Ninguém segura o impulso da garotada no shopping. Cinema, pipoca, lanche, sorvete, boliche, fliperama, mais um lanche; E lá se vão, sem muito esforço, os R$ 50, no mínimo, que os pais despojaram nas mãos dos filhos antes de eles saírem de casa. Se a história se repete todos os fins de semana, R$ 200 do orçamento familiar já têm destino certo todo mês. A chegada das férias escolares aumenta a frequência das idas e vindas ao shopping e levanta a discussão em torno dos gastos dos adolescentes nesses passeios com os colegas.
Especialistas ouvidos pelo Correio orientam os pais a jogar limpo com os filhos e a deixar claro o quanto aquela ida ao shopping está ou não saindo caro. ;O adolescente sai para curtir e não está preocupado com o bolso dos pais. Se não houver uma conversa, isso não muda. O que aparecer pela frente, ele vai continuar consumindo;, alerta o educador financeiro Reinaldo Domingos, autor dos livros Terapia financeira e O menino do dinheiro, ambos da Editora Gente. ;Se os pais não ensinarem os filhos a cuidarem do dinheiro que têm, ninguém vai ensinar;, completa.
Não é de hoje que a garotada está na mira de vários setores da economia. O poder de consumo do público teen(1) é assustador. Cientes disso, grandes marcas desenvolvem estratégias para tornar esse público fiel o mais cedo possível. Estima-se que metade dos adolescentes estoura a mesada antes do fim do mês. Quando isso acontece, quase sempre eles conseguem arrancar mais dinheiro do pai ou da mãe. ;Quando um briga porque eu estou gastando demais, eu peço para o outro, ele dá e aí nunca fico sem dinheiro;, explica uma garota de 14 anos.
Esquecimento
O dinheiro na bolsa da meninada vai embora fácil. Tentar levar para casa um bicho de pelúcia em um brinquedo eletrônico de um shopping custa R$ 9,5. A brincadeira não dura nem cinco minutos. Um saco grande de pipoca mais um copo de refrigerante e um bombom sai por R$ 19,50 no cinema mais frequentado da cidade. O valor do bilhete para ver um filme no fim de semana chega a R$ 19 a inteira ; preço que os estudantes não raramente pagam. Muitos esquecem em casa ou mesmo já perderam a carteirinha estudantil que os permite pagar meia-entrada.
Em uma semana de férias, Ana Luiza, 13 anos, foi ao shopping três dias seguidos. Em cada passeio, assim como as amigas que a acompanham, gasta entre R$ 40 e R$ 50 com cinema, pipoca, lanche, sobremesa. ;A gente vai gastando e, quando olha, o dinheiro já acabou;, diz a estudante. A mãe, a professora Nilza Santana, 45, cobra o troco na hora de buscar a filha, mas dificilmente recebe alguma coisa. ;A gente sabe que um passeio no shopping hoje em dia não é nada barato. Tudo é muito caro. Mesmo assim, sempre tento saber como ela gastou;, comenta.
São duas, em tese, as estratégias adotadas pelos pais. Ou dão dinheiro toda vez que o filho vai ao shopping ou pagam uma mesada ou semanada. Pedro Guilherme, 16, recebe R$ 200 por mês. E só. Com essa grana, ele precisa se virar. ;Tenho que economizar para sobrar dinheiro;, aprendeu o estudante, que não deixa de ir ao shopping todo fim de semana. ;A mesada faz com que eu e ele tenhamos controle dos gastos. Ele já está na idade de aprender a fazer escolhas e a usar o dinheiro que tem para isso;, afirma a mãe, a propagandista Márcia Tatagiba, 38.
Pagar uma quantia por mês ou por semana é o mais adequado, defendem especialistas, porque ensina o adolescente a administrar o próprio dinheiro. O educador financeiro Álvaro Modernell pondera que os pais devem controlar os gastos dos filhos, sem tirar deles a liberdade em usar aquele dinheiro. ;Tudo depende do grau de confiança na família, mas, em tese, ele não pode se sentir vigiado, fiscalizado. O adolescente precisa ter uma certa liberdade para ganhar responsabilidade;, afirma Modernell, autor de seis livros de educação financeira voltados para as crianças.
1 - Poder adolescente
Segundo o IBGE, a garotada entre 9 e 19 anos representa cerca de 20% da população brasileira e respondem por essa mesma fatia de tudo o que é vendido no comércio nacional. Além de consumirem ; e muito ;, os adolescentes exercem influência sobre o consumo dos pais, dando pitaco nas compras do supermercado e até na escolha do carro da família.
Viajar pode sair mais barato
Depois de fazer as contas por alto, a servidora pública Luizalice Labarrere, 45 anos, chega à conclusão de que não viajar no fim de ano pode ser uma roubada. ;Vou gastar mais com elas aqui;, conclui. Ela se refere às três filhas. A mais velha já não vai mais tanto ao shopping com as amigas. Raquel, 17, menos que Mariane, a caçula de 9 anos. Mesmo assim, cada passeio de qualquer uma delas não sai por menos R$ 40. ;Cada vez que saem, é um prejuízo;, diz a mãe.
Algumas amigas de Raquel usam o cartão de crédito dos pais quando saem. Ela não. ;Não dou porque cartão nem eu sei usar;, justifica Luizalice, que se preocupa mais com o consumismo da caçula. ;O que me interessa, eu compro;, decreta a mais nova, que recentemente chegou em casa com um brinco novo do shopping. A mãe resiste, mas dificilmente nega dinheiro para as filhas. ;Faz parte. Não tem praia, elas vêm ao shopping;, afirma.
No passeio com as amigas, Júlia Matias, 15, só pode gastar a mesada de pouco mais de R$ 200 que conquistou depois de ganhar uma bolsa de estudo em uma escola particular. ;Foi uma preocupação que deixei de ter. Pago a mesada como incentivo ao estudo;, conta a mãe, a servidora pública Adeilde Matias, 44. A filha reconhece que precisa aprender a lidar melhor com o dinheiro. ;Você fica com poder nas mãos. Pode chegar e gastar;, resume a estudante.
Na avaliação do educador financeiro Reinaldo Domingos, os filhos têm dificuldade de controlar os gastos porque repetem comportamentos dos pais. ;Nossa sociedade ainda não está preparada para administrar dinheiro. Ainda reina a ideia de que dinheiro é para gastar, e não para guardar;, observa. Para mudar esse cenário, o especialista defende a imposição de limites. ;O adolescente tem que entender que ele não pode ter tudo o que ele quer, ele precisa fazer escolhas;, completa.
Nesse sentido, um dos erros mais grotescos que os pais podem cometer ; e cometem com frequência ; é cair na tentação de dar mais dinheiro ao filho quando a mesada acaba. A quantia a mais do que ficou combinado acaba com o que se pretendia e alimenta o consumismo no adolescente. ;Mesada deve ser como um celular pré-pago. Acabou, acabou. Só assim o adolescente vai aprender a viver com o que tem;, ressalta Domingos.