Das usinas para as distribuidoras. Das distribuidoras para os postos. E dos postos para o bolso do consumidor. Ontem, o álcool e a gasolina amanheceram mais caros. O álcool subiu, em média, R$ 0,14 (7,5%) e vale R$ 1,99 o litro em vários pontos da cidade. A gasolina passou de R$ 2,66 para R$ 2,74, diferença de R$ 0,08 (3%). Os novos preços(1) assustaram quem precisou abastecer. Empresários do setor culpam a entressafra da cana-de-açúcar pelo reajuste, se dizem preocupados com a situação e avisam: até o início do mês que vem, virá mais aumento. Pelo menos o diesel se manteve em R$ 2,05.
De acordo com o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Combustíveis Automotivos e de Lubrificantes do Distrito Federal (Sinpetro), José Carlos Ulhôa, a explicação é simples: o preço do álcool subiu por conta do período chuvoso e puxou os novos valores. ;O problema é o álcool. Em julho, a distribuidora vendia o litro por R$ 1,36. Esta semana, ele passou a valer R$ 1,58;. Segundo a pesquisa semanal realizada pela Agência Nacional de Petróleo (ANP), o preço médio do litro do álcool que sai das distribuidoras custava, há uma semana, R$ 1,47 no DF. ;Esses números estão completamente defasados e não são confiáveis;, atacou Ulhôa.
A maioria dos postos nas asas Sul e Norte, no Setor de Indústrias Gráficas (SIG) e no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA) alterou os preços logo no início da manhã de ontem. Um ou outro ainda mantinha o preço do litro da gasolina abaixo de R$ 2,70. A gasolina aditivada chegou a R$ 2,78 em alguns postos. ;O que meu vizinho faz eu faço. Faz parte da concorrência;, justificou o presidente do sindicato. ;É um aumento atrás do outro nas distribuidoras. A gente vai segurando enquanto pode, mas chega um momento em que não dá mais;, completou.
Em um posto BR do SIA, a chiadeira dos motoristas começou cedo. ;A reclamação aumentou, mas o movimento não cai, porque o povo tem que abastecer mesmo;, constatou o subgerente, sem se identificar. O corretor de imóveis Adrian Aguilo, 31 anos, enchia o tanque de gasolina revoltado. ;Sinceramente, não dá para falar mais nada;, resumiu o motorista, que percorreu três postos antes de parar ali. ;É difícil acreditar. Eles fazem isso porque sabem que sem carro ninguém vive nessa cidade;, afirmou.
Sem surpresas
Nos postos da Rede Gasol, o aumento já se concretizou. ;O problema todo está no álcool. É um absurdo, mas não teve outra solução;, comentou o presidente da rede, Antônio Matias, que se prepara para se lançar candidato a uma vaga no Senado Federal em 2010. Ele disse que está preocupado, principalmente, com o aumento do álcool na bomba. ;A gasolina está subindo lentamente. Mas o álcool já alcançou quase R$ 2. E vem mais aumento por aí, infelizmente;, adiantou.
Quem chegava aos postos ontem para abastecer se assustava com o aumento, mas não se surpreendia. ;É mais um;, lamentou o empresário Fabiano Moreira, 22 anos. Ele precisa do carro para trabalhar. Dirige pelo menos 2 mil quilômetros por mês e, por isso, abastece o carro praticamente toda semana. ;Oito centavos a mais por litro (de gasolina) vai fazer uma diferença enorme no meu orçamento;, reclama o jovem, que prefere não encher o tanque. ;Coloco de pouquinho justamente pra ver se eu sinto menos no bolso um preço tão caro;, justificou.
Em um posto da 109 Norte, da Rede Z Z, o propagandista Deocleciano Júnior, 37, nem percebeu o reajuste, algo raro ontem. ;É tanto aumento que perdi o hábito de observar os preços. É um absurdo, mas a gente acaba tendo de aceitar essa situação, não tem jeito;, comentou. Na 115 Sul, o dono de um posto Esso aumentou os preços, mas os manteve um centavo abaixo dos valores da concorrência: R$ 2,73 a gasolina e R$ 1,98 o álcool. ;Pode ver, é o preço mais barato;, gabou-se o chefe de pista.
Ulhôa, presidente do Sinpetro-DF, sustenta que a culpa dos aumentos excessivos e constantes é do governo federal. ;Não existe uma política de abastecimento para o etanol. Todos os anos, o problema se repete: vieram as chuvas e não se estocou álcool suficiente. Como o governo quer vender etanol para fora, se não consegue resolver isso?;, provocou.
Segundo ele, os governos locais também são responsáveis pelo aumento, porque ;não têm coragem; de amenizar a carga tributária dos combustíveis. ;Pelo menos R$ 1,12 do litro da gasolina é de tributos. Mas isso não muda porque o combustível representa um terço da arrecadação do ICMS;, argumentou.
1 - O que é melhor?
Como tem um rendimento menor, o álcool tem que custar, no máximo, 70% do valor da gasolina para ser vantajoso. Multiplique o preço do litro da gasolina por 0,7. Sempre que o resultado for superior ao preço do álcool, opte pelo segundo. Exemplo: os valores médios cobrados pela gasolina e pelo álcool no Distrito Federal estão, após o reajuste de ontem, em R$ 2,74 e R$ 1,99. Multiplicando R$ 2,74 por 0,7 dá R$ 1,91, valor inferior ao do álcool. Nessa caso, não vale a penaabastecer com álcool.
MP investiga margem de lucro
Está em andamento na Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) uma investigação sobre o preço do álcool cobrado na capital federal. ;A margem de lucro de Brasília está acima da média;, assegura o promotor Leonardo Bessa. Ele lembra que o MP já ajuizou ação questionando o preço da gasolina, considerado abusivo depois de seis meses de levantamento de informações. A ação está na 3; Vara Cível de Brasília e pode ser julgada a qualquer momento, segundo o promotor. ;O MP conseguiu demonstrar que, nos últimos anos, o preço final para o consumidor não corresponde aos aumentos observados nas distribuidoras, o que configura a cobrança abusiva;, comenta Bessa. A investigação é feita com base nos dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP), os mesmos que o presidente do Sinpetro-DF considera defasados e não confiáveis.
O presidente do Procon-DF, Ricardo Pires, diz que causa estranheza o fato de os aumentos nos postos de gasolina serem na mesma proporção e no mesmo intervalo de tempo. ;Os postos têm bandeiras diferentes, algumas estão mais perto das refinarias, o aluguel que elas pagam é diferente, o valor do IPTU também;;, enumera ele, sem querer usar a expressão cartel, prática criminosa de combinação de preços. Pires destaca que o Procon-DF não tem competência para agir em caso de cartel. Caberia, nesse caso, à Secretaria de Direito Econômico e à própria Agência Nacional do Petróleo (ANP) tomar providências.