Maria Eduviges de Sousa, 85 anos, e Antônio de Sousa, 88, casaram-se cinco vezes um com o outro. E eles ainda querem mais. No sábado, o casal vai receber a bênção de um padre pela sexta vez e renovar os votos de fidelidade e confiança novamente. A festa no Salão de Múltiplas Atividades do Guará terá a presença de todos os 10 filhos, 26 netos e 14 bisnetos, fora dos amigos. Em 70 anos de casamento, a serem completados domingo, Maria e Antônio nunca brigaram feio ou dormiram em camas separadas. Até hoje, ela leva café da manhã na cama para o marido. Em retribuição, ele canta e toca violão para alegrar a amada. No fim de semana, a atração ficará por conta das bodas de vinho (1) de um homem e de uma mulher que se conheceram no interior de Minas Gerais e, desde então, selaram parceria fundamentada em muito amor.
Maria conheceu Antônio quando tinha 11 anos e ele 14. Os dois se encontraram pela primeira vez por acaso, na casa do tio dele, que também era parente dela. O namoro começou depois do primeiro olhar trocado. Mesmo sem palavras, os dois firmaram um pacto. "Naquele tempo, namoro era isso: um jeito diferente de olhar para a pessoa. Não sentávamos perto nem tinha conversa. Era só contato visual", lembra Maria, com o rosto corado de vergonha, 70 anos depois. O namorado só aparecia uma vez ao mês, pois morava 15km distante da fazenda do pai de Maria, no interior de Patos de Minas (MG). Ele trabalhava na lavoura para ajudar a famÃlia. Enquanto isso, o tempo corria devagar para Maria.
Para chegar até a amada, Antônio atravessava um rio a nado. Havia uma canoa para transportar as pessoas de um lado para o outro. Mas surgiu um impedimento. O tio de Antônio proibiu os funcionários da fazenda de deixarem o sobrinho usar o barco. "Meu tio queria que o filho dele se casasse com a Maria, e não eu", explica. Quando os peões avistavam Antônio, logo retiravam a embarcação da margem. Mas o rapaz, apaixonado, não se intimidava. Tirava calça e camisa, amarrava as roupas no corpo e saÃa nadando. Cada braçada deixava-o mais perto de trocar um olhar com a moça que o esperava ansiosa. "Ela era uma moreninha linda demais. Valia todo o esforço", garante Antônio.
Para sempre
Quatro anos depois, veio o casamento. O pai de Antônio foi até a casa da famÃlia de Maria e pediu para o chefe do lar a mão da moça de 14 anos. "Eu passei o tempo todo dentro do quarto. Torcia para ser o pedido de casamento", relata Maria. "Acabei dormindo e no dia seguinte perguntei à minha mãe o que o homem queria. Ela me disse: veio pedir para você ser a mulher do filho dele. E perguntou: 'Você quer?' Na hora eu disse sim. Já tinha pensado muito na resposta."
A união ocorreu em 13 de dezembro de 1939. Casaram-se na fazenda, à s 9h e com muito sol. Ela de vestido branco, costurado em Patos de Minas. Ele de terno de linho branco e gravata xadrez. A assinatura no cartório de registro civil não pôde ser feita, devido à idade da noiva. Um ano depois, o casal protocolou a parceria perante a Justiça. O retrato do dia inesquecÃvel está em posição de destaque na estante da sala do apartamento onde o casal vive, no Guará. A foto mostra dois adolescentes que não imaginavam a felicidade e as dificuldades reservadas para eles nas décadas seguintes. Nessa época, os pais precisavam autorizar o casamento. A condição imposta pela famÃlia do noivo foi que ele e a mulher morassem na casa do pai dele durante um ano. "Éramos muito jovens e sem juÃzo", explica Antônio.
