A inexistente concorrência no mercado e um dos preços mais caros do país fazem os moradores de Brasília reféns dos postos de combustíveis. Os motoristas da cidade são os que mais gastam para abastecer o carro. A despesa com gasolina consome em média 5,73% do orçamento familiar, contra 3,5% da média nacional. É o maior percentual entre as sete metrópoles pesquisadas pela Fundação Getulio Vargas (FGV) para compor o Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S), que mede a inflação para famílias com renda entre um e 33 salários mínimos, ou seja, de R$ 510 a R$ 16.830.
O segundo maior percentual é registrado em Porto Alegre (4,52%), seguido de Recife (3,5%), Belo Horizonte (3,23%), São Paulo (2,92%), Rio de Janeiro (2,81%) e Salvador (2,35%). O coordenador do índice da FGV, André Braz, diz que parte dessa diferença é justificada pelo preço cobrado nos postos. Na última semana de janeiro, segundo levantamento da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o valor médio da gasolina em Brasília só não era maior do que em Salvador, onde o litro do combustível é um centavo mais caro (veja quadro).
No primeiro mês do ano, o aumento da gasolina foi de 0,37% no DF. O álcool subiu 8,51%. André Braz lembra que, na capital do país, os preços são mais nivelados do que em outras cidades, o que deixa os consumidores sem opção. Levantamento do Instituto de Defesa do Consumidor do DF (Procon-DF) confirmou, na semana passada, a pouca concorrência no mercado. Dos 136 postos pesquisados, dois terços deles cobravam o mesmo valor pelo litro do álcool e da gasolina: R$ 2,23 e R$ 2,77, respectivamente. Para esta semana, era esperado um novo aumento, que, por ora, não se concretizou.
Suspeita de cartel
A Secretaria de Direito Econômico (SDE), órgão do Ministério da Justiça, e o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) investigam, desde o fim do ano passado, um possível cartel em Brasília. Os trabalhos ocorrem em caráter sigiloso. Os empresários do setor, sempre que questionados sobre o assunto, negam preços abusivos e prática criminosa de combinação de preços. Alegam que os valores quase idênticos são resultado da dinâmica do mercado. ;Se os valores são muito parecidos, há indício de cartel, mas é muito difícil comprovar;, pondera André Braz, da FGV.
O fato de Brasília ter a maior renda per capita do país contribui para os preços acima da média nacional, na avaliação da pesquisadora do Centro de Economia e Petróleo da FGV Adriana Hernandez. Para ela, os revendedores levam em conta a realidade econômica da cidade e acabam estipulando valores mais altos. ;Esses grupos são bastante mobilizados. Eles usam estratégias lamentáveis do ponto de vista do consumidor e conseguem influenciar regras de mercado que notadamente são em detrimento de uma maior concorrência;, comenta.
Em junho de 2000, a Câmara Legislativa do DF aprovou a Lei distrital complementar n; 294, de autoria do Executivo, à época comandado por Joaquim Roriz. Ela proíbe a instalação de postos em estacionamentos de supermercados, que conseguem cobrar mais barato pelo litro do álcool e da gasolina. O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Combustíveis, em 2003, apontou que o setor se mobilizou para barrar a entrada de novos agentes no mercado. Em novembro do ano passado, a SDE divulgou parecer pedindo a imediata revogação dessa lei.
Uma ação que questiona a constitucionalidade da proibição está nas mãos do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF). Carrefour, Makro e Grupo Pão de Açúcar já tentaram instalar postos no DF, como ocorre em várias outras cidades. No Extra da Asa Norte, há uma estrutura montada, à espera da decisão judicial. Enquanto isso, o mercado de Brasília segue com uma variação de preços quase nula. A Rede Gasol, a maior delas, é dona de quase um terço dos cerca de 300 postos espalhados pelo DF. Em todos, os valores cobrados são os mesmos.
Brasília é uma cidade em que as pessoas costumam ser mais dependentes do carro. Pesquisa realizada em 2008 pelo Instituto Brasileiro de Segurança no Trânsito mostrou que 60% dos automóveis no DF trafegam apenas com o motorista, o que também justifica o peso maior dos combustíveis no orçamento. ;O brasiliense é empurrado para o carro porque governo algum foi capaz, até agora, de desenhar um sistema de transportes que atenda às necessidades da população;, avalia o professor da Universidade de Brasília (UnB) David Duarte, especialista em segurança de trânsito.