Jornal Correio Braziliense

Cidades

Imóveis fora do Plano Piloto viram atração

Quem não tem como aplicar no centro de Brasília busca nas cidades e no Entorno empreendimentos que assegurem rentabilidade

Os olhares de quem investe em imóvel na capital federal não se concentram mais somente no Plano Piloto. Gente jovem, preocupada com o futuro e estimulada por um mercado superaquecido, descobriu nas cidades do Distrito Federal e Entorno um nicho próspero. É cada vez maior o número de pessoas que compram terrenos para construir kits ou adquirem apartamentos prontos para alugar em regiões periféricas. Quem não pode desembolsar R$ 8 mil por metro quadrado no badalado Noroeste, por exemplo, paga quatro vezes menos longe do Plano e colhe resultados igualmente animadores. O economista Roberto Pisciteli encara o fenômeno com ceticismo e classifica como medíocres esses investimentos (veja Palavra de especialista).

As imobiliárias estimam que 20% dos imóveis vendidos atualmente no DF são do chamado segmento econômico, cujo valor do metro quadrado não passa de R$ 2,5 mil. Com a escassez de terrenos livres em Brasília, as grandes construtoras direcionaram seus investimentos para cidades do DF e Entorno, com destaque para Samambaia, Ceilândia e Taguatinga, além de Valparaíso e Águas Lindas, em Goiás. O lançamento de empreendimentos voltados para as classes C, D e E despertaram o mercado para localidades até então desvalorizadas e provocaram, este ano, um boom imobiliário nos arredores da capital. Essa mudança de foco começa a ter reflexos.

A facilidade de financiamento, as baixas prestações e, principalmente, a vontade de ter um negócio rentável fizeram o empresário Charles Augusto da Silva, 24 anos, comprar seu primeiro imóvel em maio deste ano. O lugar escolhido foi Ceilândia. Na época, ele pagou R$ 2,2 mil pelo metro quadrado, que hoje vale R$ 2,7 mil. ;Em cinco meses, ganhei 22%;, calcula. Se tivesse aplicado o mesmo valor na poupança, a rentabilidade do investimento de Charles não chegaria a 3%. ;Não tenho bala na agulha para comprar no Noroeste ou no Sudoeste, mas acho que é um bom começo. Vou pagando baratinho, devagar e daqui a pouco passo pra frente;, planeja.

Conta para o inquilino
Em muitos casos, os compradores conseguem cobrir as taxas do financiamento com as prestações pagas pelos inquilinos. Na avaliação do presidente da Associação dos Dirigentes de Mercado Imobiliário do DF (Ademi-DF), Adalberto Valadão, investir fora do Plano é uma tendência natural. ;Não é que seja melhor negócio, é porque simplesmente as pessoas começaram a observar os nichos e a se adaptar a eles;, comenta. Com o mercado fervendo, o preço de imóveis nas cidades do DF e do Entorno tende a aumentar nos próximos anos. ;A procura muito alta faz com que os preços subam, é normal. E eles estão subindo. A hora de investir é agora;, avalia.

Para o vice-presidente do Conselho Regional dos Corretores de Imóveis do DF (Creci-DF), Getulio Romão Campos, o ;maremoto imobiliário; de Brasília se espalhou pelas cidades vizinhas. De acordo com ele, há lista de espera de gente disposta a comprar terrenos em Taguatinga e em Valparaíso, por exemplo. ;Não temos conseguido atender a demanda. Está faltando para quem quer;, garante Campos, antes de destacar: ;Os donos de imóveis das cidades do DF e Entorno têm entendido a dinâmica do mercado e está ficando difícil encontrar quem queira vender. As pessoas não querem mais porque perceberam que poderiam estar se desfazendo de uma coisa boa;.

A advogada Grazielle Diniz Marques, 28, não perdeu tempo e considera que fez um bom investimento. Este mês, deu entrada em uma quitinete de 37 metros quadrados perto de onde será construída a nova estação de metrô do Guará. O financimento está aprovado pelo banco. Falta apenas assinar o contrato. O imóvel custará R$ 140 mil. Com esse valor, ela não conseguiria nada no Plano. ;Achei um apartamento de 27 metros quadrados no Sudoeste por R$ 183 mil;, compara. Segundo ela, não faltam interessados para alugar o imóvel. ;Pensei em comprar algo que fosse rentável, mas se algum dia eu resolver me mudar, já vou ter um apartamento pronto;, cogita.

