Menos de 24 horas depois da prisão do governador afastado José Roberto Arruda (sem partido) e do pedido de intervenção federal em Brasília, a base aliada do governo na Câmara Legislativa está se desmanchando. A defesa feroz do governador não faz mais parte do discurso dos deputados governistas. Quem não é citado nas denúncias da Caixa de Pandora ou na suposta tentativa de suborno de Edson Sombra prefere ficar longe da crise. Depois da sucessão de decisões judiciais atingindo o Executivo local, o clima que paira na Casa é de temor. Para evitar o pior, deputados decidiram mostrar serviço. Fazem parte da agenda pós-carnaval a aprovação dos pedidos de impeachment do governador, a composição da CPI da Codeplan e a análise dos processos de quebra de decoro parlamentar de oito distritais.
O comportamento volátil dos distritais da base aliada deu sintomas claros ontem. Após reunião de quatro horas na presidência da Casa com a presença de 14 deputados, o relator da Comissão de Constituição de Justiça (CCJ), Batista das Cooperativas, até então vice-líder do governo, anunciou que vai apresentar na próxima quinta-feira relatório pela aprovação dos três pedidos de impeachment contra Arruda. Batista sempre defendeu que a comissão deveria analisar o mérito da questão e não apenas a admissibilidade dos pedidos de impedimento do governador. A tese abria a possibilidade de os pedidos serem arquivados na CCJ e não passarem pela Comissão Especial, como prevê a legislação federal que regulamenta o impeachment. A postura do governista e amigo do governador afastado mudou com os recentes acontecimentos políticos. "Li e interpretei 12 mil páginas para dar um parecer pela admissibilidade dos pedidos", contou.
O relatório dos pedidos precisa ser apreciado pelos cinco integrantes da CCJ. A saída de Geraldo Naves (DEM) da Câmara Legislativa - que se entregou ontem à PF - deixou vaga a presidência da comissão, que deverá ser preenchida por Paulo Roriz (DEM). Caso sejam aprovados, os pedidos serão encaminhados para a Comissão Especial, cuja composição pode ser definida na próxima semana. Não há certeza se os parlamentares respeitarão os prazos determinados por lei (veja arte). Integrante da CCJ, Paulo Tadeu defendeu que a Comissão Especial aprecie os pedidos assim que chegarem. Agora, ele acha possível acelerar os trabalhos. "A prisão do governador e o pedido de intervenção fizeram com que os parlamentares mudassem de posição", constatou o petista.
Interesses
A verdade é que está difícil encontrar na base governista quem queira se expor defendendo os interesses de Arruda. Não há candidatos, por exemplo, para preencher as vagas na CPI da Codeplan abertas com a saída de Alirio Neto (PPS) e de Geraldo Naves. Assim, os nomes de José Antônio Reguffe (PDT) e de Jaqueline Roriz (PMN) devem ser indicados como os novos membros. "Só entro na CPI se for para investigar a fundo, não vou participar de jogo de cena", disse Reguffe.
O corregedor da Casa e amigo de Arruda, Raimundo Ribeiro (PSDB) - que leu a carta de afastamento do governador na última quinta-feira -, vai passar o carnaval analisando o inquérito do STJ com as denúncias da Operação Caixa de Pandora. "Não sei os outros, mas sou coerente e meu comportamento continua o mesmo. Nunca me coloquei como governista nem como oposição", comentou Ribeiro. Em 26 de fevereiro, ele entregará o relatório para abertura ou não de processo disciplinar na Comissão de Ética contra os oito deputados envolvidos nas denúncias. Antes da prisão de Arruda, havia forte pressão para que a comissão arquivasse os processos ontem mesmo. Mas o presidente da Comissão de Ética, Bispo Renato (PR), bateu o pé e se negou a aceitar a proposta.
O deputado Paulo Roriz (DEM), recém saído da secretaria de Habitação, está mais independente depois da ordem do DEM de se descolar do governo Arruda. Ao sair do GDF, era a esperança de Arruda para reforçar a tropa de choque na Câmara. Mas já não demonstrava disposição para ser escudeiro do governador afastado.
Alvos de denúncias
Confira os deputados distritais, em exercício de mandato, podem ser processados por quebra de decoro parlamentar:
Leonardo Prudente (sem partido)
Aparece em dois vídeos gravados por Durval Barbosa. Num deles, recebe dinheiro e guarda em todos os bolsos e nas meias. Em outro, reza pela vida de Durval. Também é citado em conversas como beneficiário de contratos com o governo e de pagamentos
mensais de R$ 50 mil. Devido às denúncias, renunciou à Presidência da Câmara de Legislativa.
Eurides Brito (PMDB)
Aparece em vídeo gravado por Durval recebendo maços de dinheiro, durante a campanha de 2006, e os guarda na bolsa. A deputada é também citada em depoimento de Durval como beneficiária de pagamento mensal no valor de R$ 30 mil em troca de apoio para o governador.
Júnior Brunelli (PSC)
Foi filmado recebendo um maço de dinheiro de Durval na campanha de 2006. O ex-secretário de Relações Institucionais também declarou em depoimento que Brunelli recebia mesada no valor de R$ 30 mil desde 2002. Ele é o autor da Oração da Propina, que ficou célebre
Benício Tavares (PMDB)
Em depoimento, Durval Barbosa disse que Benício Tavares recebia R$ 30 mil ainda no governo anterior, para favorecer a candidatura de Arruda.
