Jornal Correio Braziliense

Cidades

Motoristas de Brasília perdem R$ 4 milhões por ano nas bombas

A estimativa do prejuízo considera a diferença de preços cobrados entre as cidades brasileiras. Parecer do Ministério da Justiça defende a revogação imediata da lei distrital que impede a instalação de postos em áreas de mercados

A Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça entrou no debate sobre a instalação de postos de gasolina em supermercados(1) de Brasília. Em parecer publicado ontem no Diário Oficial da União, o órgão pediu a revogação imediata da Lei n; 294/2000, que proíbe a presença de postos nos estacionamentos das empresas. Para a secretaria, a lei fere a livre concorrência. No documento de nove páginas, o ministério mostra que o brasiliense deixou de economizar R$ 34.316.719 com combustível nos últimos oito anos devido à diferença de preço da gasolina entre as cidades brasileiras. O documento será levado aos deputados distritais, ao governador José Roberto Arruda e ao ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Para o Ministério da Justiça, a manutenção da lei gera uma ;estrutura oligopolizada e pouco competitiva; entre os postos do DF. ;Com quase 10 anos em vigor, a lei impede que os consumidores do DF tenham a opção de preços mais competitivos, do exercício do direito de escolha e da comodidade e se ganhar tempo ao ser possível abastecer o carro no mesmo local em que realiza compras básicas para a sua família;, destaca o parecer. Durante três meses de investigação, a Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça analisou 29 hipermercados de outras cidades brasileiras. Ficou comprovado que, em 23 deles, o preço era menor nos postos de gasolina instalados nos estacionamentos de supermercados.

Os moradores de grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo estão acostumados a abastecer o carro após fazer compras. O custo-benefício é maior. Na capital paulista, por exemplo, o litro da gasolina chega a R$ 2,95. Nos postos do Extra e do Carrefour da capital, custa R$ 2,29. ;Estes postos vendem mais barato porque vendem mais. Em todas as cidades, a rede de combustível se expandiu. Os donos de postos de Brasília estão protegidos com a lei. E lei alguma deve servir para preservar ineficiência de setor. Se não conseguem enxugar seus custos e ter lucro gastando menos, há alguma coisa errada;, comparou a secretária de Direito Econômico, Mariana Tavares.

Com a falta de opção de preço do combustível, o motorista brasiliense fica no prejuízo. Em contrapartida, nas outras cidades, existem opções mais baratas dos postos instalados nos estacionamento de supermercados. Segundo levantamento da SDE, a diferença entre os valores chega a 5%. Insatisfeitos com a realidade de Brasília, a secretaria preparou um documento para fazer força contra alei atual. Segundo Mariana Tavares, o parecer ;agressivo; é uma iniciativa inédita da secretaria. ;Estamos bastante seguros dos efeitos anticompetitivos dessa lei. Não há razão alguma para que ela permaneça em vigor;, defendeu. ;O tom é forte porque os dados são muito eloquentes. Calculamos o prejuízo dessa lei. Ela impede que os preços caiam 5%;, completou.

Facilidade
O militar Francisco Antônio da Silva, 58 anos, usa com frequência o carro da família e, por isso, gasta muito combustível. Ele acredita que as atividades diárias poderiam ser facilitadas caso a lei permitisse o funcionamento de postos de gasolina dentro de estacionamentos de supermercados. Frequentador de um hipermercado no fim da Asa Norte, bairro onde mora, Francisco acredita que ficaria satisfeito com o serviço. ;Facilitaria bastante a nossa vida, além de beneficiar os clientes do estabelecimento;, diz. Além da praticidade em fazer compras e, logo em seguida, abastecer o carro, Francisco também é a favor do preço menor do combustível.

A posição da Secretaria de Direito Econômico segue a mesma linha do parecer da Procuradoria-Geral da República, que considerou a lei inconstitucional no último dia 12. No documento enviado ao STF, o subprocurador Wagner de Castro Netto sustentou que a legislação em vigor desde 2000 fere o interesse público e impede a livre concorrência de mercado. Além disso, defende que a medida contribui para a consolidação de um cartel.

A lei distrital pode ser derrubada a qualquer momento pelo Supremo (veja Entenda o caso). O presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo e Lubrificantes do Distrito Federal (Sinpetro-DF), José Carlos Ulhôa, informou que ainda não tomou conhecimento do parecer do Ministério da Justiça e que só irá se pronunciar após ler o documento.

1- Rede
São 308 postos no Distrito Federal. Carrefour, Makro e Grupo Pão de Açúcar tentaram instalar postos nas lojas de Brasília, mas não obtiveram sucesso. No Extra da Asa Norte, a estrutura está montada à espera de decisão judicial. O Grupo Pão de Açúcar tem 78 postos em nove estados brasileiros. O Carrefour possui 92 em 10 estados. No caso do Makro, são 28 ao todo. Nessas cidades, os motoristas contam com preços menores e ainda pagam com os cartões das redes, que parcelam em até dois meses.

ENTENDA O CASO
Palavra final do STF

A Lei Distrital Complementar n; 294, de 27 de junho de 2000, é de autoria do Executivo, à época comandado por Joaquim Roriz. Ela proíbe a instalação de postos de combustíveis em supermercados, teatros, cinemas, shopping centers, escolas e hospitais públicos. Foi aprovada com base no argumento de que postos não podem ficar perto de áreas onde há grande conglomerado de pessoas.

O relatório final da CPI dos Combustíveis, em 2003, no entanto, apontou que os donos de postos se mobilizaram para barrar os postos em supermercados, temendo a concorrência. Naquele mesmo ano, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), ligado ao Ministério da Justiça, condenou o sindicato que representa os postos e as redes Gasol e Igrejinha por esse motivo e por formação de cartel.

Em outubro de 2004, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) pediu à Justiça a inconstitucionalidade da lei. Os desembargadores do Tribunal de Justiça do DF negaram o pedido. Em novembro do ano passado, o MP recorreu da decisão no Supremo Tribunal Federal. A PGR se manifestou a favor da inconstitucionalidade. O ministro Celso de Mello, do STF, relator do processo, ainda analisa o caso.