Depois de nove meses de vida em comum, as gêmeas siamesas Ana Lara e Ana Clara lutam pela sobrevivência agora separadas. Submetidas a uma cirurgia no último sábado (14/11), as brasilienses estão internadas na UTI do Hospital Materno-Infantil (HMI) de Goiânia, em Goiás, e não têm previsão de alta.
Mais forte desde o nascimento, Ana Clara ainda respira com a ajuda de aparelhos, mas o quadro dela é estável, segundo o cirurgião-pediátrico Zacharias Calil, responsável pela separação das irmãs. Ela tinha nove quilos na ocasião da cirurgia.
Já o estado de Ana Lara é preocupante. A gêmea menor, que ao ser operada tinha três quilos a menos, sofre de duas patologias que inspiram maiores cuidados no pós-operatório: um problema cardíaco, devido à má formação do órgão, e insuficiência renal. Nesta quinta-feira (19/11), ela passou pela segunda sessão de hemodiálise.
As gêmeas nasceram unidas pela parede abdominal, com um único fígado, e compartilhavam parte do coração. A cirurgia de separação durou seis horas e envolveu uma equipe de 10 profissionais, entre cirurgiões-pediátricos e anestesista. Um procedimento avaliado como bem sucedido, apesar da alta complexidade.
Risco
Embora conhecesse o quadro antes de operar as crianças, Calil disse ter se deparado com uma situação mais delicada do que avaliou inicialmente. Contudo, a cirurgia era estritamente necessária. O cirurgião-pediátrico já realizou 17 operações desse tipo, sendo 13 de crianças nascidas em Goiás e quatro de outros estados (Tocantins, Bahia e Pernambuco). Esse foi o primeiro caso proveniente de Brasília.
De todos os gêmeos separados pelo especialista até agora, apenas uma menina morreu. Segundo o médico, ela havia nascido com um problema neurológico. No caso das brasilienses, a má formação no coração de Ana Lara é um fator complicador. "É muito grave, mas existe chance", disse o médico, sem arriscar uma porcentagem.
Luta
Procurada pela reportagem, a mãe das crianças preferiu não falar. Os pais, identificados apenas pelo primeiro nome (Fábio e Fabiana), moram no Distrito Federal. Fábio trabalha como jardineiro numa chácara da zona rural próxima à DF-140. Fabiana soube da ligação das filhas durantes os exames de pré-natal.
Ela deu à luz no Hospital Regional da Asa Sul no fim de janeiro deste ano. Aguardava as filhas ganharem peso para a realização da cirurgia, quando os médicos do DF informaram que uma das garotas teria apenas 10% de chance de sobreviver. Decididos a lutar pela vida das duas meninas, os pais procuraram Zacharias Calil e pediram ajuda para as filhas.
Sem condições financeiras para se manter no estado vizinho, o casal conseguiu hospedagem na Casa do Interior, uma instituição que abriga pacientes de outras localidades para consultas e tratamentos médicos. A casa, mantida pela Organização das Voluntárias de Goiás (OVG), fica a duas quadras do HMI, onde as meninas estão internadas.
Segundo funcionários do local, os pais passam o dia no hospital e voltam apenas no fim da tarde. A mãe tem autorização para acompanhar as filhas na UTI.
Memória
Em setembro de 2003, duas siamesas nascidas em Taguatinga foram separadas no Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF). Gêmeas onfalópagas, Letícia e Lorena, que nasceram ligadas pela região umbilical, viraram xodó do berçário do hospital. A cirurgia, realizada pelo pediatra Márcio Moren, foi um sucesso. Um ano depois, elas já balbuciavam as primeiras palavras e arriscavam os primeiros passos agarradas aos móveis.
Saiba mais
Quando os irmãos gêmeos nascem grudados por alguma parte do corpo, eles são chamados pelos médicos de teratópagos, porém são popularmente conhecidos como siameses.
O nascimento de gêmeos acontece quando o óvulo é fecundado e se divide em duas partes. Quando essa divisão se dá por completa, as crianças nascem perfeitas. Quando a divisão é incompleta, dá origem aos siameses.
Os pesquisadores sabem que a ocorrência de gêmeos ligados é maior entre as meninas. Ocorrem três casos de siamesas para cada caso de siameses.