Jornal Correio Braziliense

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O mundo descobre Brasília

Na terceira e última reportagem da série sobre os seis meses que antecederam a inauguração da capital, o Correio revela o deslumbramento dos estrangeiros com as obras de Niemeyer e Lucio Costa

Brasília, 21 de abril de 1959. Avião da Vasp pousa na cidade em construção trazendo a bordo uma comitiva da Embaixada da Austrália no Brasil. Os estrangeiros se hospedam no Brasília Palace Hotel. Um dia antes, vindo de Goiânia, o escritor Gilberto Freire passara pela nova capital, onde pernoitou. Declarou a amigos ser ;simplesmente maravilhoso; tudo o que havia visto no Planalto Central.

Naquele tempo, Brasília já havia deixado de ser assunto exclusivamente nacional. A um ano de sua inauguração, a cidade atraía olhares de todos os cantos do mundo. Presidentes, reis, rainhas, artistas, estudiosos, jornalistas brasileiros e estrangeiros. Todos queriam conhecer e entender os traços do projeto urbanístico de Lucio Costa e dos monumentos de Oscar Niemeyer.

O interesse aumentou quando as discussões e o planejamento foram substituídos pelo acelerado ritmo da construção. Líderes mundiais e intelectuais cruzavam as ruas empoeiradas, se misturavam aos candangos no imenso canteiro de obras. Tudo para ver um lugar quase sem asfalto, água encanada, esgoto tratado, prédios prontos.

Em 20 de fevereiro de 1959, o príncipe Bernardt, da Holanda, desembarcou no improvisado aeroporto, com terminal de passageiro feito de madeira, para uma série de compromissos em Brasília. O mais importantes deles era a inauguração do primeiro serviço telefônico automático urbano da nova capital. Ao lado do presidente Juscelino Kubitschek, o príncipe anunciou o funcionamento de 250 linhas, que deveriam ser instaladas em três meses.

Não era a primeira visita oficial de um chefe de estado ao poeirento Planalto Central. Herdeiros do trono do Japão, o príncipe Mikasa e sua princesa Michiko visitaram as obras em 16 de junho de 1958. Inesperadamente, JK os levou à Vargem Bonita ; hoje na região do Park Way ;, onde os agricultores eram japoneses. Os cerimoniais dos dois governos entraram em desespero. Os príncipes adoraram a surpresa.

Presidente da Itália, Giovanni Gronchi esteve na cidade em construção em 8 de setembro do mesmo ano. ;Brasília é a maior de todas as obras humanas desde os tempos romanos: está sendo edificada com a monumentalidade de Roma e o sentido romano de perenidade;, ressaltou, após conhecer esqueletos de prédios e ruas sem pavimentação. JK chamou a atenção dele para a Península Norte (futuro Lago Norte), construída no formato do mapa da Itália, e para o fato de que 21 de abril, data marcada para a inauguração de Brasília, coincidia com a inauguração de Roma.

A duquesa e Fidel

Em 13 de março de 1959, com a mulher, Sarah Kubitschek, JK desembarcou em Brasília para receber integrantes da família real inglesa. Na breve visita ao Planalto Central, a Duquesa de Kent, prima da rainha-mãe, fez questão de conhecer Niemeyer. Ele veio resmungando, apressado, em mangas de camisa, candango, empoeirado. ;Bom-dia. Obrigado. Bondade sua.; Apressado, voltou correndo. Havia muito o que fazer, sempre.

Pouco mais de um mês depois, em 30 de abril, foi a vez de Fidel Castro, líder da revolução cubana, circular pela cidade em construção. Uma multidão o esperou no aeroporto, sem esquema de segurança. Dessa vez, foi o convicto comunista Niemeyer quem fez questão de ir ao encontro do estrangeiro. O arquiteto esqueceu, por um instante, o volume de trabalho que o esperava.

Capital da esperança

Mas nenhum visitante ilustre mexeu tanto com os brios de Brasília como o que desembarcou em terras candangas em 25 de agosto de 1959. No discurso de lançamento da pedra fundamental da Casa da Cultura Francesa, o então ministro da cultura da França, André Malraux, batizou Brasília como ;a capital da esperança;. Frase que correu o Brasil e o mundo.

;Quase todas as cidades nascem espontaneamente em derredor de um lugar privilegiado. Que a história contemple conosco, neste momento, o primeiro despertar de uma cidade que a vontade humana, sozinha, fez surgir. Se houver renascer, algum dia, a antiga paixão das inscrições nos monumentos gravar-se-á sobre os que aqui irão nascer: audácia, energia, confiança. Não será, provavelmente, a divisa oficial, mas com certeza a que vos dará a posteridade;, declarou Malraux.

Para muitos, a visita e, principalmente, o título de ;capital da esperança; serviram de estímulo aos operários e de resposta aos críticos da transferência da capital do Brasil do Rio de Janeiro para o Planalto Central. ;O discurso de André Malraux foi uma dádiva para Brasília. Naquele momento, o projeto de construção da cidade sofria uma dura campanha de congressistas opositores de JK;, lembra o jornalista e historiador Adirson Vasconcelos, 73 anos, que já em 1959 trabalhava na nova capital havia dois anos.

Discurso inflamado
JK mandou organizar uma grande festa no dia do trabalhador, na cidade em construção, em 1; de maio de 1959. Aproveitou a multidão presente e eufórica para fazer um discurso inflamado: ;Estamos enfrentando agora, sobretudo no tocante a Brasília, o recrudescimento de uma onda de incompreensões. Não temo a arremetida dos que querem, hipocritamente, anunciar que foi inoportuna a construção de Brasília e que é necessária a protelação de sua instalação;.

Mas os ataques e manobras políticas contra JK para adiar a data da mudança da capital e da inauguração de Brasília não cessaram. Em 2 de setembro de 1959, o deputado pelo Rio de Janeiro Sérgio Magalhães apresentou projeto de lei para adiar a mudança da capital para 1; de janeiro de 1961, sob a justificativa de que a construção de Brasília estava exigindo ;recursos superiores ao que o Tesouro podia voluntariamente dispor para aquele fim;.[SAIBAMAIS]

Naquela data, o mandato de Juscelino teria acabado. No entanto, ele deixou o governo com o sonho da nova capital concretizado em uma grande festa de inauguração, na data marcada: 21 de abril de 1960.

Colônia agrícola
Em 1968, dirigentes da Cooperativa de Cotia (SP), formada por produtores rurais japoneses e seus descendentes, receberam proposta de terras em Brasília. As famílias que aceitaram o convite ganharam 65 lotes, de 4,5 hectares, drenados, por se tratar de brejo, na área rural de onde hoje é o Park Way. A concessão de uso era para 30 anos, com o pagamento de pequena taxa anual. Tiveram que limpar a área, comprar as sementes e o material necessário para tratar e irrigar o solo. Nasceu assim a Vargem Bonita.


Fonte: Diário de Brasília, Novacap / Brasília, memória
da construção, de L. Fernando Tamanini / A capital da
esperança, de Gustavo Lins Ribeiro, Editora da UnB