No último ano, a construção civil foi o setor que mais absorveu mão de obra no DF, segundo dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). De outubro de 2008 até aqui, 15 mil pessoas passaram a trabalhar na construção civil, um aumento de 30% no período. Atualmente, são 65 mil pessoas empregadas em canteiros de obra. Em 2003, eram 35 mil, pouco mais que a metade. Apesar da turbinada no contingente, a oferta de emprego não para de crescer. Com a retomada dos lançamentos a partir de março deste ano, voltaram a sobrar vagas.
Dos 234 homens que ajudam a levantar mais um arranha-céu de Águas Claras, apenas seis são do DF. O restante é resultado do fluxo migratório. A maioria saiu da Bahia, do Maranhão e do Piauí. Gente simples, sem muito estudo, atrás de uma oportunidade na capital. O mestre de obra Agnaldo José Ferreira Pires, 66 anos, conta que todo dia precisa ensinar o que ele começou a aprender aos 14 anos. ;Tem que ficar em cima. O nível de qualificação é muito baixo. Hoje em dia não é qualquer um que sabe trabalhar em obra, não;, comenta. Há dois anos, Agnaldo aceitou sair de Goiânia e ir morar em Brasília para preencher a vaga com direito a salário de R$ 4.660.
A maior carência do mercado é de carpinteiros, armadores de ferragem e, principalmente, pedreiros. Agnaldo precisa de cinco. Na obra vizinha à dele, o encarregado está à procura de 10. É quase impossível achar um canteiro de obras que não esteja com vagas abertas. ;Emprego tem sobrando, mas é uma dificuldade enorme encontrar gente qualificada. Pedreiro, por exemplo, você procura, procura e simplesmente não acha;, diz o vice-presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do DF (Sinduscon-DF), Júlio César Peres. Na avaliação dele, qualificar os trabalhadores é a melhor estratégia para enfrentar o apagão de mão de obra. O sindicato tem parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) para capacitar os operários.
Há 14 anos, o gesseiro José Lima, 30, deixou o Maranhão para trás e decidiu trabalhar em obras na capital federal. Ele diz que o problema não é falta de mão de obra, como alegam as construtoras, mas, sim, o salário da categoria. ;Ninguém aguenta exploração, não, moço. Tem muita gente querendo emprego e disposta a trabalhar, mas são poucos os que topam se arriscar e ralar o que a gente rala para ganhar mixaria;, comenta. Só este ano, ele já trocou de empresa seis vezes em busca de melhores condições. ;E não venham com essa história de que não sou qualificado porque eu sou, fiz curso no Senai;, ressalva Lima, casado, pai de três filhos, morador de Valparaíso de Goiás. Na empresa em que é fichado, Lima não ganha mais que R$ 1 mil por mês. No último bico, porém, faturou R$ 1,5 mil em 15 dias. ;O povo prefere viver de bico mesmo sem as garantias. Enquanto não pagarem melhor, vão ficar reclamando que falta gente;, completa.
Este ano, a construtora JC Gontijo forma a primeira turma de 20 mestres de obra em um curso oferecido por uma faculdade particular da cidade. A ideia é aumentar o número de turmas para diminuir a necessidade de buscar trabalhadores fora do DF. Em março, para iniciar a construção do Living Superquadra Park Sul, um complexo residencial com 1.152 unidades às margens da Estrada Parque Indústria e Abastecimento (Epia), foi preciso recrutar homens em Goiânia e em Belém (PA). ;Temos emprego à vontade. O problema é mesmo a qualificação. A mão de obra está escassa e o jeito é formar quem a gente consegue recrutar;, reforça o sócio-diretor da empresa Rodrigo Nogueira.
Na dificuldade de conseguir mão de obra para erguer no Lago Norte o Shopping Iguatemi, as Organizações PauloOctavio precisaram anunciar a oferta de vagas em carros de som que rodavam o dia inteiro em Samambaia, Ceilândia e Planaltina. ;O fluxo migratório é inevitável. Muita gente daqui que antes trabalhava na construção civil migrou para outros setores;, avalia o presidente da empresa, Marcelo Carvalho.
O funcionário da construção civil ganha por hora ou por mês. Para tirar mais que o piso da categoria (veja quadro), alguns trabalham até 12 horas por dia. Há pedreiros e carpinteiros com salário de R$ 2 mil. Mas esses são raros. O vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário do DF (Sticmb-DF), João Barbosa, culpa as construtoras pela escassez de mão de obra. ;É claro que falta mão de obra e vai continuar faltando enquanto os empresários não investirem no trabalhador. Eles só querem explorar. Quanto menos capacitado, melhor para eles porque pagam menos. Por isso que tem obra caindo e peão morrendo;, diz.
Ramo arriscado
Segundo o sindicato dos trabalhadores da construção civil, 11 operários morreram desde janeiro deste ano em obras do DF.
Na última quinta-feira, três homens se feriram em canteiros no
Lago Sul, na Asa Sul e no Gama. Em 9 de novembro, um operário de 28 anos morreu esmagado por uma empilhadeira de aproximadamente
3,5 toneladas em uma obra do Setor de Armazenagem e Abastecimento
Norte (SAAN).
Novos valores
De acordo com a Convenção Coletiva de Trabalho acordada em junho deste ano entre os sindicatos patronal e dos trabalhadores da construção civil, os pisos salariais da categoria são os seguintes:
Categoria //Salário (R$) // Hora Mensal (220 horas)
Servente ajudante //2,28 //501,60
Guardião de obra //2,28 //501,60
Meio-oficial //2,56 //563,20
Oficial (profissionais) //3,54 //778,80
Problema transferido
Goiânia virou o principal alvo das construtoras de Brasília para recrutar trabalhadores. A maioria aposta na propaganda boca-a-boca para espalhar a notícia, mas algumas anunciam as vagas abertas em carros de som que circulam pela capital goiana, a contragosto das empresas locais, que também sofrem com a falta de mão de obra. O convite é tentador porque os salários pagos no DF chegam a ser o dobro dos de Goiás. ;Esse não é o caminho. Já perdemos muitos funcionários;, diz um dos diretores do Sindicato da Indústria da Construção Civil de Goiás (Sinduscon-GO) Moacyr Moreira.
O mercado imobiliário de Goiânia está em forte ascensão. A carência de mão de obra começou a ser sentida no ano passado. ;Não tem gente para trabalhar e ainda estão levando os operários para pagar melhor;, comenta Moreira. Para que ninguém precise buscar gente em cidades vizinhas, ele defende a capacitação nos canteiros. Este ano, cerca de 200 operários fizeram cursos de formação realizados pelo Sinduscon-GO em parceria com o Serviço Social da Indústria (Sesi). O sindicato se prepara para, em 2010, lançar cursos voltados para o público feminino. ;Precisamos buscar alternativas;, justifica.
No Distrito Federal, a Secretaria do Trabalho realizou, em setembro, um curso de 40 horas para formar armadores de ferragem. Dos 340 participantes, 280 saíram empregados, segundo o subsecretário de Atendimento ao Trabalhador e ao Empregador, Nelson Gomes da Silva. Ele diz que as capacitações para o setor de construção civil são prioridade da pasta. ;Virão um monte de obras por aí e atualmente nosso banco de dados não tem gente suficiente para suprir a demanda das construtoras. O mercado está cada vez mais exigente. É por isso que precisamos qualificar a mão de obra;, afirma.