam, ao todo, cerca de 1,9 mil alunos. Desses, de 20% a 30% são estrangeiros ou têm dupla nacionalidade. "Em todo o país, não são mais do que 20 escolas. Aqui é um lugar privilegiado. A rotatividade dos diplomatas é grande, mas enquanto uma família sai, outra chega. Sempre haverá demanda", analisa o canadense Shahbaz Fatheazam, diretor financeiro da Escola das Nações, inaugurada há 30 anos no Lago Sul.
Em 1989, o Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução da Universidade de Brasília (UnB) lançou uma disciplina para ensinar português aos alunos estrangeiros(1) da instituição - hoje são 282. Meses depois, o público externo soube da novidade e a coordenação decidiu abrir as inscrições à comunidade. Desde então, uma média de 270 alunos são formados por ano. A procura, segundo a professora Percília Santos, não para de crescer (veja serviço).
As turmas são compostas basicamente por representantes do corpo diplomático: embaixadores, embaixatrizes, assessores, motoristas e seus dependentes. Há também cônjuges de brasileiros, que se mudaram para a capital. "É um mercado que sempre vai existir. A gente recebe pedidos de matrícula antes mesmo de os alunos chegarem aqui", conta Percília. Fora da universidade, professores particulares cobram, em média, US$ 50 por hora-aula.
Diferencial
O ortodentista Jorge Faber fala inglês com fluência e se vira bem com o espanhol. Por saber outras línguas, acabou atraindo muitos pacientes estrangeiros ao seu consultório, no Brasília Shopping. Diz que descobriu esse nicho e perdeu a conta de quantos holandeses, quenianos, norte-americanos, franceses, canadenses e chineses já sentaram na cadeira de dentista.
Todo mês, Faber atende funcionários de embaixadas. O conhecimento de outros idiomas virou um diferencial. "Falar inglês é obrigação, mas, em Brasília, existe essa demanda em virtude da presença do corpo diplomático", comenta. "Existem muitas pessoas que precisam de tratamento, mas têm dificuldade por conta da barreira da língua", completa.
Os taxistas de Brasília, principalmente os que atuam no aeroporto, também perceberam que saber um pouco de inglês pode fazer a diferença na hora de conquistar passageiros. Na semana passada, 450 desses profissionais deram início a um curso do idioma oferecido pela Secretaria de Transportes. "Não precisa falar tão bem, mas aqui temos que ter um conhecimento básico para facilitar a comunicação", diz a presidente do sindicato da categoria, Maria do Bonfim Santana.
1 - Universidade
Funcionários estrangeiros de missão diplomática ou repartição consular de carreira no Brasil, além de seus dependentes legais, podem ter acesso à universidade pública, mesmo que não haja vaga, sem a necessidade de prestar vestibular.
O número
3 mil
Número de estrangeiros, somente em embaixadas e organismos internacionais, segundo o Itamaraty
Curso
As inscrições para o curso de português para estrangeiros oferecido pela Universidade de Brasília estão abertas. As aulas começam amanhã, 1º de março. A taxa é de R$ 650, para dois meses de aula. No ato da matrícula, é preciso apresentar visto e passaporte. Mais informações no site www.let.unb.br/peppfol ou pelos telefones 3107 5833 ou 3107 5835.