Crédito mais fácil
Atentas à expansão do mercado fora do Plano Piloto, imobiliárias têm se preparado para uma nova realidade. O Grupo Lopes Royal, por exemplo, trouxe para Brasília a Habitcasa, especializada em imóveis do segmento econômico. A nova empresa vai atender consumidores das cidades do DF e Entorno e também pessoas interessadas em investir nessas localidades. ;Com o fim da distribuição desenfreada de lotes, o governo deixou de ser um concorrente nessas regiões, o que fez esse segmento crescer ainda mais;, conta o diretor-executivo do grupo, Marco Antônio Demartini. A Habitcasa venderá imóveis de até três quartos.

O aumento no número de investidores em imóveis mais baratos e com uma perspectiva de rentabilidade se deve muito à facilidade de acesso da população a linhas de financiamento. Iniciativas do governo federal, como o programa Minha Casa, Minha Vida(1), também impulsionam essa fatia do mercado imobiliário. ;Existia um déficit de imóveis nas cidades do DF. Não vejo como um novo boom, o mercado apenas está chegando em lugares que estavam esquecidos havia muito tempo;, analisa um dos diretores do Sindicato da Habitação do DF Ovídio Maia.

A corretora Alzira Gibson, 47 anos, trabalha no mercado de Brasília há seis e afirma que nunca viu uma procura tão grande de pessoas querendo investir fora do Plano. ;Tenho cliente que me diz: ;Tudo o que você tiver no Entorno, eu compro;;, conta. Em menos de 15 dias, acrescenta, 400 unidades de um empreendimento em Santa Maria foram vendidas. A maioria para jovens, solteiros ou recém-casados, que pretendem fazer render o dinheiro. ;Até eu comprei um apartamento. Já estou pensando na minha aposentadoria;, comenta a corretora.

Colega de profissão de Alzira, Henrique Lopes, 50, também está surpreso com aumento da procura por imóveis que não sejam em Águas Claras, no Sudoeste ou nas asas Sul e Norte. ;Tudo o que se lança nas cidades do DF vende rápido. Tem gente que percorre os estandes em busca de oportunidades fora do Plano;, conta. Na avaliação de Lopes, as condições de compra seduzem os investidores. ;A pessoa paga muito pouco durante a obra e quando recebe a chave financia em até 30 anos o que falta. Não sei até quando isso vai durar, mas por enquanto tem sido assim;, conclui.

1 - Linha de crédito
Programa que promete viabilizar a construção de 1 milhão de moradias para famílias com renda de até 10 salários mínimos (R$ 4.650). Para isso, o financimento será facilitado e o governo fará parcerias com estados, municípios e iniciativa privada.


PALAVRA DO ESPECIALISTA
Retorno da aplicação é medíocre


;Eu vejo isso (o avanço dos investimentos em imóveis nas cidades do DF e Entorno) com muito ceticismo. E há também um pouco de caráter de bolha nessa história. Muitas pessoas de classe média investiram, por exemplo, em Águas Claras, apostando no futuro, e hoje têm dificuldade de se desfazer dos imóveis e recuperar o dinheiro aplicado. Há uma certa histeria em torno desses lançamentos cheios de propaganda fora do Plano Piloto. O indivíduo precisa avaliar bem as opções e as perspectivas. Investir em imóveis é um hábito que o brasileiro adquiriu por causa dos 40 anos de inflação, mas não é algo comum em países mais desenvolvidos. O mercado de Brasília tem suas peculariedades, pode dar certo em alguns casos. Mas a aplicação em imóveis é, em geral, uma aplicação medíocre do ponto de vista da rentabilidade. Muita gente esquece que não é fácil administrar um imóvel e que a relação com os inquilinos costuma ser complicada. Além disso, muitos, ao invés de lucrar, fazem dívidas por conta da alucinação em torno desse tipo de investimento.;

Roberto Piscitelli, economista, professor da Universidade de Brasília (UnB), ex-presidente do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal