Jornal Correio Braziliense

Cidades

Três amigos de infância resolveram assumir a associação de moradores da 308 Norte

O propósito é resgatar a utilização saudável da praça da quadra

Os irmãos Rafael, 29 anos, e Gabriel Cardoso do Amaral, 26, conheceram Daniel Alves de Brito, 31, na praça da 308 Norte, ainda na década de 1980. Naquela época, pessoas de todas as idades passavam horas conversando e brincando pela quadra. O estacionamento vazio virava campo de futebol ou de bete; e as calçadas se transformavam em pista de corrida de bicicleta aos fins de semana. Com o passar do tempo, o espaço central da 308 ficou abandonado. Incomodados com a situação, os três amigos de infância decidiram assumir a Associação dos Moradores da 308 Norte no ano passado. Saudosistas, eles tentam resgatar o convívio entre os moradores com eventos culturais e esportivos.

A Associação de Moradores da 308 Norte existe desde 1999. A chapa Filhos da Quadra, formada pelos três amigos, assumiu o mandato de um ano em 2009 graças à desistência do grupo anterior. Rafael, Gabriel e Danilo pensavam em concorrer nas eleições de 2010, mas aceitaram adiantar os planos. Se ninguém tomasse a frente da iniciativa, a associação seria extinta. Com orçamento mínimo, eles pagam as contas, organizam os eventos sociais e fazem a ponte entre a comunidade e os órgãos responsáveis. A limpeza da quadra, a recuperação de calçadas e parquinhos e a iluminação ficam a cargo do governo.

Para os três jovens, a responsabilidade da associação vai além. ;A prefeitura passava a impressão de algo chato, que batia de frente com moradores e resolvia problemas. A associação pode promover coisas interessantes;, explicou Gabriel, primeiro-secretário da associação. Rafael tenta seguir à risca o estatuto dos moradores da quadra, até então pouco divulgado. Logo no primeiro parágrafo, o documento garante o direito à diversão e à convivência da comunidade. ;A quadra era mais bem-aproveitada. Os poucos que descem para baixo dos blocos hoje ocupam o kit malhação, por exemplo, para usar drogas. Há pouco mais de cinco anos, não havia associação. Ainda assim, os moradores se mobilizavam e utilizavam a praça central da quadra. Era futebol de manhã, de tarde e à noite;, lembrou Gabriel.

Com eventos culturais e, futuramente, competições esportivas, a associação tenta levar as pessoas ao espaço central da quadra. ;Queremos fomentar o uso da quadra. Antes, as quadras tinham identidade. Mas com o abandono e o tempo, surgiram as gangues. Queremos resgatar a identidade pelo lado positivo;, explicou Gabriel. O trabalho requer muito suor da cúpula da associação. Eles perceberam, em dezembro do ano passado, que panfletos e avisos nos elevadores não são suficientes para atrair jovens e adultos. As crianças foram as mais participativas durante a Semana Cultural da 308 Norte.

Artistas locais
Antes de fechar as atrações musicais para o evento, a associação abriu espaço para artistas da quadra. Não houve inscrições. Persistentes, preferiram chamar convidados de fora, como Zé do Pife, a Banda Milagre e outras atrações, para animar o último sábado. A música e o movimento atraíram moradores curiosos. Mas o público não passou de 100 pessoas. ;Para um evento, é pouca gente. Mas, em comparação com o dia a dia da quadra, conseguimos reunir os moradores. Veio gente da comercial e de outras quadras;, comemorou Danilo, o segundo-secretário.

O economista Ronan Coura Ivo, 34, e a advogada Maria Emília Pedrosa Rocha, 37, levaram os quatro filhos para assistir às apresentações. Naquele dia, o casal conheceu vizinhos novos. Na mesma hora, marcaram um almoço juntos. ;Conhecemos pessoas de outros prédios, conversamos sobre os condomínios; É um jeito de formar uma verdadeira comunidade;, resumiu Maria Emília. Eles lamentaram a pequena quantidade de participantes do evento, numa quadra onde moram mais de 2 mil pessoas. Mas acreditam que, se a iniciativa continuar ao longo dos anos, a tendência é ficar cada vez melhor. ;As pessoas descem para conviver e acabam, por exemplo, com os pontos de droga que vemos sempre aqui na quadra;, espera Ronan.

Na segunda semana de dezembro do ano passado, a 308 Norte (1) ganhou uma outra cor. Todas as árvores foram enfeitadas com um laçarote vermelho pago do bolso dos três amigos. Eles ainda estenderam uma faixa no meio da praça chamando os moradores e quem passasse pelo local para a semana de atividades. Quem se dispôs a sair de casa assistiu a filmes sobre a construção de Brasília e palestras com professores da Universidade de Brasília sobre o planejamento das superquadras. As crianças levaram garrafinhas de água, levantaram a mão para perguntas e conheceram um pouco mais da cidade onde vivem.

Foi dado o primeiro passo. Ao longo deste ano, Rafael espera incentivar ainda mais a participação da comunidade ; principalmente dos jovens ; para dar continuidade ao trabalho e, dessa forma, retomar o clima de convivência e harmonia entre vizinhos de quadra. ;Queremos incentivar os jovens da quadra a participar para que, no futuro, eles assumam a associação. Temos o nosso ganha-pão, não queremos ser políticos. Queremos abrir a brecha para quem tem vocação para isso;, explicou Rafael.

1 - Duas datas
A planta original da quadra é datada de 1976. Mas, no arquivo da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente do Distrito Federal (Seduma), além da planta original, existe uma datada de 1965. O documento delineava um projeto para a 308 muito parecido com o da 107 Norte: com nove prédios, sendo alguns compridos e alguns quadrangulares. A ideia era juntar a 107, 307, 108, 308 para uma área de vizinhança. Nada disso foi implantado: com exceção da 107, as outras três quadras seguem o mesmo padrão e a 308 conta com quase 20 prédios.