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Engenheiro foi um dos primeiros a chegar em Brasília, em 1956

Atahualpa Schmitz, hoje, vive no Rio de Janeiro e escreve memórias da construção: mais de mil páginas

postado em 20/01/2010 08:36
Atahualpa é o nome do último imperador inca. Schmitz é um sobrenome de origem alemã; Prego traz a marca da ascendência paraense (e índia). Dessa mistura nasceu o engenheiro carioca Atahualpa Schmitz da Silva Prego, 84 anos, um dos primeiros a sujar as botas de lama sob o céu nebuloso do Planalto Central, num dia de outubro de 1956. Atahualpa é um bravo candango, ainda que não esteja mais em Brasília. Diz que a culpa por não morar na cidade que ajudou a construir é do Flamengo, de quem quer estar sempre perto. Vive no Rio de Janeiro, num casarão no Alto da Boa Vista, onde escreve suas memórias do tempo da construção de Brasília ; livro que já está com mais de mil páginas.

Atahualpa chegou no início das obras. Dá para apostar que os escritos de Atahualpa vão compor uma obra mesclada por informações técnicas e crônicas de costumes. A memória do engenheiro está sendo reativada por um conjunto de diários de campo, nos quais ele registrava resumidamente os acontecimentos de ordem profissional. Os rabiscos são a fagulha que reacende a memória do engenheiro e o leva a transferir para o papel histórias de um período que, aos olhos de hoje, soa inacreditável.

Funcionário da Companhia Metropolitana de Construções, especializada em obras de terraplenagem e pavimentação, Atahualpa foi chamado à sede da empresa para ouvir uma proposta: ;Olha, temos aí um serviço muito grande que o governo nos oferece. É uma região inóspita, longe do Rio, e nós já oferecemos este trabalho para dois engenheiros antigos daqui da empresa Metropolitana, e eles não quiseram ir. Esse serviço te interessa? Temos de embarcar amanhã.; Eram meados de outubro de 1956, poucos dias depois da primeira visita que Juscelino Kubitschek fez ao local onde a cidade seria construída.

No dia seguinte, Atahualpa embarcou com a mulher, Nelly, para Goiânia, com a tarefa de abrir a pista do aeroporto da nova capital. Quem o recebeu foi o engenheiro Bernardo Sayão e quem lhe forneceu as plantas com as coordenadas geodésicas e topográficas foi Joffre Mozart Parada, também engenheiro. Na primeira visita de reconhecimento, feita de jipe, Atahualpa, Nely e o motorista se perderam no cerrado. ;Era tudo igual;, lembra.

Na chuva
Era preciso buscar o comboio de tratores, caminhões e equipamentos em Vianópolis, Goiás, onde terminava a estrada de ferro. Chovia bastante quando chegaram à pequena cidade. Como não havia onde se proteger do temporal, Atahualpa e seus ajudantes tiveram de suportar a chuva. Foi quando ele começou a descobrir os goianos: viu que alguns deles ficavam de cócoras e soube que aquela posição protegia parte do corpo. Ouviu então um deles comentar: ;Eu só saio daqui depois que a água correr pelo rego da bunda;.

Para construir o aeroporto, a Metropolitana montou um acampamento que mais tarde se transformou em um bairro do Núcleo Bandeirante. Foi Atahualpa quem abriu o clarão para que os primeiros barracos fossem erguidos. Ele conta que ajudou a escavar o cascalho para a construção do Catetinho e, nessa tarefa, descobriu que o solo de Brasília é laterizado ; ou seja, com grande quantidade de ferro e alumínio, bastante usado na construção de estradas.

Ainda era 1956 quando Atahualpa passou pelo seu primeiro grande teste. Juscelino pretendia pousar em Brasília naquela madrugada. Para que o pouso fosse possível na escuridão, o engenheiro providenciou bucha de balão, artefato feito com estopa suja de graxa, breu e sebo de carne que era usado para levantar o voo dos balões. Por volta das 2h, quando o avião presidencial roncou nos céus de Brasília, três jipes foram colocados no final da pista com os faróis acessos, as buchas incandesceram no restante do trecho e o presidente pôde descer no chão vermelho iluminado como um balão.

O engenheiro rubro-negro poderia ser o herói daquela aterrissagem, mas o que se seguiu foi coisa bem diferente do que era de se esperar. A pista de aterrissagem ainda não estava de todo pronta: havia uns 800 metros com terraplenagem já executada, uns 500 em execução e uns 500 apenas desmatados. Juscelino não gostou do que viu. E mandou chamar o homem de short, bota, camisa de borracha (;parecendo roupa de bispo;) e chapéu de chantungue. Atahualpa levou então uma ;espinafrada;, como ele diz, do presidente da República. Juscelino disse que a Metropolitana era uma empresa de incompetentes, que prometia, prometia e não cumpria os prazos, que a pista tinha de ficar pronta para que ele pudesse começar a usar os dois Viscounts recém-comprados da Inglaterra, que nem estava chovendo, que não entendia o atraso;

Quando finalmente pôde falar, o engenheiro respondeu: ;Senhor presidente, eu lhe informo que nós faremos a pista; e fez um gesto com a mão, como quem diz ;e eu vou dar no pé;. Ao que Juscelino deu uma gargalhada, no que todos os que estavam a seu lado o acompanharam. Em 2 de maio de 1957, dia da primeira missa, a pista estava pronta para receber o Viscount do presidente e os demais aviões que desceram em Brasília.

Foto da época da construção do Brasília Palace Hotel, com a mulher e os filhosLembranças
Atahualpa foi uma exceção ao levar bronca de Juscelino. Quem ocupava o cargo de ;espinafrador; da cidade em construção era o presidente da Novacap, Israel Pinheiro. ;Israel espinafrava todo mundo ; o dono da Rabello, o dono da CCBE,o dono da Caenge, o dono da Metropolitana;, até que a empresa na qual Atahualpa trabalhava decidiu abandonar as obras.

Depois de concluída a pavimentação de 2 mil metros da pista do aeroporto, houve grave desentendimento entre o dono da Metropolitana e Israel Pinheiro, e a empresa deixou Brasília, conta Atahualpa. Convidado para ficar por algum tempo, o engenheiro rubro-negro acabou sendo contratado pela Novacap, da qual foi presidente em curto período durante a segunda metade de 1962.

O engenheiro com nome de imperador também gostava de uma boa briga. Ele mesmo conta uma das muitas: convocado a prestar contas da compra indevida de uma garrafa de cachaça, a Paracatulina, em Vianópolis, Atahualpa resolveu espicaçar o diretor-financeiro da Metropolitana. Comprou uma nova garrafa da mesma marca, deixou só um pouquinho de pinga, fechou com uma rolha desgastada e mandou entregar para o departamento de finanças. Estava armada a confusão. Até que o dono da empresa, Haroldo Polland, chamou Atahualpa na sala e pediu a ele que voltasse logo para Brasília. ;O pessoal lá gosta muito de você;, contou.

Essas e muitas outras são histórias que o engenheiro Atahualpa Schmitz da Silva Prego conta sobre Brasília, quando vem aqui ou quando encontra, lá no Rio, alguém que queira ouvi-lo. Além da pista do aeroporto, pavimentou a Asa Sul, o Lago Norte, algumas estradas parque e trechos das rodovias BR-060 e BR-070. O engenheiro e dona Nely, 77 anos, têm dois filhos arquitetos ; José Cláudio e Lilian ; e quatro netos ; João Henrique, Carolina, José Cláudio Júnior e Guilherme.

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