Dentro da Câmara Legislativa está uma peça-chave na teia de interesses financeiros que une empresas prestadoras de serviço, deputados distritais e o Governo do Distrito Federal. A Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2010 aponta o caminho e o volume de repasses públicos previstos às empresas citadas de participação no esquema de pagamento de propina. Não será necessário lupa para enxergar na papelada o benefício a setores que estão no epicentro das denúncias da Operação Caixa de Pandora - em que o governador José Roberto Arruda (DEM) é investigado por receber dinheiro ilegalmente e repassar parte a sua base de apoio no Legislativo.
Em conversa com um representante de empresa prestadora de serviço ao GDF, Durval Barbosa diz que já havia R$ 8 milhões assegurados neste ano e outros R$ 10 milhões garantidos no orçamento para 2010. Os vídeos que fazem parte do material de provas no inquérito revelam que empresas de informática, por exemplo, recebiam recursos do GDF e tinham de retornar parte a integrantes do governo local como propina.
O projeto de lei do Orçamento de 2010 enviado pelo Executivo está debaixo do braço do deputado Cristiano Araújo (PTB), que é relator do texto na Câmara Legislativa, onde os deputados incluem emendas para atender seus interesses eleitorais. Ritual em que cada centavo é negociado entre GDF, bloco governista e oposição. E, agora, a maioria dos deputados tem um interesse ainda maior para aprovar o mais rapidamente possível o texto: a corrida para encerrar o ano legislativo e entrar logo em recesso. Essa é a estratégia dos distritais para fugir do desgaste (veja quadro) de enfrentar a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que pretende apurar o escândalo no GDF. A manobra é entrar em férias o quanto antes. E isso, pela lei, só é possível depois de apreciada a LOA.
O projeto está previsto para ser votado pelos deputados nos próximos 10 dias - isso, claro, contando que os manifestantes obedeçam a determinação da Justiça e desocupem o plénário da Câmara Legislativa. E já existe articulação para antecipar a votação. Antes é preciso uma medida emergencial para o sucesso da %u201Coperação-abafa%u201D: retirar da presidência da Casa o deputado Cabo Patrício (PT), obstáculo para votação da LOA. Ele já manifestou a intenção de não colocar em pauta agora o projeto. Por isso, é muito forte a pressão dos governistas para que Leonardo Prudente (DEM) renuncie de uma vez ao cargo de presidente. Prudente apenas se licenciou. Se renunciar, pelo regimento interno, uma nova eleição para Mesa-Diretora tem de ser realizada. E o bloco governista está unido para emplacar um nome de seu grupo para substituir o petista Patrício. O cotado entre os arrudistas é Raimundo Ribeiro (PSDB).
Corregedor
Ontem à noite, Prudente e o governador José Roberto Arruda teriam se reunido para conversar sobre a renúncia do deputado. Caso recupere o controle da Câmara, o bloco governista colocará em votação a LOA e decretará férias na Casa. Também faz parte da estratégia eleger amanhã como corregedor Wilson Lima (PR). E, da forma como estão agrupados hoje os blocos partidários, a CPI proposta para apurar as denúncias que recaem sobre o GDF nasce praticamente morta. Não é de interesse de arrudistas nem de aliados ao ex-governador Joaquim Roriz (PSC) dentro da Câmara que ela saia.
Uma reunião amanhã entre os líderes de partido vai decidir o período de gestão administrativa que seria alvo das investigações, já que Durval também fez parte do governo Roriz. Mesmo que as assinaturas necessárias sejam recolhidas, não haverá tempo - pelos trâmites do Legislativo - de se instalar a CPI ainda este ano. Da mesma forma, deverão ficar emperrados os processos de quebra de decoro parlamentar contra os oito deputados distritais envolvidos. Caso a CPI sobreviva, provavelmente ficará sob controle dos governistas.
Controle
[SAIBAMAIS]Arruda só perde controle sobre a base se for expulso do DEM, decisão que o partido pode tomar até o fim desta semana. Mesmo assim, o comprometimento dos deputados distritais com as supostas irregularidades é tamanho que não é conveniente para a maioria botar para funcionar uma CPI ou encurralar os citados no inquérito. Dos 24 deputados distritais, oito estão envolvidos diretamente no caso e 10, apesar de estarem de fora do escândalo pelo menos até agora, têm interesses ligados ao Executivo. Ou seja, são 18 parlamentares dispostos a emperrar as apurações. Os quatro petistas e o deputado José Antônio Reguffe (PDT) ficam isolados na tentativa de impedir a manobra da operação-abafa.
Os governistas não querem se pronunciar sobre a votação da LOA. A oposição, apesar de menor, tentará obstruir se recusando a votar. Mas o outro bloco consegue a maioria suficiente para isso. "Não dá para votar o orçamento do jeito que está. Será uma irresponsabilidade. Estaremos legitimando os negócios escusos do governo para o ano que vem", reclama a líder do PT Erika Kokay (PT).
O delator
Durval Barbosa foi secretário de Relações Institucionais do governo Arruda e também participou do governo de Joaquim Roriz. Ele responde a 37 processos. Em troca de abrandar a pena, resolveu colaborar com as investigações da PF por meio de delação premiada. Denunciou em depoimento esquema de propina do GDF para os aliados e entregou farto material gravado em vídeo.
» Operação "passa a régua"
A estratégia de fuga dos deputados distritais da pressão por investigações:
Convencer Leonardo Prudente (DEM) a renunciar à presidência da Câmara Legislativa o mais rapidamente possível. O que abre caminho para nova eleição da Mesa-Diretora, retirando a oposição do comando da casa. Cabo Patrício do PT seria substituído por um governista.
A eleição tem de ocorrer no prazo máximo de sete dias. O nome dos arrudistas para a presidência é Raimundo Ribeiro (PSDB). E para corregedor, Wilson Lima (PR).
Com um governista no controle, coloca-se imediatamente em votação a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2010. O relator da LOA é um aliado, deputado Cristiano Araújo (PTB). O PT queria postergar para fevereiro e, assim, não interromper os trabalhos na Casa. Mas, com a aprovação do orçamento, os deputados encerram o ano legislativo e entram em recesso.
Dessa forma, não haverá tempo hábil, de acordo com os trâmites legislativos, de instalar a CPI nem de dar início aos processos por quebra de decoro parlamentar contra os oito deputados citados no inquérito que deflagrou a Operação Caixa de Pandora.
Assim, todos entram em férias e só voltam em fevereiro.