Jornal Correio Braziliense

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Condenado a 20 anos de prisão, rapaz chegou a ficar 14 meses na cadeia. Mas é inocente

A condenação de um advogado pelo assassinato de um homem que, depois, descobriram estar vivo, revelada na terça-feira pelo Correio, não é o único erro recentemente admitido pelo Tribunal Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). Após apontar falhas no processo, ausência de provas e arbitrariedades de um juiz de primeira instância, além de ilegalidades cometidas por policiais, desembargadores também mandaram soltar e anular a pena de um verdureiro morador da área rural de Planaltina condenado a 20 anos de prisão em regime fechado por latrocínio (roubo com morte).

Quando foi preso, na primeira hora de 27 de agosto de 2003, Aldo José Silva Rodrigues tinha a saúde perfeita. Quase 14 meses depois, quando magistrados ordenaram a sua soltura imediata, ele deixou o a penitenciária da Papuda 20kg mais magro, surdo de um ouvido, com a audição diminuída no outro e órgãos intestinais inutilizados. A debilidade é consequência de espancamentos e da falta de assistência, segundo médicos e a Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Câmara dos Deputados.

Ex-patrão
O crime imputado a Aldo, hoje com 28 anos, ocorreu por volta das 23h de 26 de agosto de 2003, em uma chácara do núcleo rural Taquara, em Planaltina, onde ele mora. O caseiro do terreno e o filho dele contaram, em depoimento, que viram três homens ; dois encapuzados e outro de rosto descoberto ; chegar num carro não identificado e entrar na propriedade armados. Ambos disseram ter fechado a porta da casa e ouvido 15 tiros. Ouviram o veículo partir e um grito do dono da chácara, um aposentado de 76 anos. Ele estava sozinho na residência, baleado, a uns 50m da moradia da família do caseiro.

Em depoimento, o caseiro e o filho afirmaram ter sido levados da casa do patrão uma TV 29 polegadas, um aparelho de som, uma rede de descanso, um aparelho de telefone celular e um macaco hidráulico. Contaram ter visto cartuchos calibre .38 e 7.65mm no terreno. Declararam ainda ter ouvido, da boca da vítima, que um dos assassinos era Aldo. O homem morreu no hospital, sem conseguir falar com a polícia. Aldo foi preso por dois policiais militares pouco após a meia-noite de 26 de agosto de 2003, na BR-020, com a Kombi carregada de verduras.

Sem dinheiro para pagar advogado, a mãe de Aldo, uma costureira, e o pai, aposentado pela cegueira adquirida há 29 anos, recorreram à Defensoria Pública. O rapaz acabou condenado em primeira e segunda instâncias. O caso começou a se reverter após a CDH saber do estado de saúde dele na cadeia e identificar falhas no processo. A comissão pediu a revisão da condenação e, em 2005, os desembargadores do TJDFT concordaram em anular a pena e absolver o rapaz.

INDENIZAÇÃO
Quatro anos após ser absolvido pelo TJDFT, Aldo José Rodrigues ainda luta na Justiça por uma indenização. Antes de ser preso, ele tinha uma kombi com a qual conseguia ganhar até R$ 1,5 mil mensais, levando verduras à Ceasa. Agora, ganha um auxílio de R$ 465 do INSS pela invalidez. Mês passado, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados entrou com ação de indenização de R$ 200 mil contra o GDF e pedido de assistência médica total e gratuita ao rapaz, que nem sequer tem um aparelho auditivo.



; Falhas e falta de provas

Na absolvição de Aldo Rodrigues, o desembargador Edson Alfredo Smaniotto apontou falhas no processo. A primeira foi o fato de os oito testemunhos de defesa terem sido ;ignorados;. Entre as testemunhas, estão dois policiais militares do Núcleo Rural Taquara. ;Eles disseram ter visto Aldo no dia do crime, entre as 23h e as 23h45, saindo da esquina em que mora com a Kombi carregada de verduras;, destacou Smaniotto. Os horários foram confirmados por mais seis pessoas.

O desembargador destacou ainda a falta de provas materiais. ;Na Kombi (do acusado), não encontraram armas nem qualquer dos objetos subtraídos. Também nada foi encontrado na residência de Aldo. A única arma apreendida estava na residência do caseiro. E de calibre .38 (igual os projéteis encontrados na cena do crime), mas não foi realizado o confronto balístico.; Smaniotto acrescentou: ;Ao ser detido, Aldo se fazia acompanhar de dois ajudantes. No entanto, estes não foram indiciados;. Um deles afirmou ter sido torturado na delegacia. Lesões nos pés e nas mãos foram comprovadas por meio de laudo do Instituto de Medicina Legal (IML).

Aldo, que até ser preso tinha planos para expandir o negócio, agora vive em casa, amparado pela mãe. ;Surdo, com uma bolsa no lugar do meu intestino, não consigo mais trabalhar, ajudar em casa, nem jogar bola, me divertir.;