Você sofreu um sequestro relâmpago em uma rua da capital do país. Está sem carro, documentos nem celular. Encontra finalmente um telefone público e liga para o serviço 190 na esperança de conseguir algum tipo de ajuda. A primeira tentativa dá sinal de ocupado. Na segunda, ninguém atende. Só na terceira alguém responde. Depois de ouvir o problema, porém, a funcionária diz que nada pode fazer. Afinal, ;você não é mais uma vítima, pois os bandidos fugiram;. E ainda orienta a procurar a delegacia mais próxima, mesmo sabendo que não há possibilidade de transporte ou comunicação.
O caso descrito acima ocorreu na madrugada de 23 de janeiro deste ano. A vítima era uma mulher, sozinha na L2 Sul. Os detalhes do atendimento servem como exemplo de que o serviço 190, da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), aos poucos perde a credibilidade com o brasiliense. As principais reclamações passam pela terceirização do sistema, não mais operado por policiais militares e bombeiros. O trabalho é feito há um ano e nove meses por funcionários que passam por capacitação.
O procedimento correto seria eles atenderem a ligação, abrirem a ocorrência e encaminhá-la para policiais militares e civis, bombeiros e servidores do Detran lotados na Central Integrada de Atendimento e Despacho (Ciade). Os funcionários públicos, então, entram em contato por rádio com os colegas nas ruas. Ou seja: não se fala mais com policiais ou bombeiros, a não ser em caso de emergência médica. A maioria das falhas, no entanto, ocorre na primeira etapa do serviço. ;Virou um atendimento digno do pior dos telemarketings;, queixou-se a pedagoga Eneida da Costa, 40 anos.
A revolta da moradora da 103 Sul se explica por conta da dificuldade vivida em 31 de janeiro, um domingo. Eneida estava assustada com uma ;cena de selvageria; provocada na quadra por cerca de 30 jovens que estavam brigando. Tentou acionar o 190 por duas vezes. A ligação não completou. O marido conseguiu na terceira tentativa. ;Atendeu uma moça dizendo ;um momento, senhor; e gritando para alguém: ;vai atender, fulano?;. Depois, meu marido explicou tudo e, mais uma vez, ouviu o ;um momento, senhor;. Veio outra moça, para quem contou a história outra vez. Não entenderam de novo;.
A lentidão no processo leva à irritação e à perda de confiança. O gestor de conhecimento Pedro Paulo, 27 anos, não liga mais para o 190. O morador do Setor de Chácaras de Taguatinga prefere sair de casa e pedir ajuda à Polícia Civil. ;Era comum eu telefonar e esperar até cinco minutos para me atenderem e, não raro, a ligação caía. No último fim de semana, a atendente ainda foi ríspida comigo. Parecia que estava fazendo um favor em me atender. Por conta disso, fui direto à delegacia. Hoje, se eu preciso de uma emergência, não é no 190 que penso;, afirmou.
Pedro Paulo fez várias ligações ao serviço da SSP-DF por causa da rotina de festas organizada por uma vizinha. Segundo ele, as reuniões, sempre pagas, seguem até as 5h com o som às alturas. O gestor poucas vezes conseguiu que um carro da Polícia Militar fosse até o local. ;Nos Estados Unidos, existem programas de TV que mostram um gato que liga para o 911 (1)porque o dono está tendo um ataque cardíaco. Eles rastream a ligação, vão atrás e salvam o homem. Aqui, nem com a gente falando, explicando, dando vários pontos de referência eles chegam em menos de 30 minutos;, reclamou.
O atual serviço 190 acumula críticas inclusive de dentro da corporação. Um sargento da PM disse ao Correio que muitos colegas estão indignados com a mudança. Segundo ele, é consenso que a comunicação ficou comprometida depois que policiais deixaram de receber as ocorrências. Os PMs colecionam histórias bizarras de conversas com ;aqueles atendentes de telemarketing;, como os apelidaram. ;Simplesmente não dá para continuar assim. Polícia entende polícia. Temos códigos específicos, linguagem específica, essa mudança atrapalha o nosso dia a dia;, comentou o PM.
Sem retorno
O Correio visitou ontem as instalações da Ciade, na SSP-DF. Os cubículos das atendentes ficam separados das bancadas dos servidores da segurança pública em um espaço que toma quase todo o andar térreo de um dos blocos do órgão. A estrutura, chefiada pelo delegado Flamarion Vidal Araújo, funciona em quatro turnos ; 24 horas por dia. São 133 funcionários terceirizados, divididos por escala. Além do treinamento feito pela empresa vencedora da licitação para a prestação dos serviço, recebem 15 dias de capacitação na Ciade. Exige-se o ensino médio dos atendentes, mas 26 são graduados.
Araújo, diretor da central desde 25 de janeiro, defende o trabalho dos operados e reclama da falta de retorno da população. ;Eu acredito que não faz tanta diferença se o atendimento é feito por militares ou por funcionários capacitados. Mas, se alguma coisa está dando errado, não chega para a gente.; A Ciade realizou no ano passado 4 milhões de atendimentos. Houve 20 reclamações formais. Em 2010, registraram-se apenas duas ocorrências de usuários insatisfeitos com o 190 ; o caso do sequestro relâmpago do primeiro parágrafo e o da briga da 103 Sul.
Mesmo assim, Flamarion afirmou que o sistema já passou por reformulações. Doze atendentes acabaram dispensados desde o início do ano por conta de erros. Também haverá reciclagens bimestrais e acompanhamentos individuais, uma vez que os atendimentos são gravados e revisados. ;Não vamos tolerar nenhum tipo de mau atendimento;, garantiu o delegado. A Ciade candanga segue a tendência nacional de terceirização ; que é mais barata, facilita a gestão de pessoas (funcionários sem estabilidade) e permite o aumento do efetivo de policiais e bombeiros nas ruas. O sistema foi terceirazado, por exemplo, em São Paulo, Paraná, Ceará, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Sergipe(1).
1 - Herói animal
Em janeiro de 2006, o animal de estimação de Gary Rosheisen salvou a vida dele ao contatar o 911, o serviço de emergência dos Estados Unidos. O dono do gato, que tem osteoporose e mora em Columbus, Ohio, caiu da cadeira de rodas. Tommy, treinado para apertar o botão de discagem rápida do 911, fez a ligação. O atendente achou estranho o silêncio e mandou uma ambulância ao local.
2 - Fim trágico
Em 25 de janeiro deste ano, o comerciante Heraldo de Jesus Santos, 42 anos, foi assassinado três horas depois de tentar denunciar a presença suspeita de motoqueiros perto do trabalho dele. Era uma tocaia, e a vítima não conseguiu convencer a atendente do 190 de Aracaju (SE) a enviar um carro ao local. O serviço é terceirizado desde maio de 2009. A funcionária acabou dispensada.
O QUE DIZ A LEI
A Central Integrada de Atendimento e Despacho (Ciade) recebe de 11 mil a 18 mil ligações por dia, sendo que 40% delas são trotes, como xingamentos, piadas e brincadeiras. Alguns deles, porém, se referem à falsa comunicação de crime. O artigo 340, do Código Penal, diz que ;provocar a ação de autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime ou de contravenção que sabe não se ter verificado; rende pena de um a seis meses de detenção.
O número
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Colaborou Diego Amorim
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