Integrantes da Força Nacional de Segurança são acusados de ter torturado, estuprado, espancado e roubado dois jovens de Luziânia (GO), na noite do último sábado. Os crimes teriam sido praticados por três policiais, após abordagem aos jovens em um bar do bairro Jardim Ipê, na divisa de Luziânia com Valparaíso. Na tarde de ontem, Pedro*, 17 anos, e o amigo João*,23, foram ouvidos por mais de duas horas na 2; Delegacia de Polícia de Luziânia, no Jardim Ingá. Eles relataram os momentos de terror e mostraram as marcas das agressões: manchas roxas pelo corpo e até um corte de faca no pulso.
Os rapazes relataram que estavam na porta do bar, quando foram abordados pelos policiais. João estava com duas munições que seriam entregues a uma terceira pessoa. As agressões ; chutes e coronhadas ; teriam começado no momento em que as balas foram encontradas. Eles teriam sido colocados na viatura e, de lá, seguiram para um matagal que não sabem dizer onde fica. ;Estava escuro, mas acho que foi depois de Luziânia;, diz Pedro.
Ao chegar ao matagal, os jovens foram retirados da viatura que, segundo eles, tinha o nome da Força Nacional, vinculada ao Ministério da Justiça. Começava ali a sessão de tortura. João conta que os policiais obrigaram os dois a tirar toda a roupa e depois engatinhar no meio do mato. ;Eles queriam a arma. Mas a gente não tinha. Ficavam gritando que a gente ia morrer. Aí eles me enfiaram um pedaço de pau naquele lugar (no ânus);, conta, sem levantar a cabeça. Os policiais ainda teriam levado R$ 25 e as chaves de casa do rapaz. As vítimas disseram que os agressores também usavam uniformes da corporação, sem a identificação no bolso.
Enquanto João era agredido, Pedro foi levado por outro policial para um lugar mais afastado. ;Ele deu um tiro. Pegou um pedaço de pano e amarrou minhas mãos para trás;, relata Pedro, que estava com manchas roxas nas costas e braços. João ouviu o disparo e pensou que o amigo tinha sido assassinado. ;Eles (policiais) falaram que eu ia morrer devagarinho. Um deles foi à viatura, pegou uma faca e cortou o meu braço. Depois me amarraram no pé de uma árvore e foram embora;, conta.
Pedro conseguiu se soltar e foi ao encontro de João. Desamarrou o amigo e os dois andaram cerca de um hora. Foram direto para o hospital do Jardim Ingá e, de lá, seguiram para suas residências. A dona de casa Maria*, 39 anos, mãe de Pedro, disse que o filho contou apenas que tinha apanhado da polícia e o amigo tinha machucado o braço. ;Não me contou mais nada. Só soube pela polícia da covardia que fizeram com eles;.
João não entrou em detalhes sobre o caso com a família. A mãe não mora no Distrito Federal. Aqui ele tem um irmão e tios. Mas ninguém sabe pelo que ele passou. ;Isso vai ficar entre nós aqui. Por enquanto, não vou dizer, não;, disse. A faixa em seu braço esquerdo estava manchada de sangue. A pedido da reportagem, ele tirou o curativo e mostrou o ferimento. O corte foi de um lado ao outro do pulso. Apesar da greve da Polícia Civil goiana, os dois foram levados ontem ao Instituto de Medicina Legal de Luziânia, onde se submeteram ao exame do corpo de delito. Um policial adiantou que as lesões no ânus de João foram confirmadas, mas o laudo só fica pronto em 15 ou 30 dias.
Paralisação
Os policiais civis de Goiás cruzaram os braços na manhã de ontem. A categoria reivindica teto salarial de R$ 11,2 mil. A proposta do governo goiano é de R$ 4,8 mil. Esta é a terceira paralisação da categoria este ano. As delegacias vão funcionar com 30% do efetivo e só vão registrar ocorrências graves.
Penas
O crime de tortura prevê pena de 2 a 8 anos de reclusão. O de estupro, de 6 a 10 anos; o de lesão corporal; 3 meses a 1 ano; e roubo, 4 a 10 anos.
Proibidos de fazer rondas
De acordo com o delegado titular da 2; Delegacia de Polícia Civil de Luziânia, Rafael Pareja Camargo, surgiram comentários na cidade sobre a tortura a que os jovens foram submetidos e um dos investigadores decidiu percorrer os hospitais atrás de pacientes em situação que se encaixasse nesse tipo de agressão. ;Localizamos os jovens e eles confirmaram toda a história;, comenta. Um inquérito foi instaurado para apurar o caso.
O delegado informou que encaminhará um ofício ao comando da Força Nacional hoje, pedindo a relação dos nomes de quem estava de plantão no último fim de semana. A intenção é reduzir o leque de suspeitos. A agressão sofrida pelos jovens impressionou os policiais civis. ;Estou aqui há um ano. Existem três inquéritos que apuram abuso de autoridade. Mas é um tapa, um chute, um pescoção. Com essa violência, é a primeira vez;, afirmou o delegado. Caso todas as acusações fiquem comprovadas, as penas somadas chegam a 29 anos de reclusão.
;Acusações graves;
O subcomandante do Batalhão Escola de Pronto Emprego do Departamento da Força Nacional, capitão Carlos Renato Machado Paim, considerou as acusações graves, mas diz achar difícil que alguém da corporação tenha praticado tais atos. Ele explicou que os integrantes da Força Nacional que estão em Goiás não atuam mais no policiamento ostensivo. ;As viaturas que circulam por aí estão em serviço administrativo;, detalha.
O capitão Paim afirma que ainda não tinha detalhes da acusação e determinou a uma equipe que fosse à delegacia para tomar conhecimento da denúncia. Além disso, pediu que se levante o mapa de saída de viaturas. ;Se alguém da corporação fez isso, vai responder pelas acusações e por ter ido para a rua sem autorização. Nós temos que servir de exemplo para uma nova prática de policiamento. O Departamento de Força Nacional investe muito nisso;, destaca. Se ficar comprovado o envolvimento de algum policial no episódio, ele será desmobilizado da Força Nacional e devolvido ao estado de origem e responderá administrativamente.