Naira Trindade
postado em 10/01/2010 08:28
Em longas horas de viagem, nas extensas distâncias percorridas pelas estradas deste país, caminhoneiros sempre encontram pelo caminho um lugar aconchegante para tomar aquele café quentinho coado na hora. Em 1975, a opção para quem passava pelo trecho ainda de terra da BR-251, na altura do entroncamento com a DF-130, região de São Sebastião, era um modesto bar de madeirite construído à beira da pista chamado, à época, Panela Velha. Lá, o saboroso café ajudava a manter o motorista acordado ou aquecido, durante o período mais frio do ano, e o caldo de cana moída num engenho antigo os refrescava em momentos de forte calor da capital federal.O preço barato dos produtos também agradava aos fregueses. O problema só aparecia se o valor da cédula fosse maior que a quantia consumida. Nesse caso, o motorista podia esquecer a diferença no preço. Naquele ponto, o café era sem troco. E não pense que o então proprietário do barraco, Alarico Joaquim Pires, era desonesto. Pelo contrário: na falta de dinheiro miúdo para devolver o troco, Alarico deixava condutores lancharem de graça no modesto quiosque. ;Aqui não tinha nada e era distante de tudo. Quando via uma nota graúda, sabia que não teria como devolver o restante do dinheiro;, recorda um morador de Cariru, região vizinha ao bar, o fazendeiro Joaquim José da Silva, 68 anos.
Para não se apossar do suado salário do caminhoneiro, Alarico propunha um acordo. O homem lanchava e deixava, por exemplo, uma nota de R$ 10 ; na época, seria uma cédula de cruzeiro. Seguia viagem até o ponto onde descarregaria o material transportado. E, depois, quando voltasse a cortar a rodovia já com o serviço realizado, tinha crédito no boteco ou poderia retirar as moedas já trocadas para continuar a viagem. Como pessoas de todo o país passavam e ainda passam pelo ponto, a fama da falta de moedas no boteco cresceu rápido.
Apelido
De uma hora para outra, o Panela Velha ganhara o apelido de Café 100 troco, que mais tarde viraria nome de batismo de toda a região que atualmente abriga 12 mil habitantes. Um dos mais antigos fazendeiros do lugar, o mineiro Domingos Fernandes da Silva, 85 anos, ajudou, ao lado da esposa Conceição Araújo Fernandes, 66, a intitular o local. ;Eles moram aqui desde o início do bar e faziam brincadeira com a ausência de moedas;, entrega Joaquim José, triste com a notícia de que o amigo de anos Domingos Fernandes está com problemas de saúde e não pôde dar entrevista.
O barraco de madeirite sobreviveu no ponto irregular por pelo menos 20 anos. Depois de removido pelo governo, em meados da década de 1990, o servidor público Wilson Florentino Borges, 72 anos, comprou o lote próximo ao famoso quiosque e resolveu construir um restaurante mais estruturado e espaçoso. O nome do famoso bar foi comprado após a morte do dono. Wilson, então, assumiu a responsabilidade de levar adiante o comércio que dera nome à região (chamada de Café sem troco). Trabalhou duro nele, mesmo após aposentado.
Mas, cansado da rotina de comerciante, arrendou, há quatro anos, a lanchonete a João Carlos Paludo, 48 anos, que faz questão de tranquilizar os motoristas. Diferentemente do passado, hoje o proprietário consegue devolver o troco aos clientes. ;As pessoas acham graça no nome. Uns chegam a ficar parados com a nota de R$ 20 na mão imaginando se pagam ou se deixam de comprar, com medo de não terem o dinheiro de volta;, conta.
Aconchego a 56km da capital
O cheiro de poeira, o ar de interior e as prosas pausadas dos fazendeiros caracterizam o lugar. A 56km de distância do centro do poder do país, Café sem troco abriga diversas famílias em aconchegantes casas de alvenaria. Além de restaurantes e postos para atender aos motoristas, mercados, lojas de materiais de construção e salões de beleza já mostram a evolução da economia local. O fazendeiro Joaquim José da Silva criou três filhos na região. ;Eles estudaram na escola até a 4; série e depois foram para o PADF (Programa de Assentamento Dirigido do Distrito Federal), onde puderam continuar os estudos;, lembra a mulher, Leonilda Gomes da Silva, 55 anos.
O divertido baiano que alegra a todos que passam com piadas contadas pausadamente atualmente só produz o necessário para a sobrevivência. ;Já plantei, já toquei gado e cavalo. Mas hoje eu vivo tranquilo e não tenho necessidade de fazer mais isso. Ainda tenho do arroz que plantei em 2008 e só devo plantar outro quando o meu acabar;, conta. ;Tá vendo aquilo ali? É meu escritório;, brinca o fazendeiro, já aposentado, apontando para a charrete e o cavalo.
O carreteiro Nilson Bertuol, 60 anos, não hesitou ao encontrar uma sombra no terreno da comunidade Café sem troco. Morador de Medianeira, no Paraná, o motorista contava com a ajuda da mulher, a professora Marineuza Menegol, 53 anos, para preparar o almoço na própria carreta. No cardápio, arroz, frango e salada, com ingredientes frescos comprados no vilarejo. Eles estão fora de casa há 20 dias. Passaram Natal e réveillon nas estradas da Bahia e agora levam fibras de algodão para Uberlândia(MG). ;Paramos aqui por causa da sombra, mas já estamos gostando do clima agradável da região;, conta.