Jornal Correio Braziliense

Cidades

Resistência na Câmara, apesar de legítima, beneficia alvos dos protestos

Com o plenário tomado, não andam os processos contra Arruda nem os de quebra de decoro parlamentar

; Luísa Medeiros
; Helena Mader
; Lilian Tahan


A ocupação da Câmara Legislativa completa hoje uma semana e, diante da resistência dos manifestantes em deixar o local, o movimento que defende a saída de José Roberto Arruda (DEM) pode acabar beneficiando o próprio governador, investigado por suposta participação em esquema de corrupção. Com o plenário tomado por estudantes e sindicalistas, os parlamentares afirmam que não conseguem realizar sessões, apreciar projetos de lei nem ler os pedidos de impeachment contra Arruda. A tese de que a resistência pode ser um tiro pela culatra e ajudar os políticos que estão na mira da Polícia Federal não é só da oposição. Até entre os governistas, há uma interpretação de que o protesto contribui para a estratégia de salvamento dos citados na Operação Caixa de Pandora, deflagrada pela PF com base em inquérito do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Dois oficiais de Justiça estiveram na tarde de ontem na sede do Legislativo para cumprir a ordem de reintegração de posse, concedida na última sexta-feira pela juíza Júnia de Souza Antunes, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). Mas, diante da falta de tempo hábil para que a polícia organizasse a operação, ela foi suspensa às 18h. "É direito do movimento expressar sua opinião, mas nós, parlamentares, também temos o direito de fazer andar o processo. A demora favorece os acusados", disse o distrital Chico Leite (PT). Um secretário do GDF avalia que o movimento é bom para Arruda e ruim para a cidade. "Quanto mais o tempo passa, mais os advogados se articulam na defesa do governador e de outros políticos envolvidos. Mas, para a cidade, quanto mais tempo durar essa ocupação, maior será a sensação de desordem", acredita o governista.

A tarde foi tensa entre os manifestantes que ocupam a Câmara. Logo depois das 16h, eles receberam a informação de que a ordem judicial para desocupação do local seria executada por policiais militares. Antes da determinação da Justiça, o grupo já havia negociado os termos de uma saída com o presidente interino da casa, Cabo Patrício. Mas, em assembleia, os manifestantes resolveram ficar e articularam uma resistência pacífica. Pintaram o rosto e a maioria segurava flores à espera da PM.

A desocupação estava prevista para as 17h10 e até a presidente da OAB-DF, Estefânia Viveiros, foi ao plenário pedir a saída dos estudantes e sindicalistas. O reitor da Universidade de Brasília, José Geraldo de Sousa Junior, também visitou o local. Deputados da oposição se postaram ao lado dos manifestantes, na tentativa de impedir confronto com a polícia.

O esforço foi em vão: às 18h veio a notícia de que a reintegração de posse não seria executada. "O Comando-geral não sabia da reintegração de posse, tomamos conhecimento apenas às 17h. Não podíamos tirar as pessoas à força sem uma estratégia, porque teríamos que garantir a integridade física de todos e proteger o patrimônio", justificou o tenente-coronel Cláudio Armond, do 3; Batalhão da PM. Doze policiais estavam do lado de fora da Câmara, enquanto quase 100 manifestantes resistiam à retomada.



24 horas
Os oficiais de Justiça foram chamados de volta ao Fórum, e a juíza Júnia Antunes intimou o secretário de Segurança Pública, Valmir Lemos, a efetuar a reitegração de posse da Câmara. Se isso não ocorrer em 24 horas, o superintendente de PF será convocado para cumprir a ordem.

Questionado se a permanência dos manifestantes no plenário não beneficiaria o governador Arruda, o deputado Paulo Tadeu disse que acredita na retomada dos trabalhos legislativos na manhã de hoje, para a leitura dos pedidos de impeachment. "Não queremos violência e acreditamos numa saída negociada." O petista acrescentou: "Não sei o que é pior, a demora em ler os requerimentos ou as manobras que a base de apoio ao governador está realizando. Eles não vêm à Casa, mas estão se rearticulando em grupos".