O primeiro filho, Geraldo de Sousa, nasceu em 1940. Nos anos seguintes, Maria deu à luz outras oito vezes seguidas. "Não evitávamos os bebês. Nasciam de acordo com a vontade de Deus", explicou Antônio. A tradicional famÃlia mineira continua católica, repassando a fé para as gerações seguintes. Os filhos do casal seguem os passos dos pais - alguns têm 50 anos de casados, outros 35. "O afeto entre eles é a maior receita de felicidade que temos", diz Geraldo. A escolha dos nomes dos filhos teve um padrão. Todos os outros irmãos homens têm nomes compostos que começam com a letra A: Antônio, Anilson Antônio, Adirson Antônio, Aguinaldo Antônio, Arnaldo Antônio, Anivaldo Antônio. As meninas foram batizadas como Maria Helena, Helena Maria e Marilene Aparecida.
Mudança
Em 1968, Antônio saiu do trabalho na roça e comprou um caminhão. No mesmo ano, soube da construção de um novo bairro em BrasÃlia, o Guará, e não pensou duas vezes antes de se mudar para lá. Primeiro, veio sozinho. Três meses depois, mandou buscar mulher e filhos. "O primeiro barraco no qual moramos era muito ruim. Dava para ver as pessoas passando na rua enquanto eu estava deitada na cama", relata Maria. Criar as crianças na cidade grande seria um novo desafio. "Dava muito medo imaginar o que ia acontecer com os meninos em um lugar enorme como esse. Hoje, temos filhos médicos, advogados. É um orgulho", desabafa a mãe.
Antônio trabalhava e viajava muito como caminhoneiro. Nas horas de solidão longe de casa, jura que apenas uma viola lhe fazia companhia. O amor pela música surgiu em sua vida aos 12 anos. O menino que trabalhava pesado desde os 6 aprendeu a tocar de ouvido. "Desde então, alimento essa paixão." Hoje, Antônio faz dupla sertaneja com o filho Geraldo: a Celino e Geraldo, que já lançou três CDs. Chegaram a ficar entre os 12 finalistas do Festival Candango Cantador deste ano. Mas uma gripe prejudicou as cordas vocais de Geraldo e pode ter atrapalhado a vitória. Eles cantaram até no Palácio do Planalto para o presidente Lula, no lançamento do Estatuto do Idoso, em 2003. "No fim de semana, vamos participar de um programa de televisão. Já fizemos show demais", garante Antônio. A música Tudo por amor foi composta pela dupla em homenagem a Maria e à esposa de Geraldo.
A mulher já teve ciúmes do marido quando ele saÃa para tocar à noite. "Mas parei com essa besteira. Ciúme só serve para causar briga e nada mais", ensina. E não são poucas as lições que Maria e Antônio podem oferecer. Eles transbordam saúde e felicidade e garantem que a receita da longevidade é composta de fé em Deus, amor, confiança, compreensão e muita ginástica. "Quando um está nervoso, o outro fica calmo. Conversamos sobre tudo e respeitamos a decisão um do outro. Casais de antigamente, como nós, se esforçam para fazer dar certo, lutam para construir a vida juntos", diz Antônio. "Tenho de agradecer a ela por me aguentar. Quero que Deus me leve primeiro, não existe vida sem Maria", declara-se. "Ele é o amor da minha vida. O único e grande amor até o fim", responde Maria.
1- Simbologia
Há nomes populares para a comemoração de décadas de casamento. Quando um casal comemora 50 anos de união, eles completam bodas de ouro. Se o tempo de casamento é de um ano, por exemplo, são bodas de papel. Os 70 anos de matrimônio representam bodas de vinho, para simbolizar que o relacionamento é como a bebida, melhora com o passar do tempo.
Tudo por amor
Celino e Geraldo
Eu tiro o ouro do sol
Da ostra tiro o brilhante
E da lua tiro a prata
De um rio o diamante
Para ofertar com carinho
A você, amada amante
Tiro o brilho das estrelas
Do sol eu tiro o calor
De um anjo a inocência
Da coroa o esplendor
Para ofertar com carinho
A você, meu grande amor
Da flor eu tiro perfume
De um palhaço a alegria
Tiro o doce de um beijo
E roubo a luz do dia
Para te ofertar com carinho
Por Jesus e por Maria
Com amor e com carinho
Eu venho lhe oferecer
Do fundo do meu coração
Meus dias e meu viver