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Viciados em reforma e obras movimentam mercado da construção civil

Tem gente que não pode ouvir falar em obra que entra em pânico. Faz reforma uma vez na vida por necessidade e pronto. Do lado oposto, existe quem não abre mão de quebrar uma parede, pintar o quarto, fazer uma nova churrasqueira no quintal... Para esses, não há vida sem obras. Elas viraram mania, hábito, prazer e, em alguns casos, até vício. [SAIBAMAIS]Desde setembro, os fissurados por obras ajudaram a dobrar o número de projetos de arquitetura no DF, além de aumentar em 30% as vendas de materiais de construção. Para deixar a casa em ordem, a tempo das festas de fim de ano, muita gente investiu pesado. As intervenções vão desde uma simples mudança de móveis até uma casa completamente refeita. A maioria das pessoas com esse perfil é aposentada e tem estabilidade financeira. Nas lojas de construção, de tão cativos, esses clientes são conhecidos pelo nome. "São eles que sustentam o segmento", chega a dizer o superintendente do Sindicato do Comércio Varejista de Materiais de Construção do DF (Sindmac-DF), Sérgio Talamonte. Não são raros, segundo ele, os que compram um apartamento novo, por exemplo, e não deixam de fazer todas as adaptações que acham necessárias. Acabam transformando o imóvel em outro, sob a alegação de que gostam de obras. O mercado torce para que essa mania por construção pegue. "A gente queria que todo mundo tivesse um espírito inovador. O maior grupo ainda é o dos que querem algo definitivo, que não arriscam inovar tanto, construir e reconstruir", comenta o sócio-fundador da Associação Brasiliense dos Designers de Interiores (Abradi), Hélio Albuquerque. Ele acredita que os moradores de Brasília, por viajarem muito, tendem a querer novidades em casa com frequência. Em muitos casos, mesmo sem necessidade aparente de nova reforma, a pessoa opta por ela em busca de renovação. Não são, necessariamente, clientes inseguros ou eternamente insatisfeitos. A interpretação é que a obra provoca uma mudança de vida, inclusive. Ocupa o tempo, vira terapia. "São pessoas que sentem prazer com isso. Possuem senso estético, visão espacial. Se fossem arquitetas, seriam brilhantes", afirma a arquiteta Yeda Garcia, presidente da Abradi. Puro prazer de mudar Desde o início dos anos 80, a advogada Malvina Corujo de Azevedo Lopes, 65 anos, já construiu sete imóveis. Quase sempre assim: ela compra um terreno, vazio ou com uma casa antiga, e ali cria algo completamente novo. A última criação foi em um terreno no Lago Sul. Com um investimento de cerca de R$ 700 mil, ela transformou uma casa de 300m² em uma de 1,2 mil m² - quadruplicou o tamanho. "É muito divertido você idealizar uma coisa e vê-la concretizada. Meu prazer é criar", explica. Malvina morou em todas as sete casas. Não vendeu nenhuma delas. A advogada defende que assim como outros produtos, chega um momento em que o lugar onde se vive pede atualizações. "Por que não renovar sempre? É bom mudar. Ver a obra pronta, então, é muito gratificante. Trabalho? Claro que dá. Mas o que não dá trabalho nesta vida?", provoca ela, que hoje vive em um apartamento. O hobby se enfraqueceu depois que ela perdeu o filho. Ainda assim, essa apaixonada por reformas não cansa de criar. Recentemente, trocou armários do apartamento e colocou quadros novos nas paredes. "Acho que vai chegar um dia em que eu vou cansar, mas, por enquanto, a vida segue", diz. A vida e as obras. A última casa construída ainda não foi alugada. Vez ou outra, ela está por lá dando os últimos retoques, enquanto o inquilino não aparece. "Não vou vender as casas. São obras-primas, têm um valor simbólico", completa. Os que gostam muito de obras não sofrem, como a maioria, quando as paredes começam a ser quebradas. São pessoas que convivem bem com as fases de euforia e depressão que uma reforma proporciona. Por outro lado, a arquiteta Silvana Andrade conta que, às vezes, trata-se de gente que não gosta da obra em si, mas se esforça para ter a casa atualizada. "O mercado ajuda para isso. Há sempre muita novidade e isso aguça o interesse dos clientes", comenta. Para o arquiteto Daniel Mangabeira, realizar obras com muita frequência revela uma inquietude pessoal que mais tem a ver com o psicológico das pessoas do que com o fato de elas quererem estar em sintonia com as tendências. "Se, por acaso, o cliente está sempre insatisfeito com o resultado, alguma coisa está errada. Pode não ter a ver com arquitetura, mas, sim, com uma insatisfação pessoal dele", avalia Mangabeira, ao lembrar que arquiteto, muitas vezes, faz vez de psicólogo.