O Hospital de Base é a maior e mais importante unidade da rede pública de saúde do DF. Referência em neurocirurgia e traumatologia, recebe pessoas em estado grave, principalmente vítimas de acidentes de trânsito. Mas, no principal hospital da capital federal, os pacientes com risco de morte têm que dividir espaço com pessoas que procuram a emergência para curar problemas banais, como dores de garganta. Para tentar corrigir essa falha, o atendimento mudou. A partir de agora, as pessoas passarão por um processo de classificação de riscos, pelo qual enfermeiros vão identificar a gravidade de cada caso. Pacientes em risco terão prioridade. Se a reclamação for um simples resfriado, por exemplo, a espera poderá ser longa. Cerca de 800 brasilienses e moradores do Entorno passam diariamente pelo pronto-socorro do Hospital de Base.
As mudanças começaram ontem e o primeiro dia da nova modalidade de atendimento foi tranquilo. A maioria das pessoas que passaram pela emergência do Hospital de Base aprovou a nova forma de organização da fila. Pacientes em estado grave foram atendidos com rapidez. O acolhimento com classificação de risco faz parte da política de humanização do atendimento, do Ministério da Saúde. Os pacientes recebem fichas com uma cor, que indica a gravidade do caso.
Os classificados pela cor vermelha correm risco de morte e precisam de atendimento imediato. Os pacientes que recebem uma ficha amarela necessitam de cuidados especiais. Aqueles com cor verde são casos menos graves e, portanto, as pessoas podem esperar. Os pacientes classificados com a cor azul são aqueles sem nenhuma gravidade. Esses casos poderão até mesmo ser encaminhados para outras unidades, como postos de saúde.
O encarregado de serviços Adamastor Ferreira Ganda, 34 anos, queimou o olho esquerdo enquanto trabalhava com uma solda. Sentindo muitas dores, ele chegou ao Hospital de Base ontem de manhã. Adamastor foi diretamente encaminhado para a sala de classificação de riscos, onde recebeu uma ficha amarela. Não teve que esperar mais do que 10 minutos entre a chegada e a consulta na emergência. "Achei bom esse novo tipo de atendimento. Pelo menos não tive que esperar, estava muito preocupado com a minha vista", conta Adamastor.
Já o menino Victor Hugo Pinho Pereira, 10 anos, teve que voltar para casa sem atendimento. No mês passado, ele quebrou o braço direito, que teve que ser engessado. Ontem, a mãe do garoto, Érica Pinho de Araújo, 32 anos, levou o filho à emergência para tentar uma consulta de rotina. "Eu queria saber se está tudo bem , minha ideia era fazer apenas uma revisão do caso dele", revelou Érica, que foi orientada a marcar uma consulta ortopédica no ambulatório, depois que Victor Hugo recebeu uma ficha azul. "Perdi a viagem. Mas é justo que os casos mais graves sejam atendidos antes", acrescentou.
Sem gravidade
Mais de 80% dos pacientes que procuram o Hospital de Base poderiam ser atendidos em unidades de atenção básica(1), como centros de saúde. O diretor da unidade hospitalar, Luiz Carlos Schimin, conta que grande parte das pessoas vai ao Base para procedimentos simples, como tirar pontos, remover gessos ou para buscar atestados médicos. "A ideia da classificação é priorizar os casos mais graves e, assim, organizar o atendimento", explica Schimin. O diretor do Hospital de Base explica que a demanda para um atendimento ideal na emergência seria de, no máximo, 300 pacientes por dia. "Temos equipes, estrutura e equipamentos para atender muito bem esse contingente", afirma.
Na entrada do hospital, universitários acolhem os pacientes e dão orientações sobre o novo atendimento. A classificação de riscos é realizada por enfermeiros em duas salas na entrada do pronto- socorro. A aposentada Valquíria Teixeira, 65 anos, recebeu uma ficha verde e resolveu esperar por atendimento, por mais que a consulta demorasse. Ela reclamava de vermelhidão constante nos olhos. "Já faz alguns dias que esse problema me incomoda e resolvi procurar atendimento", explicou.
O secretário de Saúde, Joaquim Barros Neto, comemorou a implantação do sistema de classificação de risco no Hospital de Base. Ele acredita que, em pouco tempo, haverá uma mudança de cultura na população brasiliense, para que as pessoas procurem os postos antes de lotarem as emergências dos hospitais. "É preciso fazer esse redirecionamento do fluxo para que haja uma melhoria do atendimento em toda a rede de saúde", afirmou.
Para o diretor do Hospital de Base, o objetivo final é que a unidade não precise mais da realização de classificação de risco no futuro. Se os pacientes sem gravidade não procurassem mais o local, isso não seria mais necessário. "O ideal é que o Base seja o hospital referenciado, ou seja, que os pacientes já venham classificados, ao serem transferidos de outros hospitais. O Hospital de Base é um dos primeiros em alta complexidade a ter classificação de risco no Brasil", conta Luiz Carlos Schimin. Até então, o atendimento na emergência levava em conta a ordem de chegada dos pacientes.
1 - Porta de entrada
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a atenção básica, ou atenção primária, é o primeiro nível de contato das pessoas com o sistema nacional de saúde, ou seja, a porta de entrada. No Brasil, ela é representada pelos postos de saúde e pelo programa Saúde da Família.