FAINA (GO) ; Os irmãos Lázaro, 69 anos, Avelino, 72, e João Gonçalves da Silva, 75, são portadores de xeroderma pigmentoso há mais de meio século. Mal herdado pelo filho de um deles. No entanto, como outros 21 adultos dos 23 moradores do povoado de Araras, em Faina (GO), que não podem ficar sob o sol por causa da doença, os quatro nunca receberam ajuda do governo para prevenção. Muito menos pensão por serem proibidos pelos médicos de trabalhar fora de casa. Passaram a vida expostos aos raios ultravioletas, cuidando da lavoura e do gado para ter o que comer e vestir. Acabaram contraindo câncer de pele. Perderam partes do corpo na retirada dos tumores. Também sem assistência, alguns produtores rurais da região morreram muito mais cedo, em decorrência dos efeitos da mesma enfermidade.
O Correio revelou ontem o drama de um grupo de moradores de Araras, vilarejo com 200 famílias, a mais de 500km de Brasília. Eles herdaram dos pais, tios ou avós o xeroderma pigmentoso, doença genética típica de nascidos de casamentos consanguíneos (entre parentes). Além de viverem em uma região quente, com temperaturas variando de 20; a 35; diariamente, os doentes da localidade do noroeste goiano sofrem com a falta de dinheiro, de instrução, de informação e de assistência. Os irmãos Lázaro, Avelino e João, por exemplo, só conseguiram se aposentar em função da idade. Mas, como o que ganham do INSS é pouco, precisam criar gado leiteiro e produzir derivados da cana, como rapadura e melado, para pagar as contas. Atividades que os deixam sob o sol escaldante de Araras.
Uma equipe do Correio encontrou os três irmãos e mais nove portadores de xeroderma pigmentoso na quarta-feira passada, na sede do povoado. Todos contaram suas histórias e demonstraram desconhecer formas de prevenção contra o câncer de pele e os direitos como vítimas de uma doença que os impede de levar uma vida normal. Sem recursos para contratar advogado, não sabiam o que é um defensor público nem o papel do Ministério Público. Revelaram constrangimentos sofridos nos raros momentos em que reivindicaram direitos. ;Tentei a pensão (por invalidez) uma vez, mas a médica do governo (INSS) falou que eu era nova, tinha energia para trabalhar;, contou Vandrestina Jardim, 36 anos, que usa prótese no nariz devido à retirada de um tumor que lhe mutilou o rosto.
[SAIBAMAIS]Vandrestina tem tumores em toda a pele, assim com a irmã Cláudia Sebastiana, 31, e o irmão Djalma Antônio, 35. Esse já perdeu o nariz, o lábio superior e o olho direito. No lugar deles, usa a mesma prótese há 10 anos. O aparelho deveria ser trocado a cada dois anos. ;Mas não dá. Tenho que pagar do bolso e custa R$ 6 mil;, contou o homem. Ele e apenas outro morador doente de Faina conseguiram aposentadoria por invalidez. ;Mesmo assim, uma vez tive que tirar a prótese na frente da médica (perita do INSS) para ela acreditar em mim;, lembrou Djalma, que recebe R$ 465 mensais.
Para conseguir o benefício, ele também precisou provar que não tinha condições de pagar aluguel e transporte quando morava em Goiânia para se tratar. Por 10 anos, Djalma se hospedou em uma pensão da capital goiana para uma série de cirurgias. ;Era operado a cada 10 dias, para retirada de tumor. Foi a época em que mais sofri;, comentou ele. Há três anos, Djalma voltou à terra natal, a vila de Araras, onde mora sozinho em um casebre, mas perto das irmãs e da mãe. ;Aqui, as pessoas me aceitam melhor. Ninguém sai quando eu chego, como acontecia quando andava de ônibus em Goiânia;, ressaltou. Ele convive com a doença rara desde os 7 anos.
;Rosto remendado;
Lázaro, Avelino e João perderam as esperanças de serem atendidos pelo Estado. ;Ninguém vem aqui olhar pela gente. O meu rosto está todo remendado, já tive que operar a minha orelha. O câncer está me comendo;, desabafou Avelino. Ele e os dois irmãos, como a maioria dos doentes da localidade, não entendem os motivos de terem contraído o xeroderma pigmentoso. ;Senhor, a gente tá doente do sangue ou da pele?;, indagaram ao repórter do Correio, sem entender o que é genética, DNA e outras denominações da ciência moderna, que ainda não descobriu a cura para a doença hereditária.
O perigo do sol
O xeroderma pigmentoso é uma doença hereditária, incurável, caracterizada pela deficiência na capacidade de reverter (ou consertar) determinados danos no DNA (material genético), em especial aqueles provocados pela luz ultravioleta, presente na radiação solar.