Jornal Correio Braziliense

Cidades

Tristeza com o abandono

Sônia Maria Ferraz perdeu o único filho com 23 anos em 5 de junho de 2006 num acidente de carro. Desde então, ela visita ao túmulo de Diogo de 15 em 15 dias. Tem época que a saudade aperta muito e a mãe aumenta a frequência. Na semana passada, Sônia esteve três vezes em frente à sepultura do filho. Chora pela perda e por desgosto. Não consegue manter o túmulo preservado. Uma forma que a aposentada descobriu para se sentir mais perto dele é cuidar do local onde o corpo foi enterrado, numa área do cemitério-parque. %u201CFico muito magoada porque toda flor que coloco é arrancada%u201D, diz a mulher. Sem conseguir manter os vasos de plantas naturais, a professora cimentou ramos artificiais. %u201CArrancaram de novo. Fiz duas reclamações por escrito à administração. Numa das vezes, o gerente me pediu desculpas e disse que não aconteceria mais. Da última vez, me informaram que as flores foram tiradas em função do corte de grama%u201D, diz a mulher. Recentemente ela retocou as bordas de cimento, pintou a lamparina de branco e passou verniz na placa com as inscrições do filho. Ao redor do túmulo de Diogo, Sônia aponta vários outros que recebem a visita frequente dos familiares e aqueles que ficam por conta da administração. Esses, quase sempre, estão sujos e com peças quebradas. Sônia atribui a má conservação à falta de policiamento no cemitério. %u201CEstou aqui sempre e nunca vejo segurança. Outro dia uma mulher teve o carro roubado%u201D, conta. A 30km do Campo da Esperança, no cemitério do Gama, Nadir Ferreira Ramalho, 53 anos, também experimenta uma sensação de desleixo com um ente querido. A dona de casa tem uma irmã, o pai e cunhados enterrados no cemitério da cidade. Ela visita o túmulo da caçula desde 1970, quando a menina de quatro anos morreu de meningite. De tempos em tempos, a família paga algum jardineiro para limpar o túmulo, mas mesmo assim é difícil manter o lugar apresentável. O mato está alto, a lápide rompeu e a lama ao redor da sepultura tornou o aspecto ainda mais largado. %u201CA gente paga um valor para eles arrumarem, mas quem anda todo o cemitério vê que a administração só trata com respeito quem está enterrado lá na frente. Os túmulos mais antigos são praticamente abandonados%u201D, reclama. Nadir diz que pediu à gerência a exumação do corpo para trocar os restos de lugar: %u201CMe disseram que como ela morreu de meningite, não poderia ser removida daqui%u201D. Sem rumo A pouca sinalização e a falta de endereço de algumas quadras no cemitério de Taguatinga atrapalham quem circula pelo local. A professora Terezina Ramos Cardoso, 52 anos, ficou perdida ao procurar o túmulo de um tio, na área próxima ao cemitério-parque. Moradora de Tocantins (MA), ela e parte da família vieram na última quarta-feira a Brasília acompanhar o velório de uma tia. Aproveitaram a triste ocasião para ir ao túmulo do parente, morto há 12 anos. %u201CNem sei onde ele pode estar. Não há endereço para a gente se localizar. O jeito é ir olhando com cuidado%u201D, afirma. Ela criticou o estado de conservação do cemitério brasiliense. %u201CFaz tempo que não venho aqui. Estou achando tudo muito danificado, quebrado. Dá uma tristeza no coração de saber que parentes queridos estão sepultados num local onde não terão um descanso tranquilo%u201D, desabafa. Nos fundos do cemitério de Taguatinga, túmulos estão abertos e parcialmente destruídos. É o caso da sepultura de Ailto da Silva, morto em 1993. A cruz que carrega seu nome está solta, caída sob a construção exposta. Ao lado dela, há outra campa arrebentada, onde é impossível identificar quem um dia foi enterrado lá. Uma das causas da depredação do local pode estar relacionada ao livre acesso que as pessoas têm no fim do cemitério. Há uma porta encravada no muro, que fica aberta a população durante o dia. É uma passagem para quem quer fazer do cemitério um atalho. Preparação para Finados A empresa Campo da Esperança se prepara para receber a população no feriado de 2 de novembro. A expectativa é de que 560 mil pessoas compareçam aos cemitérios no Dia de Finados. De 31 de outubro a 1º de novembro será realizada a Operação Finados, com a instalação de banheiros químicos e novos terminais de atendimento, acréscimo do número de funcionários e adaptações para o acesso de veículos às unidades são algumas das medidas previstas. O arcebispo de Brasília, dom João Braz de Aviz, celebrará uma das 34 missas campais que estão previstas para a data. A missa que o arcebispo irá rezar está marcada para às 17h, no Campo da Esperança, na Asa Sul. O funcionamento no feriado será das 7h às 19h. Nos dois dias anteriores, o acesso permitido será das 7h às 18h. Empresa prevê obras Apesar das reclamações sobre a má administração nos cemitérios do DF, a concessionária Campo da Esperança Ltda. alega cumprir as exigências previstas no contrato de concessão firmado com o governo em 2002. O documento concede à empresa o direito de uso e de gestão das unidades por 30 anos, podendo ser prorrogado pelo mesmo período. De acordo com a assessoria de imprensa da concessionária, já foi apresentado ao governo local um cronograma de obras a serem realizadas em todos os cemitérios. Instalação de asfalto e construção de calçadas são algumas delas. A demora para o início dos reparos é justificada pela falta de dinheiro. A empresa afirma estar há mais de três anos sem qualquer reajuste das tarifas cobradas pelos serviços prestados. Segundo a Campo da Esperança, o GDF tem de homologar anualmente o reajuste das taxas e isso não está sendo feito. A assessoria de imprensa informa ainda que a firma está interessada e disposta a realizar as melhorias apontadas no relatório dos inspetores do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF), mas sustenta que %u201Csem recursos para investimentos é inviável%u201D. Em relação aos jardineiros que trabalham fazendo a manutenção dos túmulos, a empresa afirma não haver nenhum tipo de vínculo empregatício regulamentado. E destaca que é %u201Cestranho o tema não ter sido abordado de maneira clara nas conclusões dos TCDF%u201D. De acordo com a Campo da Esperança, existe uma decisão do próprio tribunal proibindo a atividade dos jardineiros nos cemitérios. (LM e LT)