Enquanto o governador afastado José Roberto Arruda (sem partido) completa hoje o sexto dia de prisão em uma sala de 40 metros quadrados na Superintendência da Polícia Federal, os oito deputados distritais citados no inquérito que investiga as denúncias de arrecadação e pagamento de propina no Distrito Federal continuam livres para exercer atividades parlamentares na Câmara Legislativa. Apesar das cenas explícitas apresentadas nos famosos vídeos gravados pelo ex-secretário de Relações Institucionais Durval Barbosa, os deputados que estrelam as filmagens não dão indícios de deixar a Casa. Os distritais que não aparecem nas cenas, mas têm os nomes citados nas investigações, também demonstram estarem à vontade no cargo.
A tranquilidade deles pode ser abalada, no entanto, com a provável aprovação da abertura dos processos disciplinares que podem resultar na cassação dos mandatos. Tudo porque o acordo costurado para arquivar as representações contra os deputados perdeu validade na última quinta-feira, quando o governador foi afastado do cargo e preso por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Não foi apenas a prisão que jogou por terra a estratégia arquitetada para livrar os distritais acusados de corrupção. A ameaça de intervenção federal no Distrito Federal, pedida pela Procuradoria-Geral da República (PGR), também complica a situação dos oito parlamentares manchados pelo escândalo. Depois de dois meses sem mostrar qualquer esforço para punir os envolvidos, o clima na Câmara Legislativa começa a mudar. O sentimento é de que é necessário dar uma resposta para provar que a Casa não está inerte.
O presidente da Comissão de Ética da Câmara, Bispo Renato (PR), promete rigor com os suspeitos. O deputado disse ontem ao Correio que não vai jogar nada debaixo do tapete e que, se as pressões vindas de alguns distritais continuarem, ele irá denunciar à obstrução das investigações à PF. ;Não estou mais atendendo ligações de deputados envolvidos;, afirmou. Há prazos regimentais do processo, mas ele garante que não levará mais que dois meses.
Além da oposição, agora os deputados independentes já começam a falar abertamente na cassação dos mandatos dos oito acusados, todos alvos de representações de processo de quebra de decoro parlamentar protocolados na Casa pela Ordem dos Advogados do Brasil no DF (OAB-DF).
Desde o fim da semana passada, a decisão de consenso foi acelerar o andamento dos processos de investigação. O corregedor da Casa, Raimundo Ribeiro, garantiu que entregará o relatório sobre as denúncias contra os deputados antes do prazo, que termina no dia 26. ;Vou me esforçar para entregar ainda esta semana.; Durante o feriado, ele se debruçou na análise do Inquérito n; 650, do STJ, para compor o relatório. Será uma peça única que poderá ou não ser considerada pela Comissão de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara. Os argumentos mais utilizados pelos citados fazem referência à época em que o dinheiro foi entregue por Durval. Os deputados alegam que não estavam no exercício do atual mandato e que o dinheiro teria sido usado na campanha.
Dos citados na Operação Caixa de Pandora, apenas Leonardo Prudente (sem partido) perdeu poder na Casa. Após ser muito pressionado, inclusive pelo Judiciário, renunciou à presidência da Câmara. Apesar de ter mantido o mandato, o distrital raramente é visto nos corredores da Casa e evita falar com a imprensa desde que foi flagrado colocando dinheiro nos bolsos do paletó e até mesmo na meia, cena que ficou conhecida nacionalmente.
Em 27 de novembro, quando a Caixa de Pandora foi deflagrada, a Polícia Federal (PF) apreendeu, na casa de Prudente, R$ 56 mil escondidos no motor da banheira de hidromassagem de seu quarto. Também havia dinheiro em um cofre disfarçado no quarto de sua filha. O deputado foi forçado a deixar a legenda a qual pertencia, o Democratas ; com isso, não poderá concorrer nas próximas eleições por falta de partido, mas mantém seus direitos políticos.
Júnior Brunelli (PSC) e Eurides Brito (PMDB) são outros dois distritais que aparecem recebendo suposta propina de Durval Barbosa. Brunelli ficou conhecido em todo o país por protagonizar a cena na qual ora agradecendo a existência de Durval. A oração da propina, como foi apelidada, ganhou paródias na internet e deixou os evangélicos indignados pelo comportamento do deputado, que é filho de missionário. Eurides Brito também estrelou um dos vídeos jogando maços de dinheiro em uma bolsa. Na sua casa, a PF apreendeu R$ 244 mil em espécie. Benício Tavares (PMDB) também foi gravado por Durval, mas não aparece recebendo dinheiro.
O corregedor Raimundo Ribeiro admite que as imagens são muito fortes, mas que afirma estar focado nas situações de cada caso para emitir seu parecer. Nos bastidores, há uma tendência de aprovar o prosseguimento do processo disciplinar, pelo menos, nos deputados flagrados em vídeo. ;O medo da intervenção federal assola a Casa;, afirmou um distrital.
