Esta semana, o policial militar Paulo César Neres, 32 anos, comemorou a compra de um carro zero. Financiou o veículo em 60 meses e, ao assinar o contrato, foi surpreendido com uma taxa de R$ 208,40. ;Me explicaram que é uma taxa nova do governo e perguntei: Mais uma?; A taxa não é nova. A diferença é que, anteriormente, era paga aos cartórios. Agora, vai direto para o caixa do Departamento de Trânsito (Detran) e refere-se ao registro do contrato de financiamento do carro e à anotação do gravame (1)no Certificado de Registro do Veículo (CRV). Geralmente, o valor é incluído no bolo de despesas com despachante e o consumidor nem percebe. Mas uma mudança na legislação tem provocado polêmica e pode acabar em gasto extra para o consumidor (leia Entenda o caso).
Em reunião no auditório do Detran na semana passada, representantes dos agentes financeiros questionaram a validade do registro do contrato de alienação pelo Detran em caso de ação judicial para retomada do bem. ;Para nos resguardarmos, teremos que fazer dois registros: o do Detran e outro no cartório. É despesa em dobro. Ou bancaremos o custo ou repassaremos para o comprador;, comentou um dos representantes que alegou ao Correio que não poderia dar entrevista sobre o assunto. Outro empresário completou. ;Temos que ter garantias de que o registro do Detran tem o mesmo valor jurídico do que era feito pelos cartórios. Do contrário, não se justifica a cobrança desse valor cobrado pelo Detran.;
O diretor de Controle de Veículos e Condutores do Detran, coronel Admir Santana, rebateu a crítica dos agentes financeiros. Garantiu que o órgão realiza, agora, o mesmo serviço antes feito apenas pelos cartórios.;É o mesmo serviço. Se vocês pagavam para os cartórios, não entendo porque estão reclamando de pagar para o Detran. Não pedimos para fazer esse serviço. Estamos apenas cumprindo uma resolução do Contran. Se os senhores discordam, deverão questionar e propor mudanças junto ao Denatran;, sugeriu.
Controvérsia
O assunto é controverso até no meio jurídico. A dúvida sobre a obrigatoriedade de registro do contrato é provocada por duas leis federais em vigor: a de n;. 10. 406/02 e a de n; 11.882/08 (leia O que diz a lei). Advogados ouvidos pelo Correio têm opiniões diferentes. Para Diogo Machado de Melo, mestre e doutorando em Direito Civil pela PUC de São Paulo, a Lei n; 11.882/08 acabou com a obrigatoriedade de registro do contrato. Sob esse ponto de vista, o consumidor estaria tendo um gasto desnecessário. ;O registro do contrato é um cuidado extra. Mas não é obrigatório. Se a opção é pelo registro, os interessados devem entrar num acordo sobre quem arca com a despesa ;, sugere.
Na opinião de Jacque Veloso, conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional do Distrito Federal, os contratos de alienação devem, sim, ser registrados. Para ele a obrigatorieade está no Código Civil (Lei Federal n; 10.406). Segundo ele, as leis tratam de coisas diferentes. O Código Civil diz respeito ao contrato em si. Ou seja, da relação entre a instituição financeira e o cliente. A Lei 11.882 fixa que basta a anotação no certificado para que ninguém possa ignorar a existência da alienação do bem. ;Resumindo, o contrato deve ser registrado para gerar efeito entre as partes contratantes. E a anotação do gravame gera efeito perante terceiros;, diz.
Por meio da assessoria de imprensa, a Coordenação Jurídica do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), ao qual o Contran está subordinado, informou que a Resolução 320 refere-se ao registro exigido pelo Código Civil. A previsão de registro de contrato está no parágrafo 1; do artigo 1.361 (veja o que diz a lei). Explicou ainda que o registro do contrato de veículos pelos órgãos de trânsito não é o registro público, conforme previsto na Constituição Federal e que garante publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. O registro feito nos departamentos de trânsito serve apenas para garantir a existência de um contrato, pelo qual o veículo foi dado em garantia.
