Os dois rapazes de 17 e 23 anos que foram torturados por três então agentes da Força Nacional de Segurança (FNS) em um matagal a caminho de Cristalina (GO), no último dia 3, reconheceram os acusados na manhã de ontem, no Centro Integrado de Operações de Segurança (Ciops) do Jardim Ingá (GO). O crime foi registrado na 2; Delegacia de Polícia de Luziânia. Segundo o delegado titular da DP, Rafael Pareja, o reconhecimento foi realizado separadamante. O menor, Pedro*, foi o primeiro, e em seguida, o amigo João* também identificou o trio.
Para que eles apontassem os responsáveis, os bombeiros militares Erivan Oliveira Picanço, 37, do Amapá; Walter Misael Santos Rocha, 40, da Paraíba; e Valdenir Oliveira Mesquita, 37, de Brasília, apresentaram-se vestidos com a farda da Força Nacional, ao lado de outros cinco agentes também com uniforme. ;Eles observaram os oito elementos e identificaram os indiciados como autores do crime;, contou Pareja.
Os ex-agentes respondem, ainda, por estupro, lesão corporal e roubo ; João acusa um dos soldados de ter roubado um aparelho celular e R$ 25. Se condenados com a pena máxima, podem pegar até 29 anos de prisão. De acordo com Pareja, além de responderem ao processo criminal, a corregedoria de cada estado é responsável pelos processos disciplinares a que cada um será submetido. Segundo ele, o mais provável é que sejam expulsos das corporações. ;Já está provado que foram os acusados. O IML de Luziânia comprovou as lesões. Provavelmente, na próxima semana, o inquérito será encaminhado ao Poder Judiciário já concluído, ficando a critério do promotor o desfecho do caso;, explicou.
O Ministério da Justiça informou à reportagem que os agentes foram banidos da FNS e estão à disposição da Polícia Civil do Goiás e da Justiça do estado. Os agentes foram presos em 8 de outubro e levados para a 3; Companhia de Polícia Militar Independente, a Papudinha(1). A prisão vigora até 8 de novembro, quando a Justiça irá determinar se os acusados vão responder pelos crimes em liberdade.
Humilhação
Os ex-policiais da FNS teriam cometido os crimes após abordarem as vítimas em um bar no bairro Jardim Ipê, no Jardim Ingá, por volta das 23h do dia 3. Segundo João, ele estava encarregado de passar duas munições de pistola .40 de uso exclusivo de militares para um conhecido, e Pedro o acompanhava. Ainda de acordo com João, na hora de pagar a conta, as balas teriam caído do seu bolso e alguém teria avisado a viatura da Força Nacional, que fez a abordagem no bar. Os dois jovens não portavam documento de identificação.
;Eles só queriam saber da arma. Nos levaram para um matagal. Eles nos separaram e ficaram dois com o João e um comigo. Ele me batia e perguntava da arma. Disparou um tiro perto do meu ouvido. Depois, me queimou com o cano do revolver. Nós fomos amarrados. Esse mesmo agente me amarrou mais frouxo, para eu poder escapar. Depois que eles foram embora, nós fugimos. Fomos a pé para o Hospital Regional de Luziânia;, relatou Pedro.
João ficou em poder de outros dois agentes, sendo um deles o comandante da guarnição, Valdenir Mesquita. A vítima conta que teve o braço cortado, além de levar socos e pontapés, e que teria sido obrigado a tirar a roupa, quando Mesquita teria enfiado um galho de árvore no ânus do rapaz. ;O pior já passou. Só quero que eles sejam punidos pelo crime, afirmou o rapaz.
Os acusados prestaram depoimento no dia em que foram presos. Mesquita negou as acusações, Walter Rocha assume o fato, mas nega participação, e Erivan Picanço só falará em juízo. Segundo a advogada de Walter, Daniela Cristiane Almeida, a FNS estaria apressando o processo e negando, dentre outros direitos, a ampla defesa do bombeiro. Ela diz ter uma certidão assinada pelo comandante da FNS, coronel Luiz Antônio Ferreira, que comprova que ele não teria sido desligado da Força.
1 - Somente para militares
Localizada na cidade de São Sebastião, a Papudinha é um presídio destinado exclusivamente a militares acusados de crimes.
(*) Os nomes são fictícios para proteger a identidade das vítimas