O dono se envolve em todos os processos da produção. Passa grande parte do dia em meio às plantações e ajuda os peões. Acompanha de perto o plantio das videiras, o cultivo da cana, a compra de máquinas e o cuidado com a terra. ;Estou me cercando da mais alta tecnologia para fazer o melhor;, diz. Com quase oito décadas de vida, a personalidade extrovertida do fazendeiro José Antonio lembra pouco o comportamento rígido de militar. O idoso usa quase sempre bermuda, camiseta e boné com estampa camuflada. Uma bengala ajuda na locomoção.
Nascido em Porto Alegre, o coronel serviu durante 30 anos o Exército e viveu no Rio de Janeiro. Chegou ao DF há quatro décadas, quando a Aeronáutica transferiu para a nova capital vários homens do Estado Maior das Forças Armadas. Naquela época, José Antonio era major. Aposentou-se nos anos de 1990. Depois de tantas mudanças, o sotaque ficou misturado: o jeito de falar ora lembra o povo carioca, ora parece gaúcho e por fim lembra os brasilienses. Mas foi longe da terra natal, em um solo até então considerado difícil para produzir, em meio ao vazio do cerrado de Goiás, que o coronel encontrou prazer além das viagens ao exterior, sua principal diversão.
No início, era apenas uma criação de gado nelore e soja. Mas em 2003 um amigo ofereceu de presente um alambique já um pouco ultrapassado e José Antonio, estimulado pelo desafio, decidiu produzir cachaça. Ele reconhece que os primeiros litros ficaram ruins. Então, viajou a Minas Gerais e comprou aparelhos modernos. O coronel se debruçou sobre revistas e livros e aprendeu sozinho a técnica de produzir a bebida.
Personalidade
Foi para agradar e impressionar a mulher, Consuelo, com quem é casado há 47 anos, que José Antonio começou a produzir rum. ;Eu já fazia cachaça. Aí, a Consuelo, que gosta de beber, me desafiou a fazer o rum. Gasta mais tempo e dá um trabalhão. Antes de mim, ninguém produzia rum no Brasil porque as pessoas não têm paciência. Mas ela não é minha cara-metade, é minha cara-inteira. Eu fiz por ela;, relatou.
Passaram-se seis meses de pesquisa até encontrar a receita ideal da bebida. ;Um dia, meu filho, que mora na Europa, encontrou os escritos de um farmacêutico francês que esteve no Caribe em 1890 com todas as medidas do melhor rum. Ele mandou para mim e comecei a produzir.; Todo o material usado na bebida é colhido na fazenda. A cana-de-açúcar passa pela moenda. Em seguida, o líquido é coado e vai para o decantador. Depois, o rum segue para a dorna (tonel de aço inox) de fermentação. Lá, ele fica por 72 horas. No fim, é adicionado o melaço. ;É o último item que diferencia o rum da cachaça. A quantidade é o segredo da empresa;, explica o coronel. Três filtros garantem a pureza da bebida.
O toque final é o armazenamento do rum em barris de carvalhos durante três anos. Só depois o líquido é engarrafado e enviado para 11 pontos de venda no DF, 10 no Rio de Janeiro e uma remessa para a França, de onde segue para outros países. A fazenda produz 7 mil litros de rum por ano. ;Não faço mais que isso porque perderia a qualidade. O importante não é ganhar dinheiro, mas atingir um ponto de excelência. Isso é que traz o reconhecimento;, garantiu. A garrafa com 750ml de rum e 42% de volume de álcool sai a R$ 38, se comprada direto na fábrica.
Em março de 2009, confiante da qualidade do produto, o coronel José Antonio inscreveu o rum e a cachaça no concurso mundial de produtores de destilados, o San Francisco World Spirits Competition, na Califórnia, Estados Unidos. O rum de Planaltina concorreu com outros de 21 países e 450 expositores, inclusive do Caribe, local famoso pela qualidade. Levou medalha de prata. Os 17 jurados, entre eles jornalistas e mestres em degustação de bebidas de vários países, adoraram o destilado produzido em Goiás. A cachaça também voltou com honrarias para o Brasil: a versão branca levou medalha de prata e a curtida em carvalho medalha de bronze.
Patrão
O coronel adota uma postura paternal como chefe. Somente no momento de delegar tarefas ele muda o tom de voz. Apenas sete funcionários de confiança ajudam na manutenção de toda a propriedade. Quando completam 10 anos de serviço, ganham uma casa. Mesmo tendo empregados de longa data, o aposentado não descansa. O coração não tem reagido bem a tantas atividades. Este mês uma obstrução coronária fez o homem sentir como se o peito estivesse sendo esmagado por uma tonelada. José Antonio teve de ficar quatro dias longe do vinho. Mas já voltou a degustar uma taça todos os dias.
Recentemente, o fazendeiro se desfez da maior parte do terreno, 800 hectares, e ficou apenas com 125 hectares. Cada empregado ganhou R$ 5 mil. Os dois filhos e os netos ficaram com o restante. ;Estou com oitentite. Sabe quando os 80 vão chegando? Pois é. Nessa hora, a gente começa a distribuir as coisas;, brinca. O coronel torce para que a próxima geração cuide dos negócios e aproveite a vida com o mesmo apreço que ele. ;É preciso muito amor para fazer tudo bem-feito e chegar mais longe;, concluiu.
;É preciso muito amor para fazer tudo bem-feito e chegar mais longe;
coronel José Antonio Pires Gonçalves
coronel José Antonio Pires Gonçalves
Curiosidade
A origem do rum
Quando se fala na famosa bebida originária do Caribe, logo vem à mente a lembrança dos piratas. A matéria-prima do rum, a cana-de-açúcar, chegou à região por meio do navegador europeu Cristovão Colombo, em meados do século 15. Pouco depois veio a primeira destilação. À época, esse líquido era muito consumido por marinheiros ingleses e piratas. Uma das supostas origens do nome seria o termo latino saccharum, que significa açúcar. Outra possibilidade seria a sua ligação com saqueadores de navios. A palavra inglesa rumbullion, que quer dizer tumulto, teria sido usada para lembrar as festas dos ladrões do mar depois dos roubos.