Durante dois dias o Correio tentou entrevistar a direção da Associação Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras (Anef). No fim da tarde de ontem, a assessoria de imprensa da entidade informou que nenhum dos seus diretores comentaria o assunto. O argumento é que a resolução do Contran é recente e todos os seus pontos ainda estão sendo discutidos com os associados.
Consumidor paga a conta
Polêmicas à parte, o fato é que o consumidor continua arcando com os custos do registro do contrato de finaciamento de veículos alienados. O dinheiro cai direto nos cofres do Departamento de Trânsito (Detran). O órgão não informou quanto arrecadou com a taxa desde que assumiu o serviço, antes feito pelos cartórios. Mas o Correio apurou que o valor pode chegar a R$ 40 milhões entre 18 de abril e agosto deste ano. O órgão de trânsito não confirma o valor e nem informa quanto desse total já entrou para os cofres da autarquia.
Uma fonte garantiu que a maioria das financeiras não pagou os registros feitos entre 18 de abril e 23 de agosto, apesar de o valor ter sido cobrado do cliente. Isso teria ocorrido porque nesse período o Detran não tinha um sistema que emitisse os boletos para pagamentos. ;As financeiras ficaram quietas. Mas temos controle de todos os registros. É só cobrar;, garantiu.
Os boletos só começaram a ser emitidos a partir de 24 de agosto. Para cada pedido de registro era emitida uma cobrança. As empresas alegaram que a cobrança por serviço era inviável. ;Atendendo aos pedidos, vamos juntar os serviços feitos durante o mês e emitir um único boleto. As financeiras fazem o pagamento até o quinto dia útil do mês subsequente;, explicou o diretor de Controle de Veículos e Condutores do Detran, coronel Admir Santana.
Na reunião da semana passada, em que o Detran explicou as regras da Instrução de Serviço 218/09(1), um dos representantes das financeiras chegou a dizer que apresentaria um pedido conjunto para que o Detran não cobrasse o serviço realizado entre 18 de abril e 23 de agosto, quando ainda não era emitido o boleto. ;Isso está fora de questão. Fizemos o serviço e vamos cobrar por ele. Vocês sempre paragaram para os cartórios. Não há porque não pagar agora;, afirmou Admir Santana.
A regra
A Instrução de Serviço (IS) 218/09 foi publicada no Diário Oficial do Distrito Federal no dia 9 deste mês. A instrução obriga a financeira a se cadastrar no Detran até o fim de outubro. Ao fazer o cadastro, elas recebem um código de acesso ao sistema do Detran que possibilita o pedido de registro do veículo e lançamento do gravame em tempo real. Quem não se recadastrar até o fim de outubro, não receberá o documento do veículo financiando, não podendo entregá-lo ao cliente. O mesmo vale para as financeiras que não pagarem ao Detran pelo serviço prestado.
No DF, todos os contratos de financiamento de veículos e o lançamento do gravame no sistema nacional eram feitos pelos cartórios, por meio de um convênio com o Departamento de Trânsito (Detran). Mas a Lei Federal 11.882/08, em vigor desde 23 de dezembro, anulou todos os convênios entre cartórios e os órgãos de trânsito competentes para o licenciamento de veículos. Os cartórios de Brasília conseguiram uma liminar que garantiu a manuntenção do convênio até 17 de abril último. A partir de 18 de abril, o Detran assumiu o serviço e manteve o mesmo valor cobrado pelos cartórios. O registro de contrato de financiamento de veículos de quatro rodas custa R$ 208,40 e, para os de duas rodas, a taxa é de R$ 103,50.
O artigo 6; da Lei Federal n; 11.882/08 estabelece que anotar no certificado de registro de veículo que ele está alienado tem efeito probatório contra terceiros e dispensa qualquer outro registro. Mas o texto do parágrafo 1; do artigo 1.361 do Código Civil Brasileiro, de 2002, define que constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento. É com base nesse parágrafo que o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) publicou a Resolução 320, que normatiza o registro do contrato de veículos alienados e o lançamento do gravame no Certificado de Registro de Veículo (CRV) por parte dos órgaos executivos de trânsito.