O argumento dos deputados que não comparecem à Câmara é que a falta de segurança. Temem ser hostilizados, principalmente os oito citados no inquérito do STJ como supostos beneficiários do esquema de propina.

A deputada Jaqueline Roriz (PSDB) disse que a presença dos manifestantes atrapalha o trabalho dos parlamentares. "A gente não consegue nem ler os pedidos de impeachment ou de CPI", afirmou a filha de Joaquim Roriz.

Desculpa
"Os estudantes têm que sair para que possamos dar uma resposta à população", comentou Cabo Patrício. A legislação permite a realização de sessões em outros locais além do plenário ou das instalações da casa. "Mas se fizermos em outro local, corremos o risco de não termos quorum", justificou. Para Paulo Tadeu, "isso está fora de cogitação (fazer sessões em outros locais). Temos condições de funcionamento".

Para o antropólogo Paique Lima, um dos coordenadores da ocupação do Legislativo local, isso não passa de uma desculpa. Ele afirmou que o grupo está disposto a liberar o plenário para as sessões. "Arruda está com medo do nosso movimento, vamos permanecer aqui até o fim. Não estamos beneficiando o governador, pelo contrário, nossa vontade é que os pedidos de impeachment sejam lidos e aprovados", frisou Paique.

; Secretários voltam

Além da sessão extraordinária marcada para esta manhã, a ideia da Mesa-Diretora é pôr em votação a escolha do novo corregedor ainda na tarde de hoje. Os deputados Paulo Roriz, que estava à frente da Secretaria de Habitação, e Eliana Pedrosa, que até ontem respondia pela Secretaria de Desenvolvimento Social, foram exonerados e retomam seus mandados. Essa reorganização política será importante para o futuro dos pedidos de impeachment contra Arruda, já que o suplente do DEM Raad Massouh era presidente da Comissão de Constituição e Justiça. Eliana Pedrosa deve assumir a presidência da CCJ.

Quatro dias após a decisão favorável dos conselheiros, a Ordem dos Advogados do Brasil, seção Distrito Federal (OAB-DF), apresentou ontem pedido de impeachment contra o governador José Roberto Arruda e contra o vice-governador Paulo Octávio. Para demonstrar apoio à posição da entidade, um grupo de mais de 30 advogados acompanhou a presidente da OAB-DF, Estefânia Viveiros, durante a entrega do requerimento, na Câmara Legislativa. Participaram do ato representantes de 11 seccionais da OAB, além do presidente nacional, Cézar Britto.

Se havia consenso na OAB quanto ao pedido de impeachment de Arruda, foi preciso uma extensa análise da equipe jurídica do órgão até a decisão de exigir o afastamento do vice-governador - isso porque a legislação só prevê o impedimento do chefe do Executivo. Estefânia Viveiros espera que a Procuradoria Jurídica da Câmara Legislativa aceite ambos os requerimentos. "O vice-governador também tem cargo de comando e, portanto, tem responsabilidade sobre os recursos públicos. Nosso pedido de impeachment contra o vice segue os princípios constitucionais de simetria e probidade", explicou Estefânia. "Se a Procuradoria da Câmara não o receber vamos recorrer à Justiça."

O presidente nacional da OAB, Cézar Britto, disse que a presença dos representantes de várias seccionais reforça o apoio institucional da entidade ao pedido de impeachment: "O que aconteceu em Brasília interessa a todo o Brasil. Esperamos agora que a Câmara Legislativa cumpra o seu dever e que sejam punidos todos aqueles que fizeram mau uso da coisa pública. A ética tem que vencer."

Presidente interino da Câmara Legislativa, Cabo Patrício (PT) recebeu o pedido da OAB e lembrou que ele é bastante representativo, já que a entidade tem importância nacional. "Nós não vamos empurrar nada para debaixo do tapete", garantiu. Caso sejam aceitos pela Procuradoria, os pedidos seguem para apreciação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde já estão dois documentos que exigem a saída de Arruda.