Caso sejam abertos os processos de quebra de decoro parlamentar, os distritais podem ser punidos com advertência, censura ou até a perda do mandato. Além disso, eles podem ter os direitos políticos cassados por oito anos. Outro deputado que corre o risco de ser investigado é o vice-presidente da Câmara, Cabo Patrício (PT). Contra ele pesa a denúncia de que teria elaborado e ajudado a aprovar projeto de lei para beneficiar empresa de lixo do filho de Leonardo Prudente. Patrício não é citado na Caixa de Pandora
Leonardo Prudente (sem partido)
Aparece em vídeo feito pelo ex-secretário de Relações Institucionais Durval Barbosa recebendo dinheiro e guardando as notas nos bolsos do paletó e até nas meias. Também é citado em conversas como tendo recebido pagamentos mensais de R$ 50 mil. Na sua casa, a PF encontrou R$ 56 mil dentro do motor da banheira de hidromassagem. Renunciou à presidência da Câmara.
Eurides Brito (PMDB)
Aparece em vídeo recebendo de Durval maços de dinheiro, durante a campanha de 2006, e guardando-os na bolsa. Também é citada em depoimento de Durval como beneficiária de pagamento mensal de R$ 30 mil em troca de apoio ao governo. A PF apreendeu em sua casa R$ 244 mil e outros US$ 9 mil em espécie.
Júnior Brunelli (PSC)
Foi filmado recebendo um maço de dinheiro de Durval na campanha de 2006. O ex-secretário de Relações Institucionais também declarou em depoimento que Brunelli recebia mesada no valor de R$ 30 mil desde 2002. Ele é o autor da famosa oração da propina. Aparece em vídeo abraçado com Leonardo Prudente e Durval orando pela vida do ex-secretário.
Benício Tavares (PMDB)
Em depoimento, Durval Barbosa disse que Benício Tavares recebia R$ 30 mil, ainda no governo Joaquim Roriz, para favorecer a candidatura de Arruda ao Buriti. Benício também aparece em vídeo conversando com Durval sobre contratos da Câmara Legislativa ; ele não aparece recebendo dinheiro.
Rôney Nemer (PMDB)
Citado em conversa gravada em que o ex-chefe da Casa Civil José Geraldo Maciel diz ao governador Arruda que ele recebia R$ 11,5 mil do ex-assessor de imprensa Omézio Pontes. Depois das denúncias, apareceu poucas vezes na Câmara.
Rogério Ulysses (sem partido)
Foi citado em conversa em que o então chefe da Casa Civil, José Geraldo Maciel, disse que pagava R$ 50 mil para o deputado, que ainda recebia R$ 10 mil do assessor de imprensa Omézio Pontes. Além disso, foi alvo de ação de busca e apreensão em sua casa e no gabinete. Foi expulso do PSB em 22 de dezembro.
Aylton Gomes (PR)
Citado em conversa em que o então chefe da Casa Civil, José Geraldo Maciel, disse que pagava a ele R$ 30 mil por mês. O deputado, segundo o diálogo, ainda recebia R$ 10 mil de Omézio Pontes. Mantém-se discreto na Câmara Legislativa.
Benedito Domingos (PP)
Em depoimento, Durval disse que Benedito recebeu R$ 6 milhões para apoiar a campanha de Arruda, em 2006. Foi a última pessoa a contratar um dos supostos arapongas que tentaram grampear gabinetes na Câmara Legislativa. No último mês, compareceu às votações na Câmara.
Composição
Presidente
Bispo Renato (PR)
Vice-presidente
Erika Kokay (PT)
Integrantes
Raimundo Ribeiro (como é o corregedor, ele não votará. Em seu lugar, entra Cristiano Araújo, do PTB)
Batista das Cooperativas (PRP)
Eliana Pedrosa (DEM) ou Paulo Roriz (DEM) ocuparão a vaga deixada por Geraldo Naves
Memória
Em 19 anos, só um cassado
Apenas um deputado foi cassado na história da Câmara Legislativa do DF, fundada há 19 anos. Em 2004, Carlos Xavier (PMDB) foi acusado de ser o mandante do assassinato de um jovem de 16 anos, que teria sido amante de sua ex-mulher. Ele também foi alvo de denúncias de tráfico de influência. Xavier sempre negou participação nos dois casos, mas foi condenado pelos colegas pelo voto de 13 dos 24 distritais, número mínimo necessário para aprovar a cassação.
Houve ainda dois casos de grande repercussão. Em 2007, após ser preso durante a Operação Navalha, Pedro Passos (PMDB) foi acusado de quebra de decoro parlamentar por supostamente beneficiar a empreiteira Gautama. Ele renunciou ao mandato para escapar da penalidade. Passos nega envolvimento e alega que sua inocência foi comprovada porque ele não foi denunciado pelo Ministério Público. O outro foi a denúncia contra o deputado Benício Tavares (PMDB) de exploração sexual de menores de idade durante pescaria na Amazônia. Ele responde à ação penal em tramitação no TJDFT . O caso do peemedebista foi arquivado na Comissão de Ética da Câmara.