A rotina de adolescentes envolvidos com drogas já faz parte da realidade de várias regiões do Distrito Federal. Eles estão em praças, becos ou em qualquer espaço onde possam alimentar o vício. Muitas pessoas passam por eles e sabem o que ocorre quando um jovem escolhe esse caminho, mas poucas se envolvem e tentam ajudar. Em Sobradinho II, porém, um grupo de mulheres resolveu fazer diferente. Cansadas de ver a droga definir o destino de crianças da cidade, elas criaram a Associação dos Amigos Solidários à Mulher. No início, há quatro anos, o foco era centrado nas meninas. Hoje, a instituição atende também homens jovens e adultos.
O grupo oferece encaminhamento gratuito a clínicas de reabilitação parceiras da entidade, cursos de informática, aulas de artesanato, alfabetização, reforço escolar, digitação de currículos e até ajuda a procurar vagas de emprego para quem precisa. Além disso, doa dezenas de cestas básicas todo mês e recebe mulheres e idosos vítimas de maus-tratos. São 10 senhoras e um homem que atendem toda a comunidade, com intermédio do Conselho Tutelar de Sobradinho II.
Mais de 400 pessoas têm cadastro no banco de dados da associação. Pelo menos 100 já encontraram emprego e outras quatro conseguiram sair das drogas por meio de uma internação sem custo para as famílias, que não poderiam pagar pelo serviço. Quase sempre são as mães dos envolvidos com drogas que procuram apoio para os filhos. Uma delas é L.S., 48 anos, que tem dois filhos usuários de crack. ;A única ajuda que encontrei em anos de luta foi a associação. Meu menino ficou internado e isso me deu esperança. Mas depois ele fugiu. Estou tentando vaga em clínica para ele e meu outro filho;, lamentou a dona de casa.
Nem todos os adolescentes apoiados conseguem se salvar. A.R., 13 anos, morto no dia 13 último, era um dos atendidos pela organização. Ele frequentava as aulas de informática há alguns meses e parecia distante das drogas. Mas foi morto por conta de uma suposta dívida entre traficantes. A.R. estava sentado em uma calçada em frente à sua casa, de madrugada, quando dois homens se aproximaram e atiraram contra ele. Os disparos foram certeiros.
Começo
A ideia de se juntar para fazer o bem surgiu em uma situação de adversidade. Florisbela Gonçalves Soares, hoje com 54 anos e presidenta da associação, era funcionária do Instituto Candango de Solidariedade (ICS), órgão extinto pelo Governo do Distrito Federal em 2005, por ordem da Justiça. Mais de 8,5 mil pessoas ficaram sem trabalho. Florisbela procurou uma nova profissão, mas não encontrou. Desesperou-se com a falta de ocupação e de dinheiro, entrou em depressão e tentou suicídio. Recuperada, começou a procurar motivações para ser feliz. Foi assim que, ao observar a situação da cidade onde mora, percebeu a existência de muita gente enfrentando dificuldades sérias ; ou seja, ela não era a única no mundo a ter problemas ; ,Florisbela decidiu se doar para ajudar os outros. ;Achei que assim me sentiria melhor, mais útil;, conta.
Nenhuma das voluntárias trabalha nem tem algum tipo de renda. A instituição vive de doações e da troca de conhecimento. Em contrapartida pela ajuda, os cadastrados devem prestar algum serviço voluntário. Leodilene da Silva, 30 anos, está desempregada, mas já trabalhou como cabeleireira. Ela pediu socorro à associação. Se conseguir emprego, vai ensinar outras meninas da casa a escovar cabelos e fazer unhas. ;Aqui é assim: cada um compartilha o que sabe fazer e vai passando a habilidade para frente. Esse é o único pagamento;, explicou a presidenta da entidade.
Uma das maiores demandas é a de pessoas à procura de cestas básicas. Florisbela e suas companheiras batem de porta em porta pedindo alimentos. ;No ano passado, fizemos um mutirão. Fomos em casas do Lago Norte, Lago Sul e Park Way para pedir doação de comida. Conseguimos distribuir mais de 100 cestas básicas no Natal;, relatou Florisbela. Elas também vão a comércios, empresas e a postos da Agência do Trabalhador (central de vagas de emprego administrada pelo GDF), na tentativa de encontrar saída para os problemas de quem as procura. ;Mas ninguém ganha nada sem aprender algo em troca. Quem leva a cesta básica para casa deve frequentar alguma aula e aprender um ofício;, ressalta.
Ivana Melo, 48 anos, e Noemia Martins, 59 anos, também dedicam tempo e atenção ao Amigo Solidário à Mulher. ;O povo diz que papagaio velho não aprende, mas é mentira. Aqui, todo mundo se renova;, garantiu Noemia. Há um ano, a entidade funcionava no quintal da casa de Florisbela. Hoje, elas alugaram uma casa com o dinheiro das doações. ;Mas ainda passamos muita dificuldade;, diz Florisbela. ;Certos motivos não me deixam desistir. Já cheguei ao máximo de desespero, passei fome e fui mãe solteira. E as histórias se repetem quando não há opções por caminhos diferentes. É isso que queremos oferecer aqui;, concluiu.