Ele também foi alvo de vídeo gravado por Durval, mas não aparece recebendo dinheiro.
Rôney Nemer (PMDB)
Citado em conversa gravada em que o então chefe da Casa Civil, José Geraldo Maciel, diz que ele recebia R$ 11,5 mil do assessor de imprensa Omézio Pontes.
Rogério Ulysses (sem partido)
Citado em conversa em que o então chefe da Casa Civil, José Geraldo Maciel, disse que pagava R$ 50 mil para o deputado, que ainda recebia R$ 10 mil do assessor de imprensa Omézio Pontes. Além disso, ele foi alvo de ação de busca e apreensão em sua casa e no gabinete na Câmara Legislativa.
Aylton Gomes (PR)
Citado em conversa em que o então chefe da Casa Civil, José Geraldo Maciel, disse que pagava a ele R$ 30 mil.
O deputado, segundo o diálogo, ainda recebia R$ 10 mil de Omézio Pontes.
Benedito Domingos (PP)
Em depoimento, Durval Barbosa disse que Benedito recebeu R$ 6 milhões para apoiar a campanha do governador Arruda. Ele também é citado em conversa de José Geraldo Maciel como beneficiário de dinheiro que lhe seria entregue pelo conselheiro Domingos Lamoglia.
Sem vestígio de grampos
Após três dias de varredura nos gabinetes de deputados da Câmara Legislativa, os agentes da Departamento de Atividades Especiais (Depate) da Polícia Civil do DF não encontraram nada que comprovasse a prática de escutas ambientais e grampos telefônicos ilegais na Casa. Há 10 dias, os policiais goianos Luiz Henrique Ferreira e José Henrique Dares Cordeiro foram detidos na saída sul de Brasília por suposta prática de arapongagem nas dependências da Câmara. Os dois pertencem à Delegacia Estadual de Repressão a Narcóticos (Denarc) e estavam na capital sem o conhecimento da corporação de Goiás. Eles citaram, em depoimento, que o ex-funcionário da Câmara Francisco do Nascimento Monteiro os teria contratado, supostamente a mando do governador afastado José Roberto Arruda.
Segundo o delegado Fábio Souza, responsável pela varredura, foram vistoriados os gabinetes dos 24 distritais, da presidência e vice-presidência da Casa, da liderança do PT e da segunda-secretaria da Mesa Diretora. "Não foi encontrado nada", garantiu. Sobre a possibilidade de os arapongas terem retirado os grampos durante a semana que se passou depois da detenção dos policiais goianos, o delegado disse que a polícia do DF agiu assim que foi acionada. "Começamos a varredura assim que fomos solicitados pela presidência da Casa", afirmou. Para localizar os equipamentos clandestinos, os policiais usaram um detector de semicondutor, capaz de encontrar microfones e outros metais, e telescópios. Um relatório com o resultado do trabalho será entregue ao presidente da Casa, Wilson Lima (PR). (LM)
Opinião do internauta
Leitores do Correio comentaram no site a decisão do ministro Marco Aurélio Mello, de rejeitar o pedido de habeas corpus do governador afastado José Roberto Arruda. Veja algumas opiniões:
Clovis Hachuy
"Parabéns ao ministro Marco Aurélio. Não poderíamos esperar outro resultado de seu julgamento. Mostra para o povo e para o mundo que o STF é independente. Não julga sob pressão."
Francisca Silva
"Intervenção, não. Precisamos terminar as obras. Agora todo mundo é santo. A polícia tem que investigar desde o governo passado. Ninguém é santo, nem o Sombra."
Eliseu Lima
"Parabéns aos dignos senhores juízes. Merecem toda a nossa admiração e consideração por fazerem valer a lei brasileira. Eu achava que era só pobre que ia para na cadeia. Mas Vossas Excelências me mostram que a lei é para todos e que ninguém está
acima dela."
Helder Silva
%u201CAinda não é hora para comemorar, afinal de contas, não é só no DF que existe corrupção. A corrupção está entranhada em todos os estados e prefeituras do nosso país, nas quais os chefes do Executivo compram o apoio dos membros do Legislativo. O pior de todos são os parlamentares que traem o povo.%u201D
Eduardo Aguiar
"Fica, Arruda, na cadeia."
Sérgio Torquato
"Só o Judiciário mesmo para fazer alguma coisa."
Alisson Silva
"No Planalto Central, perto do VLT, um mineiro de Itajubá viu o sol quadrado amanhecer%u2026 Complete esse samba- enredo."
Carlos Guilherme Vasconcelos
"E os demais deputados distritais que ganharam dinheiro com a quadrilha? Vamos colocá-los na cadeia também."
Joaquim Aragão
"Agora, sim, temos perspectivas de comemorar os 50 anos."
Mário Luiz Itaborahy
"Parabéns, senhor ministro Marco Aurélio. Só torço, agora, para seu par, Gilmar Mendes, mais uma vez, não desmandar sua decisão"
Rafael Tavares
"Só falta a intervenção federal, já que está tudo uma bagunça."
Redyaj Silva
"Não podemos esquecer desses deputados distritais que defendiam o Arruda. Vamos trabalhar para que nenhum consiga a reeleição."
Luiz Carlos Tanaka
"Alguma coisa está mudando neste país."